domingo, 29 de março de 2009

Oração pra Santa Kate

Santa Kate Winslet, protetora dos Indicados e nem sempre Premiados,

não ando com a barra muito limpa com a senhora, confesso.
Não vi "O leitor". Faltou tempo. Mais que isso, faltou vontade.
Vi "Foi apenas um sonho", que a senhora fez com seu marido e com o Leonardo... Pô, gostei bem.

Comecei a torcer por sua premiação no último Oscar quando li uma declaração sua, várias vezes indicada e sempre voltando pra casa de mãos abanando: "A gente ensaia bastante e faz uma cara de indicado derrotado e tudo bem". A declaração era mais elegante que isso, mas a idéia é essa.

Santa Kate, me empresta a tal cara! Ou, pelo menos, me dá uns toques pra eu fazer bonito na terça-feira, quando entregam o Prêmio Femsa. Pela primeira vez, em 17 anos de carreira, sou indicado como melhor autor - de texto adaptado, por "O Médico e os Monstros", uma das montagens mais deliciosas de texto meu... A produção do La Mínima, que foi apresentada no Sesi da Paulista, tem outras indicações e, claro, torço por todas.

Estou excitado com o lance e seria muito mentiroso de minha parte dizer que ser indicado já é uma vitória. É uma delícia ler o próprio nome na lista dos finalistas. Mas legal mesmo deve ser ganhar. Uma coisa é certa: se perder, terei perdido pra um concorrente de qualidade (os outros indicados são bem bacanas, nossa!). Já ganhei prêmios de dramaturgia, mas com peça montada, testada pelo público, é a primeira vez que concorro. E olha que até hoje não me conformo com esses comitês julgadores, que sequer indicaram Karin Rodrigues ou Rubens de Falco, por seus trabalhos em peças minhas. Talvez porque fizessem peças em que faziam o público rir, estes atores foram injustiçados, digo pra quem quiser ouvir - ou ler, no caso do blog.

Agora, o que modetamente peço, Santa Kate Winslet, é a expressão elegante, de quem perde com chiquê. Agora, se ganhar, eu juro que não vou reclamar... e até tomo uma cerveja em seu louvor, minha santa, lá no bar dos Parlapatões. Quando a senhora baixar por aqui, dá um toque e eu levo lá. Se coincidir de ser mês de Satiryanas, a senhora vai viciar.

Se cuida, santa Kate. Amém.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Os olhos azuis do Lula - Praxis

A caminho da ACM, passo pela rua Avanhandava. Uma sem-teto negra, magra como esses viciados em crack, levanta-se e berra para alguém que estaria atrás de mim, mais distante.

-- Ô loirinha, me dá comida! Eu tô com fome!

A interpelada, pelo jeito, ignorou. A sem-teto, entredentes:

-- Fiadaputa.

E sentou-se na calçada, conformada.

Os olhos azuis do Lula

Vamos deixar o passional de lado e, por um instante, esquecer as besteiras que Lula e Os Seus andam cometendo. Vamos nos concentrar nas recentes declarações do presidente diante do alto coronelato internacional. A crise, disse Lula, foi causada "por gente branca de olhos azuis que, antes da crise, parecia que sabia tudo e agora demonstra não saber nada".
Minha pergunta é: ele mentiu?
Quando a grana rolava solta, ninguém convidou o terceiro mundo pra comer uma fatiazinha do bolo. Agora que a água atingiu a região glútea, neguinho olha pra baixo e vê a gente?
Lula diz que nunca viu banqueiro preto ou índio - o homem não para de passear pela África, algum banqueiro escurinho ele deve ter visto, mas esqueceu.
Pode não ser uma das dez frases mais elegantes da História, concordo - e até levou o Tutty Vasquez a dizer no Estadão que o Lula está aplicando a lei das cotas racistas, digo, raciais na economia mundial - mas uma coisa é certa: o Lula fala a língua que a maioria entende. Se tivessem coragem de falar a mesma coisa, Fernando Henrique Cardoso ou José Serra usariam estruturas gramaticais tão empoladas que nem seus assessores entenderiam o sentido. Lula fala que nem o zelador do seu prédio ou o tio caipira que adora cuidar da churrasqueira nas festas de família.
Mais interessante ainda é tentar relacionar essa "crítica ao olho-azulzismo" com a ascenção de Obama e com a safra de filmes multiraciais que tomou conta dos cinemas. Não é questão de cotas. É realismo: o mundo mestiça-se cada vez mais. Os países europeus - brancos, de olhos azuis - pagam agora (e com má vontade) a fatura do colonialismo. No século 19, eles não se incomodaram de cruzar mares e mostrar pra negrada quem é que sabia das coisas. Os colonizados aprenderam e foram à fonte. São cidadãos europeus, sim. Foram transformados nisso e agora exercem seus direitos. No cotidiano, quem caminha pelas capitais européias atualmente não se sente mais numa grande Santa Catarina - avista casais mistos de monte, crianças mulatas, avista a melange.
O mundo vive agora o que nós vivemos desde abril de 1500. Foram séculos de educação européia nos provando que essa mestiçagem era vergonhosa, enfraquecia o moral e explicava nossa miséria histórica. Agora que eles, lá em cima, viram que a mistura é inevitável, estão tentando nos convencer que white is beautiful, que é preciso separar por raças e cotas, que o bom é ser puro feito cocaína sem talco.
Agora que a conta chegou e é alta, a turma branca de olho azul quer rachar a conta com os escurinhos. É como em mesa de bar que o sujeito mama um litrão de uísque e quer dividir meio a meio com o coitado que só tomou suco de melão sem açúcar. (Lula não gostará dessa metáfora, mas ele não lê blog, mesmo...).

quarta-feira, 25 de março de 2009

Manhã, tão bonita manhã

Parecia uma manhã carioca, de tanto sol e céu azul. Animado e querendo dar um pulo no Paraíso, dispensei o metrô e peguei um ônibus no Trianon. Subimos eu, uma estudante, - e um mendigo. O cobrador logo olhou feio - "Eh!" -mas o mendigo não se deu por achado. Mulato, jovem, cabelos raspados de qualquer jeito, revelando cicatrizes e outras marcas, ele vestia roupas que nunca foram suas - e que há muito tempo não sabiam o que era um sabãozinho.
Passei, ligado nos movimentos do rapaz, que estava atrás de mim. Sentei numa cadeira vazia e logo temi que ele quisesse ocupar o assento ao lado. Ele passou por baixo da roleta e optou por um lugar vago ao lado de uma jovem ruiva, de nuca bonita. Em voz baixa, trocou com ela umas duas ou três frases e, pra minha surpresa, ela respondeu. Quando eu quase me esquecia de sua presença ali, ele perguntou alto: "Que hora que é agora?". Não sei se ela respondeu, porque eu estava distraído pensando no que levaria alguém tão desprovido de tudo a se preocupar com a hora do dia. Atrasado, pra quê?
Três pontos depois, o rapaz levantou-se para descer. Ficou parado, esperando o ônibus encostar no ponto. Não empurrou ninguém, não pressionou. Mas ficou olhando, interessadíssimo, na bolsa de uma senhora que estava sentada próximo à porta. A mulher usava fones de ouvido e eu seria capaz de apostar que o mendigo queria roubá-la. O ônibus parou, a porta se abriu e ele desceu. Não roubou nada. Levou apenas a minha auto-imagem de cidadão sem preconceito.

terça-feira, 24 de março de 2009

No meu blog ou no seu?

Sabe aquela amiga que disputava com você o título de maior conhecedor de sushis da cidade? Casou, teve filho e hoje fica horas falando de como é difícil encontrar uma babá que não seja ninfomaníaca ou alcoólatra. E aquele amigo, parceiro de todos os filmes e teatros? Ganhou um cachorro e trocou as filas do Unibanco Artplex pela espera na pet shop do bairro. "Pai de blog" é a mesma coisa. Depois que o blog nasce, a gente só sabe falar dele. Faz tudo depressa na rua e chega em casa ávido para saber se houve comentários... Troca idéias com outros blogueiros... Feito um vampiro da Anne Rice, passa a reconhecer espíritos blogueiros por onde quer que passe... E aproveita qualquer situação pra falar, de boca cheia: "No meu blog...". Hoje mesmo eu divulguei o Olharesloiros no meio da aula de hidroginástica.

Tudo isso pra dizer que ontem fui cortar o cabelo e fiquei um tempão futricando sobre bloguices com o Ricardo Heleno (não, não vou fazer merchan e dizer que ele dá suas tesouradas numa franquia francesa, que fica ao lado Fran's Café da Haddock, não insistam). O Ricardo - além de simpático, inteligente, bem humorado, fã de cinema, estudante de fotografia e etc - tem um divertido e curioso blog sobre cabelos: http://mundodoscabelos.zip.net. Nele, o moço dá dicas, palpites e exibe um monte de fotos com as novas tendências capilares. Se você tiver 20 anos, uma pele de pêssego e cabelos macios como seda, vai se ver nas fotos. Agora, se for pixaim ou tiver olheiras de buldogue pobre... vai ler as dicas do Ricardo.

Ele me contou que recebe um monte de fotos com imagem de gente pedindo consultoria. Tem resistido a responder, porque depois da primeira, vai ser um deus nos acuda. Fiquei imaginando possíveis respostas para as consultas - respostas que só um espírito de porco como eu daria, porque o R.H. é fino e talvez não as desse. "Ô, meu anjo, seu caso merece uma consulta personalizada. Aparece no endereço abaixo sábado à noite, traz um vinho. Tinto". Ou então: "Meu bem, tá na hora de colaborar com o ecossistema mundial: tranque-se em casa e não saia nem pra falar com o porteiro."

Esse negócio de blog deixa a gente bem imaginativo...

segunda-feira, 23 de março de 2009

ATORES...


Anna Cecilia Junqueira tem 20 e poucos anos, uma beleza diáfana, uma doçura que espalha ao andar, sem se dar conta. Seria a pessoa menos indicada a encarnar uma mulher que acaba de matar o amante, por quem fora louca de paixão. Acontece que Anninha é ótima atriz. Mergulhou no texto e dele emergiu como a mulher sofrida que as palavras exigiam. Toda vez que ela entra em cena, olhos fundos, ar perdido, para iniciar uma conversa com o pintor invisível, faz-se a magia do palco. Começa "Natureza Morta", no Espaço dos Satyros 1, toda sexta e sábado, meia noite. É um deleite para o público - e para o autor, também.


Escritores são figuras muito estranhas. Trancam-se em seus quartos-laboratórios-redomas-edens e criam mundos. Imperfeitos, violentos, doces, amorosos mundos. Dentro desse universo, o autor de teatro é o estranho entre os estranhos. O autor de teatro nunca completa sua obra sozinho. Ele precisa do olhar do diretor, da mão do iluminador, da ajuda do cenógrafo - e do corpo dos atores. E todos, juntos, precisam do público. Sem o conjunto de olhares difusos na escuridão, atentos a cada movimento em cena, não há teatro.


Só consigo chegar à platéia incorporado nos atores. São eles, com voz, gestos, olhares e suores, que vão contar o que escrevi. Eles me traduzem pra quem não faz idéia de quem eu seja. Diretores também são fundamentais, mas é com os atores que o público vai ter contato. Ah, os atores e suas inseguranças, infantilidades, vaidades e intocáveis misteres.


Desde 1993, quando estreou "Ifigônia", minha primeira peça profissional, tenho uma relação amorosa com os atores. E ao longo do tempo fui localizando aqueles que melhor traduziam o que eu tinha escrito. Traduziam, não por fidelidade canina, mas por acréscimo. Os "meus melhores atores" sempre dão ao personagem um toque, um acento ou um tempero que eu não havia pensado. E fica tão bonito, orna tão bem, porque se não estava lá foi só porque eu tinha esquecido, distraído que sou.


Rosi Campos enforcando-se com as próprias mãos em "Ifigônia". Rubens de Falco recitando poemas de Roverto Piva para o amante perdido no passado, em "Galeria Metrópole". Pedro Guilherme injetando uma fragilidade comovente no moleque da zona leste de "Carro de Paulista". Bárbara Paz, Raul Barreto, Napão e Claudinei tornando humanas as barbaridades de "Um chopes, dois pastel e uma porção de bobagem". Otavio Martins revelando-se um filho fracassado em "Vestir o Pai" ou um cara disposto a amar quem quer que seja, não importa o sexo, em "O Amor do Sim". Flávia Garrafa, Tania Castello, Flavio Faustinoni - o que seria de "Assim com Rose" sem a presença deles? Cito esses, poderia citar outros - Zezeh Barbosa, Daniel Dottori, Carlos Baldim, Priscila Carvalho, Karin Rodrigues, Aline Abovski, Leona Cavalli, Xepa, Domingos Montagnier e Fernando Sampaio, Carol Badra, Keilinha... Já tive a alegria de trabalhar com tanta gente legal. E eles foram especialmente bacanas porque partiram do meu texto e trouxeram o seu ponto de vista. É isso o que faz do teatro uma arte sem imitações. É o conjunto e não o solitário.


Tudo isso por um motivo. Ontem, consegui uma folga de "Poder Paralelo" (estréia dia 14 de abril, na Record) e fui ver "A Noite mais Fria do Ano". Não consegui falar com o Marcelo Rubens Paiva, não pude cumprimentá-lo. No meio da apresentação, eu comecei a achar a peça esquisita, a Paula estava infantil, o Alex Gruli estava travado... De repente, uma frase, tudo muda e todas as fichas caem. E de novo, e de novo. A peça é um jogo e fez ainda mais sentido hoje do que ontem. Cada vez que penso nela lembro de um detalhe, um dado qualquer... Belíssimo texto, dom Marcelo!


Mas o que me deixou pleno mesmo foi o elenco - em especial a Paula Cohen e o Hugo Possolo. Com a Paula nunca trabalhei - até agora, mas calma, somos jovens e temos tempo. Já o Hugo... é até covardia falar de alguém com quem tenho uma afinidade profissional e pessoal acima dos padrões convencionais. Na qualidade de segundo autor mais montado dos Parlapatões, posso dizer isso com tranquilidade. Minha parceria com o Hugo, independente do resultado, é um casamento perfeito - inclusive porque não tem sexo. Minha amizade e meu carinho por ele poderiam me impedir de escrever, seria muita babação de ovo.

Mas ontem, vendo o Hugo e a Paula em cena, me comovi muito. Por várias razões: pelo trabalho que eles desenvolvem em cena; pela generosidade de ser ator ao lado do Bortolotto, dois diretores seguindo as orientações de um diretor relativamente verde, como o Marcelo... e pela entrega ao papel. Na história, o personagem de Hugo rasteja por uma mulher que o trocou por outro cara. Lá pelas tantas, beijam-se, tentando resgatar uma paixão perdida. Transam, movidos por um desejo desesperado e inútil. É lindo. E eu me dei conta que nunca tinha visto o Hugo beijando a boca de uma mulher em cena - palhacinhos não beijam. Que coisa.





domingo, 22 de março de 2009

A Menina do Chumbinho

Com açúcar, afeto e chumbinho, uma garota de 17 anos fez um bolo para a mulher de seu amante. Quem comeu o doce foram os três filhos pequenos do casal. Quase morreram envenenados pelo raticida. A serial caker foi presa - ou melhor, apreendida, pois se trata de uma 'de menor'. Do pai das crianças envenenadas, amante da menina de 17, não se ouviu falar.

Desde que li essa história no jornal, fiquei pensando no que levou a jovem à cozinha. Poderia ter pensado nas crianças, mas estavam todas fora de perigo. A mãe, grávida, nem tocou no bolo. Me instigou mesmo a doceira criminosa. Passional, sem dúvida. Ciumenta, possessiva. Mas, acima de tudo, apaixonada por um cara mais velho, preso a um casamento cheio de crianças - e com mais uma a caminho. À polícia, a menina disse que queria se livrar da rival grávida. O que ela faria com as pequenas órfãs? Assumiria?

O que a doceira ouviu de seu amante? O que ele prometeu antes de levá-la pra cama de algum hotelzinho barato na periferia? E, depois do crime consumado, a grávida sepultada e afastada para sempre do homem amado... o que aconteceria? Viveriam felizes como casal de fim de novela - com as crianças sendo criadas pela avó materna? A doceira e seu homem, finalmente sozinhos. Afinal, ele disse mesmo que ia largar a mulher, era só as crianças crescerem mais um pouco... Mas ninguém esperava era que a mulher, a titular, a oficial, pegasse barriga. Fez de propósito, a vaca. Quis prender o marido, tirar o homem da jovem apaixonada.

Isso pode ter passado pela cabeça dela? Pode. Mas ela também pode ser apenas mais uma desmiolada, para quem o desejo não satisfeito justifica qualquer ato vingativo. O desejo à custa da vida de quem quer que seja. Tem sido assim, já repararam? Pais morrem, mães são assassinadas, amigos se destroem, amantes se dilaceram - mas o desejo deve ser atendido. A dor do "não" desemboca em fúria. O sangue lava a rejeição.
Pensar que há alguns anos o Chico avisou: a dor da gente não sai no jornal. Tarde demais, Chico. Agora sai.

sexta-feira, 20 de março de 2009

When I'm 64

Não tenho a menor idéia de quando Lennon e McCartney compuseram "When I'm 64", mas esta é uma das canções dos Beatles que mais me 'pegam'. Tornou-se também uma das mais 'datadas'. Nos anos 60, alguém de 64 anos era um genérico de dinossauro. Uma carta fora do baralho, um peso morto. "Será que você ainda vai me alimentar? Será que ainda vai precisar de mim?", perguntava a música. A resposta para essas perguntas mudou bastante ao longo das últimas décadas.
Basta pensar no rumo que artistas como Maria Bethânia e Ney Matogrosso deram a suas carreiras depois de apagar 60 velinhas. Bethânia tem realizado projetos cada vez mais vigorosos, como "Brasileirinho", "Que falta você me faz" e "Dentro do mar tem rio". Continua melodramática, dando corridinhas pelo palco e recitando poemas de Fernando Pessoa. Mas a cada vez que faz isso joga uma nova luz na mesma estrofe. Quem viu o documentário "Palavra (en)cantada" percebeu isso.
Exagerado, muitas vezes com uma maneira afetada de cantar, Ney poderia ter ficado como um exemplo da glam-mpb, uma mistura de David Bowie com Carmem Miranda. Poderia, não ficou. Há poucos anos juntou-se com Pedro Luís & A Parede e gravou "Vagabundo", um dos discos mais instigantes da música brasileira. Atualmente, circula por aí com o show "Inclassificáveis", onde canta novos e velhos autores com muita inteligência: atualiza "Divino Maravilhoso", renova a força de Cazuza e ainda mostra o que existe de Reginaldo Rossi em Marcelo Camelo.
Vivemos uma época em que fazer 100 anos deixou de ser um milagre de Santo Expedito - Oscar Niemeyer faz projetos, dona Canô puxa o terço em Santo Amaro da Purificação e o povo só acredita que Dercy morreu porque ela permanece onde foi enterrada.
Em tempos assim, fazer 60 e poucos anos só serve mesmo para pagar meia entrada em teatro e furar fila no cinema sem precisar pedir licença ou ser educado. Não é preciso apelar para truques de botox. Bethânia exibe os cabelos grisalhos em cena, Ney mal consegue esconder a calvície - eles têm 60 e poucos anos e não se acanham com isso (penso no Guzik que, aos 60 e poucos, parece se divertir como nunca nas coisas que faz).
Será que existe nisso alguma lição de moral? Não da minha parte. Falei desses artistas, porque me emocionam a cada aparição. E vejam: emocionam não por serem "velhinhos que têm o que dizer". Se fosse isso, seria muito rasteiro. São artistas que recolhem o que viveram, acrescentam o que estão vivendo e olham ao redor. Talvez seja essa a diferença: não é preciso olhar o futuro, como um sábio da aldeia. "Basta" olhar ao redor e reconhecer a vida em pleno gerúndio.

P.S. Ontem, quinta-feira, acordei com a música dos Beatles na cabeça, ouvi várias e várias vezes, na versão deliciosa de John Pizzarelli. E à noite, um especial da Cultura, me lembrou que seria aniversário de Elis Regina. Adivinhem: ela estaria fazendo 64...

quarta-feira, 18 de março de 2009

Cor de rosa-choque..

Clodovil, como disse o Otávio, passou pro andar de cima. Não vou rasgar as vestes, jogar cinzas na cabeça e dizer que estou de luto fechado. Mas também não vou festejar. Desde que ele caiu doente, domingo, me peguei pensando em Clodovil. Não com pena, nostalgia ou revanche. Mas - à maneira do Guzik - pensando no que ele representava de nossa alma brasileirinha.

Começava pelo nome, que era bem esquisito. Será que ele teve homônimo?

Lembro de Clodovil no comecinho dos anos 60, dando conselhos de moda e etiqueta no programa TV Mulher - um matinal da Globo que, visto de hoje, era verdadeiramente ousado. Naquela época, crianças, havia pessoas na TV que acreditavam na existência de vida inteligente no mundo real. Sério. Era um programa pra mulheres que não se limitava a dar receitas, entrevistar celebridades e discutir a vida sexual da apresentadora papa-anjo.

TV Mulher juntava Marília Gabriela (não adianta falarem mal, sou fã) e Nei Gonçalves Dias fazendo a parte jornalística, Marta Suplicy despontando com seus destemidos conselhos sexuais (e eram!) e Clodovil fazendo desenhos de roupas para quem escrevesse. Era bonito, sabia? Ele desenhava vestidos de noiva pra moças da periferia, fazia coisas bonitas e factíveis. E dava conselhos hilários. Recordo um dia em que ele chegou no estúdio passado com uma mulher que vira caminhando pela Avenida São João (a Globo ficava na altura do metrô Marechal Deodoro). A mulher era gorda, estava com vestido de malha, carregando uma sacola de feira e com bóbis na cabeça. "Parecia um repolho", disse o Clodovil. "Fiquei torcendo pro Minhocão desabar na cabeça dela".
Numa outra vez, alguém escreveu preocupada com as roupas que os parentes iam usar em seu casamento. E ele: "Meu amor, parente é que nem dente: quanto mais afastado, melhor, porque junta menos sujeira". Um clássico.

Depois, é claro, Clodovil quebrou o pau com Marília Gabriela - no ar! Saiu do programa. Entrou em outro, brigou, a bicha era barraqueira.

E começou a emitir os comentários mais homofóbicos que já vi - especialmente pra quem catava garotos de programa nas imediações do Masp (um amigo meu, também já transferido pro andar superior, foi programa dele, uma vez). Clodovil parecia tão preocupado em ser aceito pela clientela endinheirada, pelas velhinhas que iam ver suas peças, era tão atento a esse público que acabou se tornando mais conservador que eles. A sociedade mudou e Clodovil dava sinais de não acompanhar.

Quando estreamos "Galeria Metrópole", em 2004, ele tinha um programa na TV Gazeta. E convidou seu amigo Rubens de Falco, estrela da peça, pra ir lá. Oba, divulgação. Pois ele só deixou o Rubens falar o nome da peça, mas não quis comentar o tema (um velho homossexual de 70 anos recusa-se a ir na parada gay, levado pela sobrinha lésbica), porque não gostava dessa besteira de parada. Palavras dele. Até o Rubens, que não era exatamente um militante do movimento arco-iris, ficou chocado.

Essas atitudes não me agradavam, claro. As opiniões dele eram patéticas. Sua solidão - quem viu ele posando pra Caras, sentado no banheiro de sua casa em Ubatuba? - era incômoda e assustadora. E ao mesmo tempo, algumas pessoas diziam que, a portas fechadas, sem flash por perto, ele era de uma gentileza comovente.

Seres humanos... ah, seres humanos. Tão enrolados em seus frágeis labirintos...

terça-feira, 17 de março de 2009

Variações enigmáticas

Foi dia de debate nos Satyros. A poética homoerótica na dramaturgia, uma iniciativa da Cooperativa Paulista de Teatro. Mediados pelo gente boa Ferdinando Martins, estávamos João Fábio Cabral, Vange Leonel, Alberto Guzik e eu - entre os criadores - e um rapaz legal de Santo André, chamado Cássio.
O bate-papo seguia seu rumo. Mais que discutir, trocávamos impressões sobre personagem gay, peça gay, público gay... enfim... Abrimos para a platéia. Tudo bem. Até que um sujeito, lá do fundo, pede a palavra e estranha que até aquele instante ninguém tinha falado em pedofilia. Os da mesa se olharam, perplexos. A Vange deu uma boa primeira resposta, dizendo que estávamos discutindo personagens com opção sexual própria - e pedófilos são agressores sexuais. São criminosos, emendou o Guzik. Eu disse que seria difícil escrever sobre um personagem pedófilo e fazer com que a platéia simpatizasse com ele. Nem o Kevin Bacon, no filme "O Lenhador", conseguiu isso.
O cara deve ter saído puto da vida com esse bando de autor frouxo, que fala de veado, de lésbica e os cambau e não tem peito de encarar um pedofilozinho... No que me concerne, eu já passei da idade de atrair a categoria em questão...

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A revista "Veja" traz uma sensacional entrevista nas Páginas Amarelas com o arcebispo de Recife. Não foi preciso a repórter discutir com ele. Os próprios argumentos do religioso encarregam-se de mergulhá-lo no pantanal. Leiam. Merece.

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Dois filmes essenciais: "Entre os muros da escola" e "Palavra (en)cantada". Quem escreve e lê por ofício e prazer se emociona com o segundo. Eu chorei. Chico, Bethania, Lenine, Ferrez, Tom Zé... são inúmeros entrevistados e incontáveis cenas bonitas. E sobre poesia e música, palavra e escrita.

"Entre os muros" é uma porrada. Sem sair da sala de aula, o filme coloca você dentro da França de hoje. Todos os conflitos sociais que agitam a terra da baguette estão lá, naquele microcosmo explosivo.
Na sessão que vi, tinha um grupo de estudantes. Os créditos finais começaram a subir e um aluno se levantou: "Que filme de merda!" Reclamou, xingou, disse que se era pra ver uma vida igual a sua não precisava ter ido ao cinema, etc. Na saída do Unibanco Artplex, no trecho entre o cinema e a escola Wolf Maia, o rapaz parou e ficou xingando o filme, em voz alta, para um amigo. Parei ao lado dele e falei firme: "Olha, você tem todo o direito do mundo de não gostar do filme. Mas respeita quem gostou. Eu achei o filme genial. Mas não saio por aí gritando. Respeito a sua opinião, portanto, respeite a minha também". Ele se calou, quase pediu desculpas e murmurou um "tá certo". E nem me chamou de tio!
Voltando pra casa, lembrei do trecho em que ele falava que o filme era igual à vida dele. "Entre os muros da escola" é mais universal do que imagina esse rapaz. Mais que isso, é triste. Trágico.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Voando com papai

O Guzik, em seu blog, se mostrou perplexo com a história desse pai goiano. Somos dois, Guza. Somos milhões, provavelmente. É duro acreditar que um homem pegue sua filha, coloque num teco-teco e dê rasantes assustadores sobre uma cidade... Isso, depois de ter agredido a mulher com o extintor de incêndio do carro e atirado a coitada pra fora, sem parar...

No rádio, alguém pergunta: o que terá passado na cabeça desse homem pra cometer tal insanidade?
Refaço a pergunta.
O que terá passado na cabeça da menina durante a torturante viagem aérea? Quais teriam sido seus últimos pensamentos? Ela viu o pai dar uma porrada na cabeça da mãe, viu o pai atirando a mãe carro a fora... E viu o pai pilotar um avião em manobras absurdas - passou na TV. Essa menina morreu antes da queda. Seu anjo da morte foi o mesmo que a gerou.

O que está acontecendo? Que confusão astrológica é essa, que leva as pessoas a cometerem os maiores abusos e absurdos contra crianças? Ou será que esses abusos sempre aconteceram - mas agora viraram 'moda'? Cansados de noticiar casos de filhos que matam os pais 'sem motivo', os jornais descobriram o triste filão das crianças vítimas de abuso.

Não há lógica, não há racionalidade, não há o que explique. E também não há como aceitar. Triste sinuca, trágico impasse.

p.s. Nem tudo é absurdo. A CNBB chamou o arcebispo de Recife e deu-lhe um "vem cá, meu nego, tome juízo". Demorou - não no sentido da gíria, mas no original: demorou mesmo, podiam ter se manifestado mais cedo.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Cai um pedaço de tarde


Poderia ser um bom título de crônica.

Ou de post.

"Cai um pedaço de tarde".

Onde?

No quintal. Na rua. No poço do elevador de um prédio abandonado.

Cai um pedaço de tarde sobre mim e tinge tudo de arrebol.

Cai um pedaço de tarde na cidade. Com sorte, esbarra nesse lado do hemisfério.

Cai um pedaço de tarde obedecendo o fuso horário.


A tarde cai aos pedaços, mas a noite prepara-se inteira.


Cai à toa a tarde, empurrada pela manhã que já deu o que tinha de dar.


Do pedaço caído da tarde não restará um farelo quando reinar a madrugada.

terça-feira, 10 de março de 2009

O Mistério das Bolsas de Mulher

Tem dias que a gente se sente como quem perdeu o bonde da história, cochilou um tiquinho de nada e o último ônibus passou. Tem dia que as coisas se apresentam diante de nossos olhos e cadê inteligência pra entender? Essa "falta do que fazer" existencial sempre me ataca quando estou em um bar, um restaurante ou num teatro e entra um casal - moça e rapaz arrumadinhos, banho tomado, com aquele misto de intimidade e descaso só presentes em namoro antigo ou casamento recente.
É um ritual: ela entra, cheia de si, satisfeita com o figurino, orgulhosa do homem que vem logo a seguir. E atrás vem ele, cioso de sua mulher - tão cioso, tão ligado a ela que traz nas mãos... a bolsa da fulana. O elemento bolsa feminina na mão do homem sempre me espanta.

Tenho certeza que não me espantaria se ele entrasse de saia rodada, talvez um saltinho escarpin ou até uma legging de oncinha - ainda existem? - mas a bolsa... é muito estranho.
No princípio, eu achava que era alguma gentileza, pois a moça tinha machucado a mão, o pé ou carregasse no colo o bebezinho amado do jovem casal. Mas ela não mancava, não estava engessada e não tinha sinal de bebê nos arredores... Era só gentileza. Será?

Cá comigo, enquanto espero a entrada do jantar ou o início do filme, fico matutando com meus zíperes. Por que ele faz isso? Por que ela faz isso com ele? Uma coisa é certa: o cara fica tão pouco à vontade com a bolsa - enormes, coloridas, bem na moda - que pisa duro, faz cara de mau e quase sofre uma overdose de testosterona, só pra todo mundo achar que ele tá à vontade.
E elas... ah, elas desfilam pelo bar com seu homem atrás. Homem, sim, que não nega fogo e tudo provê. Mas dela, dela a ponto de carregar sua bolsa fashion, para que ela... o quê?... não trinque a unha, talvez.
Se fosse só por gentileza, seria uma gentileza vã. Pelo meu raciocínio oxigenado, se não consegue carregar a bolsa - fashion - por que diabos a mulher sai de casa com ela? Outro dia, um rapaz carregava a bolsa preta, com cordões dourados, à Chanel, enquanto sua dona, digo, sua companheira tagarelava com amigas. Mesmo não entendendo de moda, imagino que bolsa, sapatos e brincos são acessórios escolhidos com precisão cirúrgica pela maioria das mulheres. Então, por que entregar o acessório ao acompanhante, quebrando a harmonia do vestiário?

Talvez a coisa seja mais simples. Com o gesto, a mulher quer apenas que todos ali entendam que aquela bolsa é uma versão das mesmas coleiras que a ex-modelo e atual famosa por nada fazer Luma de Oliveira exibe a cada carnaval. Mas quem usa a coleira não é ela - é o Homem.

A bolsa carregada por seu homem é o recado que a mulher manda para as outras, especialmente aquelas que já perderam o respeito pela boa e velha aliança na mão esquerda: cai fora, perua, que esse exemplar tem dona.

Seja como for, quando avistar Glorinha Khalil em algum cinema ou restaurante, vou pedir licença e tentar solucionar de vez esse dilema.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Por causa de Danuza Leão, domingo...


ENCONTRO CASUAL NO BOULEVARD SAINT-MICHEL


“Paris será sempre o lugar onde fomos jovens”
Zelda Scott-Fitzgerald, “Esta valsa é minha”


Avisto a mim mesmo esperando o ônibus ao pé da estátua do arcanjo, no Boulevard Saint-Michel. Faz frio nesse domingo de fim de março parisiense. No Quartier Latin as pessoas andam mais apressadas, querendo espantar o vento gelado. Eu e meu eu parado no ponto de ônibus ignoramos tudo isso, o frio, o movimento. Sem me preocupar em disfarçar, observo-me. Tenho 20 anos menos, tenho 30 quilos menos, não uso o blazer de lã, mas um casacão de jeans meio esquisito. Estou distraído e nem me percebo na outra calçada, não me dou conta que sou observado. Será que aos 20 anos isso não chama a atenção? Pode ser.
Por que não pego o metrô e vou logo para a Place d’Italie, jogar o corpo cansado num colchão estendido no chão do número 23 da Rue Paulin Mery? Vai ver que não tenho pressa. Paris é minha mesmo, não tenho motivo para correr. Além disso, o trajeto de ônibus é muito mais atraente que os túneis envelhecidos do metrô parisiense. De ônibus, corto os bairros, os bulevares, as ruas, vejo as casas, as caras, os cães, seus donos e as baguettes. Sinto o cheiro do croissant que sai do forno e da fumaça que vem sei lá de onde. De ônibus, vejo e vivo Paris com mais intensidade.
O encontro comigo mesmo já era esperado, ao menos pelo eu de hoje. O eu de 20 anos atrás nem imagina que voltaria ali, que se veria ali, parado, sem esperanças excessivas nem ansiedades descontroladas. Estamos ali, os dois, parados no Boulevard Saint-Michel, um sem saber da existência do outro, o outro sem imaginar o que passa na cabeça do primeiro. Só sei que fico feliz ao me ver, mais jovem, mais magro, meio hippie e todo besta, só porque tenho 20 anos e estou em Paris.
Na verdade, isso é o que penso eu hoje. Aos 20 anos, ter 20 anos e estar em Paris era comum, muito comum, nem chamava a atenção. Talvez seja isso, penso eu hoje, aí está o segredo. Eu não tinha noção do quanto estava sendo importante aquele tempo, eu vivia e o aproveitava porque era bom, porque tinha de ser assim. De nada adiantaria, hoje, suspirar profundamente e pensar “Ah, se eu pudesse voltar no tempo e...”... Nada!
Se voltasse no tempo, eu não ia querer mudar um só dia daquela vida. Tudo, feliz, triste, chorando, rindo, nas festas ou brigando, economizando tostões para comprar cigarro ou roubando carne no supermercado, tudo aquilo fez parte do homem que sou hoje. Tudo aquilo que viveu o eu de 20 anos levou, assim ou assado, àquele que, parado, se observa esperando o ônibus.
Foi bom e é ótimo que tenha sido assim. Por um instante, cedo ao impulso de atravessar a rua, braços abertos, em direção a mim. Abraçar-me e dizer “agora também está ótimo, diferente, mas igualmente bom, em outro ritmo, mas tão intenso quanto...”. Seria um discurso longo.
Pisquei o olho, passou o ônibus, subi, não me vejo mais no ponto. Perdi-me. Olho a estátua do arcanjo, tão linda, nem me dou ao trabalho de suspirar. Vinte anos cruzaram o boulevard, foi só. Dou meia volta, atravesso o Sena, sigo em direção à Catedral de Notre-Dame. Paro numa boulangerie, compro um pain-au-chocolat, saio mordendo a massa folhada, espalhando migalhas e farelos pelo blazer de lã. Sorrio pra mim mesmo. Ainda bem que não me encontrei. Teria sido meio ridículo. Mesmo sendo verdade, eu não acreditaria numa só palavra do que eu estava dizendo. (escrito em março de 2000)

sexta-feira, 6 de março de 2009

A cordeira de Deus

Uma menina de 9 anos é uma criança que, certamente, gosta de brincar, tomar sorvete, assistir TV e, talvez, ir à escola.
Uma menina de 9 anos grávida é uma criança violentada.
Uma menina de 9 anos engravidada pelo padrasto é uma vítima atingida justamente onde deveria se sentir protegida.
Uma menina de 9 anos grávida de gêmeos é uma criança morta. Não resistiria ao parto, qualquer pessoa que enxergue o corpo de uma menina de 9 anos pode dizer isso.

O arcebispo de Recife se revolta e aprova a excomunhão dos médicos que realizaram o aborto e dos familiares que apoiaram a decisão.
O arcebispo de Recife é um religioso coerente: defende o dogma de sua igreja contra qualquer evidência de bom senso.
O arcebispo de Recife excomunga os médicos e a mãe da menina - ela, acho, foi poupada da ira divina - e condena o estuprador. Ele cometeu um ato condenável, afirma o padre. Verdade, disso ninguém duvida.

O estuprador é um rapaz de 23 anos - tem a idade de muitos que conhecemos, agora entrando numa faculdade, talvez na segunda faculdade, buscando emprego, namorando sem vontade de casar.
É um jovem, que se sentiu provocado por duas meninas, uma de 9 anos e a outra, uma deficiente mental de 14. Serviu-se das duas, filhas de sua mulher.
A mãe diz que nunca desconfiou. O arcebispo diz que o criminoso merece o perdão da santa madre igreja - o arcebispo é coerente com o dogma.

Personagens de um drama sertanejo, daqueles que nenhum roteirista de Law & Order Special Victms Unit pensou em escrever, porque quem acreditaria numa trama dessas? Quem suportaria assistir sem ânsia de vômitos a representação desse fiapo de história?

Passada a euforia jornalística, a menina voltará para casa e suas bonecas, se tiver. O padrasto, um rapaz de 23 anos, sofrerá na carne o castigo aplicado nas cadeias aos estupradores. Dele, nós não teremos dó. Nem mesmo o arcebispo, que o perdoou, por assim dizer. O arcebispo dormirá na paz de quem tem lugar garantido no céu. Provavelmente ao lado do patriarca Abraão, que se dispôs a sacrificar o filho único para honra e glória de Deus.

Mais felizes dormirão os excomungados dessa história, oficialmente dispensados de seguir louvando uma entidade que se alimenta do sacrifício dos inocentes.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Um alemão e seus quadrados




Termina neste domingo, no Instituto Tomie Ohtake, uma exposição surpreendente. "Cor e Luz - Homenagem ao Quadrado", do alemão Josef Albers (1888-1976). Confesso a loirice, nunca tinha ouvido falar nele. Foi uma bela surpresa. Quando saí da exposição, saí diferente. Mexeu e fez pensar. Não é sempre que isso acontece. Especialmente, quando a obra do artista tem um só tema: quadrados.



Albers pintava quadrados, dezenas, centenas deles. Num determinado instante, vendo aquele defile de quadrados de todas as cores, eu comecei a me sentir incomodado. O sujeito era um obcecado, um compulsivo, como deve ter sido a casa dele, será que ele odiava ervilhas... Passou tudo pela minha cabeça, enquanto prestava atenção no jogo de cores, nas combinações, nos detalhes - os quadrados eram os mesmos, mas há um movimento que vai se revelando aos poucos, vai se desnudando. Os mesmos quadrados eram outros, sempre outros e sempre os mesmos.



No dia seguinte, corri à Pinacoteca, onde está em cartaz - também até domingo - uma segunda exposição de Josef Albers (com sua mulher, Anni). Desta vez, há menos quadrados, há retângulos, linhas, etc. Complementa a grande exposição do Tomie Ohtake e, não sei de que jeito, ilumina algumas coisas .



Entre um quadrado e outro, uma linha e uma curva, me dei conta do que me atraía e, ao mesmo tempo, me assustava nos trabalhos do alemão. Ele fez uma dramaturgia nas telas. Da mesma maneira que ele, nós - que escrevemos - lidamos com nossos quadrados, jogamos cores, experimentamos combinações inusuais, mas não deixamos de fazer quadrados. Ou triângulos ou círculos.

Albers colocou ali, nas paredes, um fantasma que sempre me persegue. "Estou re-escrevendo a mesma peça?" "Estou ressuscitando personagens, lázaros, fantasmas, gasparzinhos?"

Isso não é uma busca de defeitos na própria obra. É aprender a localizar a marca de cada um. De repente, entendi que descobrir os quadrados deve ter sido uma grande alegria pro Albers. Não uma alegria preguiçosa, "agora vou amarrar meu burro na sombra", nada disso. Pelo contrário, era a alegria de quem descobre uma estrada e segue por ela, escalando as montanhas e despencando para os rios que correm lá embaixo.

No fundo, acho que fiquei com inveja do Josef Albers, um camarada que gostava muito do México - alguém que goste do México colorido tem sempre um lado bom.



terça-feira, 3 de março de 2009

Será que eu consegui?



Graças ao Luiz Caramez e à Irina, adentro o mundo dos blogs.

Sempre tive um certo medo disso. De fazer um 'meu querido diário' virtual. Egóico. Deus me livre.

Mas blogs bacanas, como os dos meus amigos Sergio Roveri e Otavio Martins, me aninaram. Se eles podem... re re re...


Vou falar aqui do que gosto. Teatro, meu e alheio. Cinema. TV. Livros. Comida. Essas coisas que dão tempero e graça ao corre-corre.