quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
Jingoubéus
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
Dor nas costas

Quando a cabeça doi, toma-se uma aspirina. Quando é o dente, procura-se o dentista. Mas, quando são as costas que doem, toda a esperança que você poderia ter num mundo melhor e ensolarado se esvai. A dor nas costas tira a gente do eixo e nos obriga, impiedosa, a considerar a passagem inexorável do tempo como uma maldição. Pode reparar: ouvido, cabeça, estômago, dente e panturrilha, quando doem, é chato. Costas, quando doem, indicam envelhecimento galopante.
terça-feira, 16 de novembro de 2010
Entre tapas e beijos

Nos últimos dias, o mundo gay e o noticiário policial voltaram a se encontrar. No primeiro caso, um rapaz de 18 anos foi preso ao beijar um garoto de 13 dentro de um cinema de shopping. No segundo, um grupo de meninos bem criados espancou quatro rapazes que encontraram ao longo de uma caminhada pela avenida Paulista. Em comum, todos os envolvidos - exceto o menino de 13 anos - passaram a noite em alguma cela do nosso educativo sistema presidiário. Todos foram libertados no dia seguinte, sob a alegação que não ofereciam perigo à sociedade em volta. E assim, a Justiça, cega e soberana, colocou no mesmo grau um beijo e um soco.
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
A cor da China

Para os chineses, a desgraça tem cor pastel. À medida que a história dos amantes condenados avançava em "Lanternas Vermelhas", o esfuziante colorido ia desaparecendo do cenário, dos figurinos e das maquiagens - sobrando apenas para a luz, deslumbrante e explosiva no seu final (na foto ao lado). A tristeza é transparente, lá para os lados de Beijing.
quinta-feira, 4 de novembro de 2010
Procura-se vivo ou morto

quinta-feira, 28 de outubro de 2010
Votos válidos

quarta-feira, 13 de outubro de 2010
Dois irmãos de elite 2

Reconheço que foram experiências bem distintas diante da tela: o filme argentino "Dois Irmãos", de Daniel Burmán, e "Tropa de Elite 2", do José Padilha (vi também "Eu matei minha mãe", de um garoto canadense bem talentoso, mas não entra nesta análise). Enquanto o dos argentinos toca uma espécie de opereta bufa e, ao mesmo tempo, carinhosa com seus personagens, o arrasa-quarteirão brasileiro é puro rock'n roll.
Poderíamos retomar a ladainha que tenta explicar o sucesso dos filmes argentinos, usando um argumento que eu mesmo defendo: os filmes dos portenhos tratam de pequenos dramas cotidianos, retratam personagens comuns, de uma classe média esmagada entre o sonho inalcançado de uma vida mansa e as mordidas no calcanhar dadas pelos cães da pobreza.
O diretor Ricardo P. Silva me alertou pra um dado: nós também temos nossos filmes sobre a classe média. O problema é que e eles raramente atingem um grande público, a não ser quando ancorados numa produção da Globo Filmes - caso de "Se eu fosse você" e outros dirigidos por Daniel Filho. Pode haver exceções, como os trabalhos de Laís Bodansky ("Chega de saudade", "As Melhores Coisas do Mundo"), mas geral os filmes brasileiros sobre a classe média só fazem sucesso mesmo na televisão.
Isso, acho eu, tem uma explicação histórica. Desde o Cinema Novo, sofremos no Brasil de um Complexo de Glauber Rocha. Todo cineasta brazuca quer ser genial, definitivo, épico. Pode reparar, primeiro filme de um cara tem uma avalanche de histórias. Em entrevista, Daniel Burmán disse que uma de suas influências é o francês François Truffaut, mestre do filme que se prendia em detalhes deliciosos e, de lá, construía um mundo. O cinema brasileiro parece ter optado pelo mega-evento e acostumou o público a isso.
Brasileiro que gosta de histórias sobre a classe média recorre à televisão. Ela, sim, em seu caminhar histórico, desenvolveu uma excelente técnica narrativa voltada toda em torno da classe média. Nossas novelas desbancaram o receituário cubano de melodramas, aproximou o telespectador, soube retratá-lo com primor. É bem verdade que, de uns tempos pra cá, algum iluminado das altas cúpulas televisivas decidiu que o bom mesmo é fazer novela à mexicana, mas isso é outra história. Pensando nas qualidades de nossa teledramaturgia, abordamos assuntos contemporâneos - de homossexualismo a doação de órgãos -sem deixar o romance de lado. Avançamos tecnicamente também, criamos narrativas mais ousadas - os tempos misturados de "O Casarão", a novela inteira passada em uma só noite de "O Rebu", o realismo fantástico de "Saramandaia". Seja nas caretas ou nas ousadas, o personagem que conduz a trama é sempre saído da classe média.
Cinema brasileiro é outra pegada. Cinema brasileiro que atrai públicp é o que trata de grandes eventos. Caso de "Tropa de Elite 2". José Padilha é um ótimo diretor, daqueles que procura bons parceiros para se apoiar. O roteiro desse filme tem o luxuoso nome de Braulio Mantovani e o elenco só traz feras dispostas a fazer o melhor possível. É um filme tenso, bem feito, firme e que consegue uma façanha rara: aprofunda ainda mais os personagens do primeiro filme. Em quase todas as sessões, os ingressos se esgotaram. Entusiasmado, o público aplaude no final, como se aprovasse a lavagem de roupa suja exibida na tela. "É um filme que mostra a realidade", foi o comentário de muita gente . Nesse ponto, o espectador do filme distancia-se do que vai ao teatro e opta por comédias. "Não vou pagar pra sofrer", dizem. No cinema, eles pagam, sofrem, vingam-se e aplaudem no final. Mas há outros filmes que retratam a realidade e que caíram no vazio. O que agrada em "Tropa" é o super-espetáculo.
Os vários exemplos de filmes argentinos que chegam até nós mostram uma tendência oposta no país vizinho. Interessante, também, é notar que o cinema argentino toca em feridas que os brasileiros já deixaram de lado, como os efeitos da repressão política sobre a vida dos cidadãos. Mas até mesmo nisso, eles apostam na tendência da 'história mínima': em vez de grandes reconstituições históricas, mostram o que aconteceu com quem viveu a época dura da repressão. Tivemos nossos bons exemplos, também, mas a 'moda' no cinema nacional é mesmo retratar os pobres do sertão, muitas vezes de uma maneira admirada por eles serem tão éticos e bacanas. Ou então reunir meia dúzia de atores da TV e refazerem histórias que a própria TV levou de melhor forma - "Quincas Berro d'Água" e "Primo Basílio" são dois exemplos.
Seja como for, "Dois irmãos" e "Tropa de Elite 2" são dois ótimos filmes, que merecem ser vistos. E jamais comparados... (Mas quem for ao argentino, diga se estou errado: o casal protagonista é a cara de Gloria Menezes e Ary Fontoura!)terça-feira, 5 de outubro de 2010
Urubus, rasguem minhas fantasias...

quarta-feira, 15 de setembro de 2010
Fazer rir

Dedico esse post ao Aimar Labaki e ao Petrônio Gontijo, com quem troquei, direta ou indiretamente, reflexões ao redor desse tema.
p.s. 2 - Quem quiser assistir a alguma apresentação de "Rádio Varieté" nas praças do centro, pode consultar o site http://www.laminima.com.br/. Tem datas já agendadas no Largo São Bento, no Parque da Luz e na Praça Antonio Prado.
quinta-feira, 9 de setembro de 2010
Sigilos quebrados

segunda-feira, 30 de agosto de 2010
Reality show de verdade
terça-feira, 17 de agosto de 2010
Essa gente bronzeada mostra seu valor

Toda vez que vou a Minas Gerais (e bem que poderia ser mais vezes, quando lembro daquela comida gostosa...), me divirto lendo os jornais locais. São bons jornais, abertos ao noticiário nacional e internacional, cobertura ampla e tal. Mas quando falam de algum artista conterrâneo, fazem questão de lembrar isso ao leitor. Selton Mello não é apenas o ator e diretor de sucesso. É o "mineiro de Passos". É um orgulho ser conterrâneo de tal figura, diz-se nas entrelinhas. Ou é óbvio que faria sucesso - é mineirim, uai.
E antes que me acusem de tripudiar sobre o bairrismo, me adianto. Tenho a mesma sensação toda vez que os jornais noticiam algum evento internacional em que surja, de forma inesperada, a presença de um brasileiro. Esta semana aconteceu isso, com o acidente do avião na Colômbia. Uma aeronave partiu-se em três, uma mulher morreu do coração, não houve outros mortos - mas todos os noticiários aqui sublinhavam a presença de quatro brasileiros. Nem entraram no mérito de um deles, militar da aeronáutica, se não me engano, ter escapado ileso de forma bastante humana, mas não muito heroica.
Identificar um brasileiro num acidente aéreo, numa avalanche de neve em Bariloche ou numa enchente do Paquistão diferencia aquele incidente de outros tantos. O caso da adolescente condenada em Abu Dhabi por ter feito sexo com um motorista paquistanês só mereceu destaque porque a menina é "coisa nossa". Atentados terroristas ganham mais manchetes quando envolvem um brazuquinha perdido nos confins do Oriente Médio. Ah, esse nosso verde-amarelismo...
Não sei se outros povos - além do brasileiro e do americano - têm esse mesmo comportamento. Digamos que não. O que nos espanta tanto quando uma coisa dessas acontece? Será que até hoje não superamos nossa vergonha de ser colônia e viver longe do centro civilizado? Será que até hoje achamos inacreditável que um dos nossos - mesmo que não façamos ideia da existência dessa pessoa até o fato ocorrido - possa ter sido vítima ou testemunha de um acontecimento histórico?
Essa mania de achar que só turista alemão pode ser baleado num cruzeiro pelo Rio Nilo nos deixa na pole position em qualquer campeonato de provincianismo. Pior é quando as sensibilidades se sentem feridas - é o caso dos rapazes brasileiros condenados à morte na Indonésia por traficar drogas. É cruel, claro que é, especialmente pra quem - como eu - é contrário à pena de morte. Mas uma pessoa que infringe conscientemente uma lei severa sabe dos riscos que está correndo. Faz uma aposta alta e perde. As leis da Indonésia não livram a cara de ninguém só porque a pessoa nasceu num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza.
As distâncias aproximaram os mundos e, hoje, não é nada difícil para um brasileiro estar do outro lado do planeta quando alguma coisa acontece. Eu mesmo estava a 400 km de Sichuan, na China, no dia em que ocorreu aquele terremoto pavoroso, dois anos atrás. Lembro até hoje do frio na espinha ao chegar no hotel, desavisado, e ver o mapa da tragédia no noticiário na CNN. Era muito perto! Isso faria de mim uma manchete: "Terremoto na China mata 200 mil chineses e um brasileiro". O pior é que ia aparecer um espírito de porco perguntando: mas que diabo ele foi fazer lá? Tanto lugar bonito aqui pra conhecer...
quinta-feira, 12 de agosto de 2010
Corpo a corpo

quarta-feira, 4 de agosto de 2010
O meu dia dos pais

Em 2003, minutos antes de abrirmos as portas do teatro do Centro Cultural Banco do Brasil para a estreia de "Vestir o Pai", Paulo Autran - que dirigia a peça - olhou a plateia vazia e comentou: "A gente passa meses ensaiando a comédia que você escreveu, mas só vai saber se fez o trabalho direito na hora que escutar a primeira risada do público". Uns 15 minutos depois, ouvíamos a primeira das muitas risadas provocadas em "Vestir o Pai" e relaxamos nas nossas cadeiras. A bola agora estava com Karin Rodrigues, Leona Cavalli e Otávio Martins, em cena. Mas a lição ficou na cabeça: só descobrimos que acertamos quando o público ri. É a agonia de quem faz comédia.
Depois da gestação em nossos cérebros e computadores, a peça chega ao corpo dos atores, mas passa algum tempo - dois, três meses - trancada nas salas de ensaio. Ali, sim, a peça começa a ganhar vida. Mas piada repetida vai perdendo a graça e, depois de dez dias de ensaio, ninguém mais ri do texto. Nos ensaios de "Vamos?", a equipe riu muito - das invenções, cacos, erros, nunca mais do texto. A noção do que é engraçado vai se diluindo com o passar do tempo. E de repente lembramos que a porta vai abrir, o público tomar seus assentos e - torcemos - rir. No fundo do pensamento, como a goteira na pia da área de serviço, surge de mansinho o frio na espinha: e se eles não rirem?
Vão rir, eu sei. Mas o medinho impulsiona a melhorar e aprimorar o trabalho. É a incerteza que me faz caprichar em cada fala. Pelo menos, eu tento. Mas, por mais confiança no taco que se tenha, a gente sempre leva uma surpresa quando a coisa dá certo. Eu, pelo menos, sou assim. Recentemente, fui ao centro de São Paulo assistir ao ensaio aberto de "Rádio Varieté", o novo espetáculo de rua da Cia. La Mínima. Escrevi alguns esquetes pra esse espetáculo e fui lá ver se funcionava - ou seja, fui checar se as pessoas ririam.
Foi a primeira vez que escrevi para uma peça de rua e isso exige uma outra técnica, outra noção de tempo de piada. Pra complicar, me meti a escrever uma cena de ventríloquo e, graças ao Domingos Montagnier e ao Fernando Sampaio, aprendi muita coisa. Vocês já tinham reparado que boneco de ventríloquo fala pouco? Pois é, fala. Mas o pouco que fala tem de ser engraçadíssimo. A cena feita na rua, pela primeira vez, trazia um boneco astrólogo que tentava adivinhar o signo do público. A plateia riu e, juro, eu fiquei arrepiado. O primeiro riso em qualquer espetáculo libera uma adrenalina lascada.
Eu só acredito em teatro feito em conjunto. Não em grupo, como uma noção engessadora, mas em conjunto - autor, diretor, atores, técnicos e público, todos fazem a peça existir. Na falta de qualquer um deles, a coisa não acontece. Não acredito em artista auto-suficiente, que no mesmo espetáculo escreve, dirige, atua, vende ingresso e estoura a pipoca. Pra substituir o público por si mesmo é um passo.
A multiplicidade é que dá a liga. Deve ser por isso que me sinto em casa trabalhando com os Parlapatões e o La Mínima, dois grupos que não exigem fidelidade partidária - a não ser ao trabalho em si, à seriedade com que encaramos o riso alheio. Deve ser por isso que gosto de trabalhar com Jairo Mattos, que tem uma paixão incontrolável, como ele mesmo, pelo teatro . Deve ser por isso que chego no ensaio de "Vamos?" e me atiro nos braços da equipe toda - Dalton Vigh, Rachel Ripani, Alex Gruli, Tânia Khalil, Rafael Maia, Rita Batata, Otavio Martins, Tati, Chico, Ed, Valdir... A gente se juntou e fez um timão.
Deve ser por isso que, neste fim de semana, cinco peças minhas vão ocupar alguns disputados espaços teatrais da minha cidade. Coincidência, ok. Mas também uma alegria imensa e uma ansiedade desmesurada. Minha cabeça entrou em processo de parto de uma peça, de formatura da outra, de festinha da outra... São filhotes, espalhados pelo mundo, e que vieram, vejam vocês, todos me visitar no dia dos pais.
O "Festival Mário Viana de Teatro & Risos" é formado por (na ordem alfabética):
AMANHÃ É NATAL, com Álvaro Gomes, Cinthia Zacariotto e Nana Paquini. Direção de Jairo Mattos. Teatro Paulo Eiró, Av. Adolfo Pinheiro, 765. Sex e sáb, 21 horas. Dom, 19 horas. Ingresso: 10 reais. Até 22 de agosto.
CARRO DE PAULISTA (escrita com Alessandro Marson), com Tadeu Pinheiro, Vinicius Oliveira, Aline Abovski, Fábio Neppo e Rodolfo Valente. Direção de Jairo Mattos. T. Ruth Escobar, R. dos Ingleses, 209. Sáb., 22h30. Ingresso: 30 reais. Até 25 de setembro.
O MÉDICO E OS MONSTROS, adaptação do original de Robert Louis Stevenson, com Cia. La Mínima. Direção de Fernando Neves. Teatro Cleyde Yáconis, Av. do Café, 277, Jabaquara (ao lado do Metrô Conceição). Qui, 21h. Sex, 21h30. Ingresso: 30 reais. Até dia 29.
UM CHOPES, DOIS PASTEL & UMA PORÇÃO DE BOBAGEM, com os Parlapatões. Já faz parte do repertório cult do grupo. Sex, 21h. Sáb, 21h e meia noite, dom. 20h. Ingresso: 15 reais. Até dia 8.
VAMOS?, com Dalton Vigh, Tânia Khalil, Rachel Ripani e Alex Gruli, direção de Otávio Martins. Teatro Imprensa, Rua Jaceguai, 400, Bela Vista. Sex, 21h30, sáb. 21h e dom., 19 horas. Ingressos: 40 reais e 50 reais. Estreia.
sábado, 24 de julho de 2010
O Crime Perfeito

terça-feira, 20 de julho de 2010
Gilberto, o Interminável

quinta-feira, 8 de julho de 2010
Imitação da Arte

É de arrepiar a sinopse do filme "O medo do goleiro diante do pênalti", que Win Wenders dirigiu em 1971: "Baseado em obra de Peter Handke, o filme é centrado na figura do goleiro Joseph Bloch. Após ser substituído em uma partida, ele deixa o campo e passa a noite com uma atendente de cinema. Sem motivos, ele estrangula a moça na manhã seguinte".
Win Wenders, obviamente, não sabia nem poderia prever a existência do Goleiro Bruno do Flamengo - o rapaz perdeu sobrenome e ganhou essa marca registrada ao protagonizar uma das mais macabras tramas registradas pela imprensa nacional. Uma trama que ganha detalhes cada vez mais sórdidos a cada anoitecer e que requenta, de quebra, os preconceitos nossos de cada dia. Win Wenders deve ter feito um filme denso, como é em geral sua obra (eu não lembro de ter visto, só guardei o título, lindo). Mas nada que ele pusesse no roteiro no começo dos anos 70 chegaria aos pés da assustadora realidade que se revela.
Ao contrário de Wenders, que usou sua obra para discutir a coexistência nem sempre pacífica entre homem e sociedade, o goleiro Bruno devia acreditar que a vida era outro tipo de cinema - aquele dos filmes de violência gratuita, em que se degolam pessoas como se passa manteiga no pãozinho. Bruno e seus amigos - Macarrão, Coxinha, Paulista e outros de apelidos semelhantes - enxergaram a paranaense Eliza como uma figurante qualquer num filme do Steven Seagall ou do Jean-Claude Van Damme.
A figurante que, no começo, era apenas uma moça gostosa, disposta a se divertir e levar diversão aos jogadores - uma maria-chuteira, como dizem no futebol - resolveu ter fala no filme projetado na cabeça de Bruno e sua turma. Já não bastava ter engravidado? Eliza e Bruno tiveram suas noites de farra e da folia nasceu um garoto, cuja paternidade ela buscava reconhecer. Não devem ter sido conversas muito amenas, essas de Bruno e da possível mãe de seu filho. Eliza devia jogar pesado, como em geral jogam as meninas que se envolvem com esses caras.
Tudo poderia ter acabado em relativa paz. Ele pagaria a pensão do moleque, a mulher faria caras e bocas, mas o aceitaria de volta, e Eliza continuaria sua saga de colecionadora de fotos com jogadores. Aqui e ali surgem comentários sobre a vida assanhada da moça, que teria feito filme pornô e tudo. É como se cada cena de sexo reduzisse a culpa de seus assassinos e explicasse, por si só, o crime.
O erro trágico de Bruno e Eliza foi ter seus caminhos misturados aos de figuras ensandecidas e sem a menor noção de limite entre vida e ficção. A figurante deu problema? Nós a matamos e atiramos seu corpo aos cães. Literalmente. O que passa na cabeça de alguém que faz isso? Eu tento imaginar o processo mental - sim, há um - que leva alguém a considerar as cenas de um filme de ação suficientemente plausíveis para ser colocadas em prática. Matar alguém já está além. Matar friamente, então. E o que veio a seguir, nem se fala. O que espanta é que não foi um cara sozinho que fez. Havia um grupo de homens em torno de uma moça. E será que nenhum deles por um instante que fosse pensou que aquilo poderia dar algum problema? Ou será que ele viu a cena como mais um filme de ação, em que o prédio explode e ninguém quer saber quem morreu ou quem matou.
Para completar o quadro de horror, o pai da vítima agora foi apontado como possível estuprador de menores no passado. E a mãe da moça morta, a mãe que sumira, voltou das brumas de avalon para reivindicar a posse do menino, agora um órfão que certamente terá direito à pensão do goleiro. Há sempre um interesse esquivo fazendo pulsar certos corações.
E como se nada disso bastasse, o mundo do twitter se divide entre quem considere Bruno perseguido por que é preto e ex-favelado ou entre quem veja no caso inspiração para as mais insólitas piadas. No começo, algumas até que foram engraçadas - mas os detalhes surgidos dia a dia mostram que a turma de Bruno não estava pra brincadeira. E o riso, que já era amarelo, virou esgar.
Sem querer, quem melhor resumiu a trama de horror foi o menor que entregou o crime todo. Quando saiu do bagageiro e surpreendeu a moça, na van do goleiro, o menor teria olhado pra ela e dito: "Perdeu, Eliza". Tantas outras Elizas, que empataram ou ganharam o jogo de virada, estão por aí, levando suas vidas, apresentando seus programas, esquiando em suas estações de esqui preferidas. Eliza acabou despedaçada num canil. Pois é. Eliza perdeu e perdeu feio. Foi seu erro. Até pra morrer é preciso não cometer certos pecados.
sexta-feira, 2 de julho de 2010
A pátria descalça

terça-feira, 29 de junho de 2010
Valeu, Guzik!

terça-feira, 22 de junho de 2010
Tá no fim! Corre!

Hoje tem marmelada? Não, Mazaropi!
por luizmerten
Seção: Sem categoria
21.junho.2010 21:50:35
Fico sempre em dúvida se digo ‘a’ Reserva Cultural ou ‘o’ Reserva. Afinal, é cinema, masculino. Fui ontem rever ‘O Profeta’ no Reserva, após o jogo do Brasil. Não havia muita gente – a Copa do Mundo é péssima para o negócio do cinema, mas eu insisto que vocês vejam o filme de Jacques Audiard com Tahar Rahim. Puta filme bom. Já havia gostado (muito) quando o vi em Cannes, no ano passado. Ontem, gostei mais ainda. E como é triste! A solidão do personagem, que consegue unir todo mundo contra, me destroçou, mas o final é ótimo. Não conto para não me acusarem depois de tirar a graça. Estou em casa, e cansado. Corri muito nesta segunda-feira, primeiro para tirar meu visto do México, depois para entrevistar a atriz de ‘Flor do Deserto’. Que que é aquilo? Mulher mais linda, e inteligente, afetiva. Ainda não postei nada sobre ‘Hoje tem Mazaropi’. O novo texto de Mário Viana está no Teatro União Cultural. Não sei se gosto tanto de Mazaropi quanto da representação que fazem dele outros artistas. Havia adorado ‘Tapete Vermelho’, de Luiz Alberto ‘Gal’ Pereira, com Matheus Nachtergaele como um pai que rasga coração para introduzir o filho pequeno no universo de Maza. O texto de Mário Viana agora imagina um primo do cômico e sua filha que não tem um pingo de talento, mas quer ser ‘artista’. Como Mateus Nachtergaele, Júlio Lima cria um Mazaropi marasvilhoso. E o texto é ingênuo na medida certa, jogando com o maniqueísmo de forma inteligente. O próprio Mário Viana estava no teatro no sábado à noite. Trabalhei com o Mário no ‘Estado’. Como autor, adora uma escatologia. Ele definiu ‘Hoje Tem Mazaropi’ com seu texto mais familiar e eu acrescento – ‘em termos’. Numa das cenas, em busca da filha que partiu, Maza, a mulher e a irmã da garota vão parar na fazenda de um coronel que acaba de morrer. Seu filho aparece carregando um ‘trabuco’ no meio das pernas, uma indecência divertida, bem como o Mário gosta. Como o texto é cifrado, cheio de referências – para quem quiser identificar – fiquei pensando se não será, aquele ‘exagero’, por causa de Davi Cardoso, que usava umas calças muito apertadas, com a genitália escancarada. Era um perigo, o cara. Não por isso, claro, mas vejam o espetáculo. É bonito. E o Maza merece, com seu jeca que virou emblema do humor caipira – e popular – brasileiro.
sábado, 19 de junho de 2010
Memórias de Viagem - Saramaguianas
sexta-feira, 18 de junho de 2010
O evangelista

domingo, 13 de junho de 2010
Doze de Junho

Tem data que fica na memória. 12 de junho, por exemplo, resplandesce no meu diário íntimo. Mesmo que eu quisesse esquecer, o sistema capitalista inteiro se mobiliza pra me lembrar que 12 de junho tá aí, tá chegando, não esqueça, etc etc. Num dia 12 de junho, 29 anos atrás, eu tomei meu primeiro avião. Acho que fazia sol, já não lembro. Mas não esqueço a data e toda vez que escuto uma música do Caetano, tenho uma fuga rápida para o pretérito mais que perfeito. "Minha mãe chorava em ai, minha irmã chorava em ui e eu nem olhava pra trás". No dia em que eu fui embora - de casa e do país - não teve nada demais. A não ser pra mim.
Meu primeiro voo foi para a Europa, a bordo de um avião da Lineas Aereas Paraguayas, a LAP. Naquele século, viajar de avião era chique. Viajar para fora do país era uma coisa. Viajar para a Europa, então, era tipo sonho dourado. Mesmo que fosse a bordo de um avião da LAP. O destino final era Madri, mas a passagem baratíssima dava direito a um percurso de romaria: Campinas (sim, saía de Viracopos) - Assunção - Salvador - Madri. Acho que a viagem durou umas 500 horas, mas era barato e, pra quem tava habituado a ir e voltar de Pernambuco em possantes ônibus da São Geraldo ou da Itapemirim, 500 horas eram bico. Era avião, ora bolas.
A aeromoça falava qualquer idioma, menos português. Acho que não falava espanhol também. Devia ser guarani. Vejam que falta faz a cultura geral. Vai ver, era guarani e por isso ela não entendia quando eu pedia "água". "No compreendo". Meu Deus, como será água em espanhol? O Wanderley, que viajava comigo, remexia nas raízes familiares hispânicas e concluía que água era água. "No compreendo". Deve ser por isso que, atualmente, bebo água feito um camelo toda vez que embarco num avião. Trauma.
Foi nessa viagem que descobri uma coisa fascinante. E assustadora. As asas dos aviões não são inteiriças. São feitas de pedaços que se dobram, abrem, mexem, tudo para fazer o bicho acelerar ou frear, quando pousa. Como eu não sabia disso, levei um puta susto quando o avião pousou em Madri e as asas começaram a se 'desmontar' para todo lado. Profeta da desgraça, eu só acertei em não sair gritando pelo avião, já que ninguém parecia se importar com o fato. Devia ser normal, mesmo que fosse esquisito. Era.
Juro que até hoje, toda vez que o avião pousa, eu olho as asas e lembro disso. Do meu susto. Fico contente em saber que ainda sobrevive em mim o capiau espantado, que saiu da zona norte de São Paulo para a Gran Via de Madri, sem nem imaginar que era verão na Europa e o sol custava a se por. Não falava espanhol, tatibitava no inglês, o francês não chegava ao oui, mon amour. E ainda assim eu embarquei naquele avião da LAP num dia 12 de junho.
Não vou me gabar nem cantar de galo, assumindo uma postura corajosa que nunca existiu. O corajoso desafia os medos e eu acho que nem medo tive. Não fazia ideia do que ia encontrar, ponto. Tava apaixonado, tava com sede de vida e fome de mundo. Minha agenda estava com as páginas em branco e o que ficou escrito nela foi porque uma coisa puxa a outra, a vida não para e tinha razão o Caetano quando cantava que era preciso estar atento e forte. Não havia tempo pra temer nada. Eu era um tropicalista na prática.
Uns meses depois daquele 12 de junho, eu caminhava sozinho por Lisboa, acho que pelo Rocio, no centro. Era noite e eu ia pro metrô, quando resolvi subir a pé a Avenida da Liberdade, olhando os turistas que tomavam seus drinques nos bares do passeio público. E eu sem um puto no bolso, a não ser o bilhete do metro. Havia muita estrela no céu - o céu de Lisboa é uma coisa inesquecível, de dia ou de noite, o motivo eu não sei, só sei que é. E eu, sozinho ali, cantarolando "Mamãe coragem", do Caetano. "A vida é assim mesmo, eu fui embora" e andava. "Eu vim, eu quis, eu fiz, seja feliz, mamãe, não chore". E eu chorei. A gente sempre chora no próprio parto.