segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Reality show de verdade


Se o noticiário deixava dúvida, a capa da Veja acaba com os questionamentos. Neste exato momento, no subsolo do Chile, 33 homens estão trancafiados numa mina que desabou. Muitos artigos - inclusive do Luiz Zanin, no Estadão - lembraram a trama do filme "A Montanha dos Sete Abutres", dirigido por Billy Wilder. Eu mesmo pensei logo no filme quando li a primeira notícia: na trama, um homem fica soterrado e um repórter sensacionalista transforma o caso numa histeria nacional. Acho mesmo que o filme tem um título opcional, "O Grande Circo". E é daqueles filmes que todo aluno de jornalismo deveria ser obrigado a assistir durante a faculdade. Mas se nem língua portuguesa ensinam direito nos cursos de Jornalismo, que dirá Ética...

Voltando ao caso dos mineiros do Chile. Mais que a obra-prima de Hollywood, o drama atual me lembra muito os reality shows que, há algum tempo, garantem a audiência das emissoras de TV. Já se tornou hábito esperar a escalação dos estranhos que vão coabitar juntos, exibindo corpos sarados e personalidades deturpadas em rede nacional. Com o trabalho primoroso dos editores - os verdadeiros gênios dos reality shows - essa convivência logo vira uma novela, que a maioria das pessoas acompanha como se daquilo dependesse a sua própria felicidade. Mistura-se dramalhão com comédia, vulgaridade com vilania e o circo está armado.

No Chile, o confinamento é real. Ali, sim, aplica-se o termo reality. Em torno dos 33 homens soterrados, circulam suas famílias, os funcionários de uma mineradora que descuidou acintosamente da segurança de seus funcionários e um sem-fim de funcionários públicos que não fez o que deveria ter feito. E enquanto profissionais discutem até que ponto os mineiros confinados devem ser informados da real gravidade da situação, a mineradora ameaça não pagar os salários dos homens presos na terra, alegando falta de dinheiro. Arma-se, dia a dia, um circo de horrores tristemente verdadeiros.

E o medo, o meu medo, é que esse horror aumente ao longo dos próximos 100 dias - prazo que, acredita-se, vai levar para ser cavado o túnel de saída. Se um dos homens enlouquecer, ficar doente, cair em depressão, poderemos assistir - de mãos atadas - à agonia pública. Há suspense pior: se um deles não emagrecer o suficiente - e atingir os 90 cm de cintura - poderá ficar entalado no túnel. Como será isso? El Gordo vai por último?

Será que - além das famílias - haverá muita gente interessada nos destinos desses homens daqui a 100 dias? E se for ao ar um novo reality show, desta vez com gente mais bonita, mais sarada e mais vulgar? A audiência volúvel mudará de canal? São muitas perguntas, mas a premissa, acho eu, é uma só. É preciso muito sangue de barata para levar ao ar um reality show programado quando a vida de verdade informa que homens iguais a nós padecem num confinamento cruel e de final imprevisto.

Eu já não assistia reality show antes. Agora, piorou.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Essa gente bronzeada mostra seu valor



Toda vez que vou a Minas Gerais (e bem que poderia ser mais vezes, quando lembro daquela comida gostosa...), me divirto lendo os jornais locais. São bons jornais, abertos ao noticiário nacional e internacional, cobertura ampla e tal. Mas quando falam de algum artista conterrâneo, fazem questão de lembrar isso ao leitor. Selton Mello não é apenas o ator e diretor de sucesso. É o "mineiro de Passos". É um orgulho ser conterrâneo de tal figura, diz-se nas entrelinhas. Ou é óbvio que faria sucesso - é mineirim, uai.





E antes que me acusem de tripudiar sobre o bairrismo, me adianto. Tenho a mesma sensação toda vez que os jornais noticiam algum evento internacional em que surja, de forma inesperada, a presença de um brasileiro. Esta semana aconteceu isso, com o acidente do avião na Colômbia. Uma aeronave partiu-se em três, uma mulher morreu do coração, não houve outros mortos - mas todos os noticiários aqui sublinhavam a presença de quatro brasileiros. Nem entraram no mérito de um deles, militar da aeronáutica, se não me engano, ter escapado ileso de forma bastante humana, mas não muito heroica.



Identificar um brasileiro num acidente aéreo, numa avalanche de neve em Bariloche ou numa enchente do Paquistão diferencia aquele incidente de outros tantos. O caso da adolescente condenada em Abu Dhabi por ter feito sexo com um motorista paquistanês só mereceu destaque porque a menina é "coisa nossa". Atentados terroristas ganham mais manchetes quando envolvem um brazuquinha perdido nos confins do Oriente Médio. Ah, esse nosso verde-amarelismo...

Não sei se outros povos - além do brasileiro e do americano - têm esse mesmo comportamento. Digamos que não. O que nos espanta tanto quando uma coisa dessas acontece? Será que até hoje não superamos nossa vergonha de ser colônia e viver longe do centro civilizado? Será que até hoje achamos inacreditável que um dos nossos - mesmo que não façamos ideia da existência dessa pessoa até o fato ocorrido - possa ter sido vítima ou testemunha de um acontecimento histórico?

Essa mania de achar que só turista alemão pode ser baleado num cruzeiro pelo Rio Nilo nos deixa na pole position em qualquer campeonato de provincianismo. Pior é quando as sensibilidades se sentem feridas - é o caso dos rapazes brasileiros condenados à morte na Indonésia por traficar drogas. É cruel, claro que é, especialmente pra quem - como eu - é contrário à pena de morte. Mas uma pessoa que infringe conscientemente uma lei severa sabe dos riscos que está correndo. Faz uma aposta alta e perde. As leis da Indonésia não livram a cara de ninguém só porque a pessoa nasceu num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza.

As distâncias aproximaram os mundos e, hoje, não é nada difícil para um brasileiro estar do outro lado do planeta quando alguma coisa acontece. Eu mesmo estava a 400 km de Sichuan, na China, no dia em que ocorreu aquele terremoto pavoroso, dois anos atrás. Lembro até hoje do frio na espinha ao chegar no hotel, desavisado, e ver o mapa da tragédia no noticiário na CNN. Era muito perto! Isso faria de mim uma manchete: "Terremoto na China mata 200 mil chineses e um brasileiro". O pior é que ia aparecer um espírito de porco perguntando: mas que diabo ele foi fazer lá? Tanto lugar bonito aqui pra conhecer...

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Corpo a corpo


A campanha eleitoral nem começou na TV e os ânimos já se exaltaram. Nem estou pensando nas manchetes tendenciosas, cheias de malícia, que jornais e revistas andam publicando - e nem quero imaginar no que vem pela frente. Também acho desnecessário falar da militância aguerrida, com esses não tem discussão mesmo, o cara acredita em seu candidato e vai à luta. Basta ver que todos reclamaram de como William Bonner entrevistou o "seu" candiato. Ninguém saiu satisfeito.

O que tem me impressionado mesmo é a partidarização das pessoas comuns. Ok, é realmente muito bom ver que há bastante gente interessada nos destinosdo país... Mas a coisa atualmente não é tão simples. O que espanta é que gente comum, tipo você, eu e um milhão de almas usam o twitter, o facebook, os emails e os blogs pra não só divulgar seu voto, mas atacar os adversários e, acima de tudo, reagir de maneira espantosa a quem manifesta preferência por outro candidato que não o seu.

A impaciência chegou com tudo ao mundo virtual e o que antes era motivo para bons debates entre amigos, hoje tornou-se uma forma de agredir e até desprezar quem não pensa igual. Só por dizer que tinha votado no Lula nas duas eleições anteriores, me senti cortado da lista de algumas pessoas. As mesmas pessoas que me encontraram pela rede e se diziam mortas de saudades, vamos nos ver, etc etc. Um voto me transformou em persona indesejável na rede social.
Tenho amigos que vão votar no Serra, que fazem campanha aberta e escancarada pelos tucanos. Outros são Marina Silva desde a primeira infância. E há ainda os que votarão na Dilma sem pestanejar nem discutir as graves pisadas na bola da gestão petista. Tirando, obviamente, a opinião desfarovável que um tem a respeito do voto do outro, por que devo me afastar dessas pessoas? Por acaso, de agora em diante, só vou querer andar com corintianos e fãs do Chico Buarque? Na minha cabeça, já estavam mais que fora de moda figuras que só tinham amigos gays ou maconheiros ou jogadores de xadrez.
Dar opinião, ainda por cima em rede social, ficou muito complicado. Aquilo é terra de ninguém, é espaço público e, a não ser que você mande em private ou direct, está falando para todo mundo. Logo, está se submetendo ao julgamento geral e não pode reclamar de invasão de privacidade. Acontece que as opiniões favoráveis aos nossos não-candidatos são chatas. As favoráveis aos nossos candidatos também são chatas, mas pelo menos a gente concorda com elas em alguma coisa.
Uns e outros inundam as redes, caixas postais e tudo quanto é forma de comunicação falando bem do seu e mal do outro. E ai de quem tentar contestar. "Cretino" é praticamente um elogio de avó pra neto se compararmos com o que se escreve na rede. A palavra escrita, enviada a distância, serve de escudo e dá ao que escreve uma noção de super-poder que ele dificilmente teria no cara a cara.
Não deve ser difícil respeitar o voto alheio. Pessoas normais não saem se matando só porque torcem para times diferentes (pessoas normais, atenção). Podem bater boca, tirar sarro, tripudiar sobre o adversário que perdeu, mas não trata o outro como uma bactéria desprezível.
É claro que uma eleição não é um amistoso interclubes. O voto ajuda a definir os próximos anos de uma comunidade, um Estado, um país. É decisão que afeta a economia e o bem estar de muitos (ou pelo menos deveria ser assim). Mas a importância não significa que foi abolido o respeito à opinião alheia.
Se Serra conta com o apoio quase incondicional da imprensa. Se Dilma conta com o impulso irrefreável do governo federal. Se Marina Silva arrebanha os que não querem se envolver em briga de cachorro grande.Se Plínio revela agora um desconhecido lado de vovô da fuzarca... Todos esses "ses" serão resolvidos no dia da eleição. E passaremos os próximos anos submetidos à vontade da maioria. É assim que funciona.
E antes que eu me esqueça, meus votos decididos até agora são: Dilma pra presidente, Marta pro Senado, Erundina pra deputada federal e Salete Campari pra deputada estadual. É questão de opinião e não de aposta na mega sena. Se ganhar o Serra e meus outros votos não emplacarem, continuarei a tocar minha vida da mesma maneira. Mais crítico, claro, porque ninguém aqui é candidato a santo.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

O meu dia dos pais



Em 2003, minutos antes de abrirmos as portas do teatro do Centro Cultural Banco do Brasil para a estreia de "Vestir o Pai", Paulo Autran - que dirigia a peça - olhou a plateia vazia e comentou: "A gente passa meses ensaiando a comédia que você escreveu, mas só vai saber se fez o trabalho direito na hora que escutar a primeira risada do público". Uns 15 minutos depois, ouvíamos a primeira das muitas risadas provocadas em "Vestir o Pai" e relaxamos nas nossas cadeiras. A bola agora estava com Karin Rodrigues, Leona Cavalli e Otávio Martins, em cena. Mas a lição ficou na cabeça: só descobrimos que acertamos quando o público ri. É a agonia de quem faz comédia.





Depois da gestação em nossos cérebros e computadores, a peça chega ao corpo dos atores, mas passa algum tempo - dois, três meses - trancada nas salas de ensaio. Ali, sim, a peça começa a ganhar vida. Mas piada repetida vai perdendo a graça e, depois de dez dias de ensaio, ninguém mais ri do texto. Nos ensaios de "Vamos?", a equipe riu muito - das invenções, cacos, erros, nunca mais do texto. A noção do que é engraçado vai se diluindo com o passar do tempo. E de repente lembramos que a porta vai abrir, o público tomar seus assentos e - torcemos - rir. No fundo do pensamento, como a goteira na pia da área de serviço, surge de mansinho o frio na espinha: e se eles não rirem?





Vão rir, eu sei. Mas o medinho impulsiona a melhorar e aprimorar o trabalho. É a incerteza que me faz caprichar em cada fala. Pelo menos, eu tento. Mas, por mais confiança no taco que se tenha, a gente sempre leva uma surpresa quando a coisa dá certo. Eu, pelo menos, sou assim. Recentemente, fui ao centro de São Paulo assistir ao ensaio aberto de "Rádio Varieté", o novo espetáculo de rua da Cia. La Mínima. Escrevi alguns esquetes pra esse espetáculo e fui lá ver se funcionava - ou seja, fui checar se as pessoas ririam.



Foi a primeira vez que escrevi para uma peça de rua e isso exige uma outra técnica, outra noção de tempo de piada. Pra complicar, me meti a escrever uma cena de ventríloquo e, graças ao Domingos Montagnier e ao Fernando Sampaio, aprendi muita coisa. Vocês já tinham reparado que boneco de ventríloquo fala pouco? Pois é, fala. Mas o pouco que fala tem de ser engraçadíssimo. A cena feita na rua, pela primeira vez, trazia um boneco astrólogo que tentava adivinhar o signo do público. A plateia riu e, juro, eu fiquei arrepiado. O primeiro riso em qualquer espetáculo libera uma adrenalina lascada.



Eu só acredito em teatro feito em conjunto. Não em grupo, como uma noção engessadora, mas em conjunto - autor, diretor, atores, técnicos e público, todos fazem a peça existir. Na falta de qualquer um deles, a coisa não acontece. Não acredito em artista auto-suficiente, que no mesmo espetáculo escreve, dirige, atua, vende ingresso e estoura a pipoca. Pra substituir o público por si mesmo é um passo.



A multiplicidade é que dá a liga. Deve ser por isso que me sinto em casa trabalhando com os Parlapatões e o La Mínima, dois grupos que não exigem fidelidade partidária - a não ser ao trabalho em si, à seriedade com que encaramos o riso alheio. Deve ser por isso que gosto de trabalhar com Jairo Mattos, que tem uma paixão incontrolável, como ele mesmo, pelo teatro . Deve ser por isso que chego no ensaio de "Vamos?" e me atiro nos braços da equipe toda - Dalton Vigh, Rachel Ripani, Alex Gruli, Tânia Khalil, Rafael Maia, Rita Batata, Otavio Martins, Tati, Chico, Ed, Valdir... A gente se juntou e fez um timão.



Deve ser por isso que, neste fim de semana, cinco peças minhas vão ocupar alguns disputados espaços teatrais da minha cidade. Coincidência, ok. Mas também uma alegria imensa e uma ansiedade desmesurada. Minha cabeça entrou em processo de parto de uma peça, de formatura da outra, de festinha da outra... São filhotes, espalhados pelo mundo, e que vieram, vejam vocês, todos me visitar no dia dos pais.

O "Festival Mário Viana de Teatro & Risos" é formado por (na ordem alfabética):

AMANHÃ É NATAL, com Álvaro Gomes, Cinthia Zacariotto e Nana Paquini. Direção de Jairo Mattos. Teatro Paulo Eiró, Av. Adolfo Pinheiro, 765. Sex e sáb, 21 horas. Dom, 19 horas. Ingresso: 10 reais. Até 22 de agosto.

CARRO DE PAULISTA (escrita com Alessandro Marson), com Tadeu Pinheiro, Vinicius Oliveira, Aline Abovski, Fábio Neppo e Rodolfo Valente. Direção de Jairo Mattos. T. Ruth Escobar, R. dos Ingleses, 209. Sáb., 22h30. Ingresso: 30 reais. Até 25 de setembro.

O MÉDICO E OS MONSTROS, adaptação do original de Robert Louis Stevenson, com Cia. La Mínima. Direção de Fernando Neves. Teatro Cleyde Yáconis, Av. do Café, 277, Jabaquara (ao lado do Metrô Conceição). Qui, 21h. Sex, 21h30. Ingresso: 30 reais. Até dia 29.

UM CHOPES, DOIS PASTEL & UMA PORÇÃO DE BOBAGEM, com os Parlapatões. Já faz parte do repertório cult do grupo. Sex, 21h. Sáb, 21h e meia noite, dom. 20h. Ingresso: 15 reais. Até dia 8.

VAMOS?, com Dalton Vigh, Tânia Khalil, Rachel Ripani e Alex Gruli, direção de Otávio Martins. Teatro Imprensa, Rua Jaceguai, 400, Bela Vista. Sex, 21h30, sáb. 21h e dom., 19 horas. Ingressos: 40 reais e 50 reais. Estreia.