quinta-feira, 30 de abril de 2009

Tiro ao Álvaro

Os corredores do Banco Central, em Brasília, devem ter ficado mais ou menos como a redação do Estadão há alguns anos, quando o então diretor de redação Pimenta Neves matou a ex-namorada Sandra Gomide a tiros. Desde quarta-feira, os jornais traziam uma notícia de várias maneiras estapafúrdia: um funcionário do BC, 48 anos, casado, pai de três filhos, com bom nível de escolaridade e salário de 11 mil reais mensais, matou dois mendigos por que eles o incomodavam. Assim, simples.
Certamente, hoje surgiram nas rodas de cafezinho do BC os profetas do pretérito, aquelas almas iluminadas que tinham mesmo notado um brilho estranho no olhar do sujeito (não vou nem atrás do nome dele, por que ele não merece, nem vale a pena correr o risco de um processo). Outros lembrarão frases soltas, sinais evidentes e indiscutíveis de que se tratava de alguém pronto para tirar a vida de outro. Em qualquer lugar onde as pessoas se sintam salvas do risco de matar alguém, o assassinato cometido por “um de nós” é um choque anafilático na alma. A respiração fica suspensa, o frio escorre pela espinha e, como numa canção do Milton, nada mais será como antes.
Mesmo sem ser amigo particular do assassino, choca demais a experiência de saber que o sujeito que pegava o elevador com você, que há dois dias quase esbarrou contigo no banco, com quem você poderia ter dividido um espeto de picanha no churrasco de Natal da firma... Esse sujeito, tão parecido com você, pega uma arma, sai de casa e atira em dois mendigos porque eles se acariciavam em público, em plena luz do dia. Matou porque eram dois veados dando mau exemplo aos seus filhos pequenos.
Matou, porque era maluco – já estão dizendo os advogados de defesa. Matou porque já trazia desde pequeno essa deformação de alma – o pai colecionava armas, coleção que ele – o assassino – herdou. Mas se todos os colecionadores de armas saíssem atirando por aí a seu bel-prazer, haveria de faltar cadeia. Já faltam, mas isso é outra história. A coleção de armas estimulou o cara a matar e talvez ele considere que isso seja um bom exemplo para os filhos.
Freudianos de orelha verão no ataque aos dois mendigos gays uma repressão da própria sexualidade do criminoso. Pode ser, quem sou eu pra desmentir? Mas penso cá com minhas goiabinhas, como dizia Stanislaw Ponte Preta, que o assassino empunhou a arma, mirou e atirou porque se tratava apenas de dois mendigos. Dois miseráveis, dois sem-teto – e, certamente, ele deve ter se espantado ao saber que os mendigos tinham nome e sobrenome: Paulo Francisco de Oliveira Filho, 35 anos, e Raulhei Mangabeiro, de 26 anos. Morreram porque eram uns desvalidos, cuja presença “escandalosa” não servia nem para atrair a polícia.
Está no jornal que o assassino confessou o crime mascando chiclete. Parafraseando uma velha praga judia, “tomara que lhe caiam todos os dentes menos um. E que este doa terrivelmente.” Para sempre.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

A recriação do mundo


Nada mais é o que parece ser. Desconfiamos de tudo. A gordinha feia de voz cristalina pode ser o próximo golpe publicitário de algum agente muito esperto. O sujeito que nos para na rua e pede dinheiro pra comprar um remédio pode muito bem ser um vagabundo habituado a viver dos trocados alheios. Uma pessoa que há muito tempo não dá notícias resolve, sem mais aquela, telefonar e marcar um almoço – não pode ser só saudades, alguma coisa está querendo.
A imagem que vemos pendurada na parede é uma foto. Pode ser uma pintura. Ou não. É um recorte da realidade ou é uma invenção da lente e do artista? O real não está diante de nós. “Olhar e fingir: fotografias da coleção Auer”, a exposição que está em cartaz no MAM do Ibirapuera desperta mesmo pensamentos atravessados. O mais suave deles é: será que eu também tenho capacidade de recriar o mundo?
As quase 300 imagens selecionadas pela francesa Elise Jasmin e pelo brasileiro Eder Chiodetto estão instaladas de maneira a criar um jogo de inteligência. Uma foto conversa com a outra, mesmo tendo um intervalo de mais de um século entre elas. A exposição junta trabalhos dos primórdios da fotografia a obras contemporâneas – e muitas vezes fica difícil distinguir qual é qual, sem olhar a legenda.
A mostra merece mais que uma visita. Há detalhes que escapam ao primeiro olhar, há outros que se faz questão de rever... Perca alguns instantes diante de “Uma linha entre você mesmo”, trabalho do belga Pierre Houcmant, de 1986: na parede, um rosto de mulher parece colocado diante do espelho, mas é apenas uma montagem. O efeito é perturbador. Assim como a foto “Narciso”, do albanês Gjon Mili. A imagem, de 1952, é a de uma máscara quebrada na altura da testa, cercada por coisas que lembram lixo. Parece pouco?
Nenhuma das fotos expostas é o que aparenta ser. A idéia era fugir do fotojornalismo, a imagem que retrata o que está diante da lente. Assim, mesmo quando parecem ser apenas um retrato comum, as fotos exibem algum traço fora do padrão, algo que não devia estar ali e é justamente o que dá o toque de mestre. O “Retrato de France Gassmann”, de 1935, é um exemplo. A pirada “Surrealisme” (1950), de Pierre Jahah, é outro caso, com a mão que surge do nada para repousar sobre a cadeira... São criações feitas para quebrar a rotina do olhar e dizer que entre o "real" e a "ficção" tudo é muito discutível.
A melhor de todas – e sem autorização para reproduzir – é uma foto de 1975, sem título, assinada pelo suíço John Ducimetiere: um machado com o cabo feito de espinhos. Não há nada mais atual: um objeto cortante, mortal mesmo, cujo manuseio implica em dor e sangue. Essa exposição fala mais de nossos dias do que muitas páginas de jornais...

domingo, 26 de abril de 2009

Tempo Derramado


O tempo é a grande referência da obra de Chico Buarque. Sempre foi. No álbum “Vida”, de 1981, ele já se perguntava o que tinha feito de sua existência. Se radicalizarmos, até em “A Banda”, de 1966, o tempo se faz sentir: “O que era doce acabou / tudo tomou seu lugar / depois que a banda passou”. Por isso, só mesmo quem nunca ouviu nada de Chico Buarque poderia se surpreender com a trama do seu novo romance, “Leite Derramado”. Nele, finalmente, o Chico-escritor encontra o Chico-compositor e ambos se entendem às mil maravilhas. Talvez porque tratem do tema preferido de ambos: a passagem do tempo.
Há muitos anos consagrado como um dos letristas mais requintados da música brasileira, Chico enveredou também pelo caminho da literatura. Não foi fácil, nem pra ele nem pra seus leitores. “Fazenda Modelo”, “Estorvo” e “Benjamim” são apenas corretos e não trazem em si os lampejos de gênio do autor de “Eu te amo”, “Corrente”, “As Vitrines” e tantas outras.
Ainda bem que Chico não se acanhou e continuou tentando. A balança começou a se reequilibrar com “Budapeste”, mas chega ao ponto certo com este “Leite Derramado”. A derrocada familiar de Eulálio d’Assumpção e seus desvarios racistas é obra que se lê com prazer, não porque seu autor é bacana, mas porque é um ótimo romance.
Houve quem visse no protagonista uma extensão do personagem de “O velho Francisco”, música que abre o álbum “Francisco”, de 1987. Eu iria mais longe. Pelo menos mais duas faixas – e talvez uma terceira – estão presentes no livro, dissolvidas na trama. O escritor valeu-se, enfim, do compositor e fez muito bem feito. À história do homem abandonado no hospital (“O velho Francisco”) soma-se a decadência aristocrata de “Bancarrota Blues” e a melancólica solidão de “Todo o sentimento”. Sem falar que há um toquezinho de “As minhas meninas”, na voz do pai que não sabe nem tenta segurar a filha consigo. São todas faixas do mesmo disco.
Chico discute o tempo e não esconde que sente seus efeitos. “O retrato do artista quando moço”, canta ele no disco “Paratodos”, de 1993. “Modelando o artista ao seu feitio / O tempo, com seu lápis impreciso, / Põe-lhe rugas ao redor da boca / Como contrapesos de um sorriso”, escreve em “Tempo e artista”. O tempo que demole, arruína e enfeia está nas músicas e, agora, na literatura de Chico Buarque.
Na contramão das celebridades que encontram um novo amor a cada edição de Caras, Chico pode até não gostar das rugas que vincam seu rosto. Pode, até mesmo, sentir que seu poder de grande sedutor perde um pouco da força a cada dia. Mas ele não nega que o tempo segue seu rumo. É normal, é da vida – assustador seria que isso não acontecesse. Ele se chamaria Dorian Gray e não Chico Buarque.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Livres para Voar


O Planalto Central é um lugar sem fronteiras. Lá, o olhar estende-se, quebrado aqui e ali por um prédio, um monumento... Busco na geografia uma explicação para a falta de limites que reina no Congresso Nacional. Só pode ser influência do meio. Não há outra razão para tamanho acinte. Não há justificativa para que deputados e senadores atuem como vilões de fancaria, como hienas famintas que invadiram o circo e tomaram conta do picadeiro, como um bando de Dick Vigaristas dispostos a qualquer truque sujo pra vencer a corrida maluca.


A farra das passagens aéreas nunca foi exatamente uma novidade. Sempre se soube que deputados viajavam de graça. Quer dizer, alguém paga aqueles assentos e, que surpresa, somos nós. Até aí, acho que não tem problema, o cara precisa mesmo chegar em Brasília... pelo menos praqueles três dias em que ele dá expediente. O que não se sabia com tanta riqueza de detalhes é que eles podiam viajar pra onde quisessem, com quem quisessem, quantas vezes quisessem... com passagens pagas com nossos impostos. E pensar no quanto a gente se submete a horários vexatórios, roteiros complicados e outras mumunhas em nome de um precinho mais camarada na passagem de avião...


Piorou quando o ACM Neto apareceu pra jogar a culpa na imprensa... Ou aquele outro deputado protestou contra o que chamou de concessão à pressão popular... Ninguém contou pra eles que foi graças aos votos do "popular" que ele chegou lá? E o Ciro Gomes, que se destemperou e usou um repertório de envergonhar Dercy Gonçalves ao se referir às soluções moralizadoras tomadas meio às pressas? E de quem foi a delicada idéia de aumentar de 16 mil pra 24 mil reais mensais o salário dos nobres políticos, como maneira de compensar as perdas das passagens aéreas?

Não ajudou nada descobrir que deputados tidos como honestos e honrados também tinham se fartado nas carnes devassas das passagens aéreas. Quer dizer que a filha caçula do Fernando Gabeira quer pegar ondas nos mais distantes lugares do mundo - e eu pago? Poxa, o Gabeira é bacana, a filha dele é uma super surfista, pelo que dizem, mas o salário de 16 mil reais do pai deveria bastar pra bancar os sonhos da moça. Ou ela fosse vender sanduíche natural na praia do Pepino pra juntar uma grana, sei lá. Não adianta a voz educada e suave do deputado pedir desculpas. Ele errou. Errou feio.


Quando Fernando Gabeira pede perdão, a vontade que dá é dizer: não, deputado, eu não vou perdoar vossa excelência, não. Sabe por quê? Por que, mesmo morando em São Paulo, eu gostaria de ter votado no senhor. Afinal, o senhor não é da laia do ACM Neto e daqueles outros todos... O senhor peitou o Severino Cavalcante, o senhor deu uma amostra de que é possível ser honesto, sim, nos corredores do Congresso... Pelo menos, eu sempre acreditei nisso e, olhe, continuo acreditando. Justamente por isso não dá pra entender a sua participação na farra das passagens. Não dá, deputado, sinto muito.


Pelo papel que sempre exerceu na história recente de nossa democracia - da tanga de crochê que colocou mais coisas em discussão do que supõe a nossa vã cultura machista até suas atuações no congresso... - por esse papel, o senhor era mais que um deputado honesto. O senhor era uma possibilidade de esperança para o que nós, do povo, entendemos de política. Quando pisa na bola, o senhor não está "arranhando sua imagem", como li ontem. O senhor está sangrando gravemente a nossa vontade de construir um país decente de verdade, com políticos que não se divirtam às nossas custas. O senhor não se igualou aos da quadrilha, deputado, o senhor foi pior que eles, porque sabia que aquilo era errado e se acomodou. Pena que o senhor não leia blogs...


O que esperam de nós os deputados e senadores eleitos com nossos votos? Que aplaudamos o despautério? Ou que aceitemos calados, como coisa que Deus quer, como mulher de malandro que apanha calada? Subservientes como quem dá o rabo e pede desculpas por estar de costas? Se pelo menos na hora da próxima eleição a gente se lembrasse disso e enxotasse essa cambada pro grotão mais distante... mas nem isso. Continuaremos pedindo desculpas por estar de costas.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

3 1/2, o Music Hall

Consegui uma brechinha, corri até o Teatro Sergio Cardoso pra ver "Sete, o Musical", que estreou esses dias. Espetáculo do Moeller e do Botelho, elogiadíssimo por meu amigo Dirceu, Zezé Motta no elenco, trama 100 por cento brasileira... Fui. Vi o primeiro ato e agradeci aos deuses do teatro a existência do intervalo. O elenco ainda devia estar na fila do xixi nos camarins quando eu pisei de volta a Rua Rui Barbosa.

"Sete" é muito bem produzido. Elenco grandioso e afinado, bons músicos no fosso ao vivo. Mas é um monumental erro de press-release (que a imprensa deu pra repetir, sem questionar) dizer que se trata de um musical brasileiro. Não é, não. Só porque a história diz se passar no Rio de Janeiro, isso não faz do espetáculo um produto verde-amarelo.
De tanto traduzir musicais da Broadway, Moeller & Botelho aprenderam todos os truques e tiques. "Sete" é um musical americano, todo escrito em português. Poderiam dizer que é um musica londrino, com aquele clima de Sweeney Todd que, declaradamente, inspirou o compositor Ed Mota. Pode até ser australiano, com o figurino soturno de Mad Max 25. Mas de brasileiro-brasileiro, "Sete" tem apenas a voz quente e sempre sensual de Zezé Motta e a perfomance rouba-cena de Rogéria.

Só mesmo Rogéria e Zezé quebram o gesso. Alessandra Maestrini canta muito bem, tem uma voz cristalina - mas parece que vai a qualquer momento soltar um "lá em Pato Branco, marido não larga a mulher assim, daí". Quando canta - bem - ela lembra a meiga Sandy ou qualquer outra americana de voz cristalina e candidata ao Oscar. Falta o que os antigos chamariam de "it".

E nem vou falar da 'trama" que costura o primeiro ato. Tem Branca de Neve, sete anões altos, casa de tolerância, mulher abandonada, madrinha boazinha e bruxa malvada. Ai, que preguiça. Nada, fio nenhum me interessou minimamente. E isso foi me deixando triste, porque eu adoro teatro, gosto de musicais e sinto imenso prazer vendo a platéia se divertir em conjunto.

Mas algo me incomoda nesta onda atual de musicais... Os importados - trazidos da Broadway, montados em São Paulo - têm o gritante defeito de serem encenados em série. Ali, pouco importa quem seja o artista, desde que ele se encaixe no molde estabelecido. Por isso, me encantei sinceramente por "Sweet Charity" e "My Fair Lady". A gente assistia e via os atores-cantores suando em cena, deixando sua marca. Claudia Raia, Marcelo Medici, Amanda Acosta... Eles faziam esses musicais. Agora exercite a memória: além do Saulo Vasconcelos e do Daniel Boaventura, você lembra quem esteve em cena no Fantasma da Ópera ou nos Miseráveis? As pessoas uivavam quando Saulo cantava, mas não o reconheciam na calçada do teatro. Isso é muito triste para quem, como eu, gosta de ver gente em cena!

Já os musicais cariocas só sabem contar biografias de artistas famosos. Se ainda contassem bem as histórias, vá lá, mas as tramas são fiapos, a qualidade dos diálogos é menos que pífia - e certas peças não mereceriam um mísero aplauso se não fossem as performances de seus protagonistas: "Cauby", com Diogo Vilela, e "Orlando Silva", com Tuca Andrada, são exemplares disso.

O Rio é e sempre foi uma cidade auto-centrada e os dois musicais de maior sucesso recente provam a tese. "Sassaricando", o delicioso ajuntamento de marchinhas de carnaval, remete aos tempos do Rio camarada, malicioso, brejeiro. "Sete" é o Rio de hoje, embora sua trama se passe em algum ponto indefinido do passado. "Sete" é o Rio soturno, ameaçador, com perigos ocultos em becos e vielas. E acaba aí seu interesse.

"Sete" é, acima de tudo, pretensioso. As músicas de Ed Mota, o menos brasileiro dos compositores, não são ruins - mas são composições de Ed Mota: trazem embutido em seus acordes um certo ar de "notem que genial" que tempera tudo o que o sobrinho de Tim Maia faz. E as letras (do Moeller ou do Botelho, eu sempre confundo e não vou parar pra pesquisar) exprimem claramente o desejo de parecer uma "letra do Chico".

Estão ali certas figuras de linguagem, certos jogos de palavras, que remetem muito de longe ao autor de "Calabar" e "Ópera do Malandro" - tanto que na cena em que a dona do puteiro (Rogéria) vai explicar o trabalho para a moça de Pato Branco, eu me admirei de ela não cantar "Uma canção desnaturada" (aquela da curuminha...).

De todo modo, é bom ver que - esbarrando aqui, copiando ali - o teatro musical brasileiro se firma. Eu não vejo a hora de poder ver em cena os que escrevi... e poder ser chacoalhado pelos comentários ranzinzas de algum blogueiro perdido...

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Notícias do Brasil

É o mesmo país. É o mesmo rincão do planeta.

Em Brasília, um senador potiguar transforma uma espécie de vale-passagem aérea em 118 mil reais e entrega a bufunfa à viúva de um colega. Diz, depois, que não sabia que isso era proibido. E ainda tripudia: "Ela estava desesperada. Agora, quem tá desesperado sou eu". Adriane Galisteu ganhou passagens aéreas do namorado, levou mãe, amigos e companhia bela para sabe Deus onde. E só agora descobriu que as passagens eram pagas com dinheiro público. Adriane diz que vai devolver o dinheiro, mesmo não tendo culpa no cartório. Mas anunciou que quer levar o ex-namorado ao seu novo programa na Band, para que ele se explique em rede nacional. E não é que a loira acaba faturando?

Em Manaus, uma indiazinha ianomami de 1 ano e meio está há meses internada com hidrocefalia. Precisa ser operada, as chances de sobrevivência existem, mas são pequenas. Os pais foram ao hospital tirar a filha da UTI. Querem levá-la para sua aldeia, no coração da floresta. Se seguirem as tradições ianomamis, a menina será sacrificada ao chegar à aldeia. É a lei da sobrevivência na selva: os fracos e incapazes são eliminados, não dá para carregar fardos inúteis pela mata adentro. Médicos e juristas do Amazonas estão armando um barulho, não querem deixar a menina sair do hospital. O representante da Funai diz que não tem jeito, que é preciso preservar as tradições silvícolas. Lá pelas tantas, defendendo seu ponto de vista, o sujeito compara o sacrifício ao debate sobre eutanásia. Mistura-se tudo no caldeirão do Brasil.

Em São Paulo, uma deputada politicamente correta aprova um projeto que proíbe a venda de coxinhas, empadinhas, doces e refrigerantes nas escolas do Estado. Agora, só suco natural, sanduíche natural e, talvez - a notícia não especifica - doce de gergelim com cobertura de tofu. A intenção é ótima, mas quem deu a esta senhora o direito de escolher a tranqueirada que as crianças comem? Coxinha faz mal? Faz. Doce? Em excesso e sem escovação de dente, também. Mas o que é uma hora de recreio sem uma coxinha e um guaraná? Que infância terão as crianças sem uma paçoquinha Amor? Essa deputada não tinha coisa mais interessante para cuidar? Estimular a re-educação alimentar, por exemplo? Pegar o dinheiro que gasto com assessores e passagens - e aplicar, por exemplo, na contratação de dentistas para as escolas públicas?

E o governador aprovará uma lei dessas? Se o Lula ou algum governador petista cometesse essa insanidade, logo surgiriam campanhas contra os "atos ditatoriais", os "resquícios do totalitarismo" ou algum outro jargão da Direita Festiva que nos controla. Lula e Sua Gangue têm cometido vários excessos, mas essa besteira ainda não fizeram. Ainda. A gente nunca sabe...

E a indiazinha ianomami, sem passagem aérea de cortesia e sem noção do que seja uma coxinha de galinha, dorme seu sono ausente numa cama de UTI em Manaus...

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Aqui tem um bando de louco!


Pode ter sido desabafo do estresse dos últimos dias, a tensão pela estreia da novela (média de 13 em SP e 19, no Rio, onde ficamos por 6 minutos à frente da Globo!!!). Ou eu estava mais sensível que o de costume. Para aproveitar a inesperada folga dada pelo Lauro Cesar Muniz,corri à sala 2 do Unibanco Artplex -e me debulhei com "Fiel", o documentário sobre a torcida corintiana.


Eu sou um corintiano muito do meia-boca, não sei nome de jogador, descobri outro dia que o técnico é o Mano Menezes e só gosto de assistir decisão de campeonato. Mas a torcida corintiana tem uma força, uma energia e uma fé (não no sentido religioso) emocionantes, sempre.


O filme é dirigido por Andrea Pasquini e tem roteiro de Marcelo Rubens Paiva e Sergio Groismann. Ele até dura uns 10 minutos além do necessário e fica devendo entrevistas com torcedores 'manos' mesmo, daqueles negões, desdentados, magros feito a necessidade - aqueles que o preconceito une imediatamente à imagem da Gaviões. Exceto por um ou outro, boa parte dos depoimentos é de brancos, classe média, bem articulados... OK, ajuda a desmistificar o torcedor... Mas eu gostaria de ouvir os que nunca são ouvidos sobre a paixão que une todas aquelas pessoas.


Se fosse um filme sobre o Corinthians, apenas, poderia ser um bom filme. Mas "Fiel" ganha outra dimensão justamente porque é um filme que fala da torcida, das pessoas. É um filme humano, no melhor sentido, porque reconhece naquela massa apaixonada um fenômeno raríssimo de amor incondicional.


Quando o Timão foi rebaixado para a Série B, em dezembro de 2007, aconteceram duas ondas quase simultâneas: torcedores de todos os outros times criaram piadas para contar para algum amigo corintiano - e a torcida corintiana, sem nada previamente combinado, resolveu que apoiaria o seu time mais do que nunca. Quem andava por São Paulo naqueles dias era cercado por uma multidão de office-boys, motoqueiros, escriturários, idosos, homens e mulheres de todas as idades e classes, todos vestindo alguma camiseta do Corinthians. "Eu nunca vou te abandonar" virou um slogan, visto em todos os cantos.


É essa paixão, são essas figuras que o filme resgata. Não deixa de ser delicioso ver grupos uniformizados dentro da sala, assistindo o filme com um respeito absoluto, guardando para o final da sessão, na hora em que Negra Li começa a cantar uma música de Rita Lee sobre o Coringão... É bem nessa hora que o garoto uniformizado levanta da cadeira e solta um "Ê Timão!" saído de dentro do peito.


Um documentário exibido num cinema de shopping, ao provocar essa reação do público, atingiu a veia certa e pode comover até o palmeirense mais chucro (perdão pelo pleonasmo).




terça-feira, 14 de abril de 2009

Poder Paralelo, enfim, no ar!


Pouco a dizer, a não ser que estou com um frio na barriga em rede nacional...


Super-produção com imagens gravadas em Palermo... trama inteligente, do tipo que considera o telespectador como ser um pensante... não que seja totalmente verdade, mas vamos apostar...


O elenco tá numa animação de virgem em lua-de-mel, coisa linda. Tuca Andrada e Gabriel Braga Nunes estão no time, junto com Paloma Duarte, Adriana Garambone, Maria Ribeiro, Petrônio Gontijo e muitos outros.


Apreciem sem moderação!


segunda-feira, 13 de abril de 2009

E aí, vai pegar?


As leis no Brasil são uma força da natureza. Algumas nascem e vicejam, fortes como floresta amazônica. Outras brotam, tal qual o grão de feijão embrulhado no algodão molhado, mas não avançam. Por aqui, algumas leis pegam. Ou não. A cada nova lei polêmica - e elas sempre parecem polêmicas - alguém faz um muxoxo, olha de lado, ajeita a correia da havaiana e profetiza: "Essa não vai pegar". O Brasil deve ser o único país do mundo onde a força da lei é optativa (bom, somos também o único país onde a Abin recruta seus agentes através de concurso público - concurso pra agente secreto... nem o Maxwell Smart pensou nisso). Mas, voltando...
Algumas leis contrariam a voz do povo e pegam. A lei do cinto. A da Cidade Limpa. Pegaram. Houve campanha, fiscalização, multa, quase uma caça às bruxas, mas as danadas vingaram. Houve mesmo um radicalismo em alguns casos. Em certas ruas de São Paulo, você não consegue distinguir um restaurante de uma sapataria ou de uma clínica médica. Quando deixar o cargo e tiver de ir por conta própria, sem batedores ou asseclas conduzindo, Gilberto Alcaide descobrirá na pele que poderia ter sido mais flexível na aplicação xiita da Cidade Limpa.
Agora o bate-boca é em relação à lei anti-fumo do governador José Serra. Anti-tabagista convicto, radical, passional e teimoso, Serra não descansou enquanto não viu sua lei aprovada. É uma lei sem concessões. Proíbe que se fume até em quarto de hotel, quando o indivíduo deveria, em tese, relaxar e ficar por conta e risco. Depois que o próprio governador apareceu dizendo que vai ser duro fiscalizar, a turma da profecia já abriu as asas: "Não pega". Citam como exemplo a Lei Seca, cujos critérios fundamentalistas punem até quem usa Cepacol e que, agora, é considerada um tanto quanto agonizante. "Você conhece alguém que foi pego?", perguntam os céticos.
As duas leis - a seca e a anti-fumo - são até bem intencionadas. Mas pecam, e pecam feio, no radicalismo. Ex-fumante há 12 anos, eu detesto voltar para casa com a roupa cheirando a cinzeiro usado. Mas em vez de banir o fumo, opto por evitar lugares fumacentos. O bar do Espaço Parlapatões, por exemplo, é um fumacê só. Mas dá tranquilamente pra curtir o bar e as quase sempre boas companhias tomando uma cervejinha na calçada.
Não preciso que o José Serra saia do Palácio dos Bandeirantes e venha dizer se eu posso ou não sair com amigos fumantes. Daqui a pouco ele vai cismar que todo mundo deve torcer pro Palmeiras, já que ele é alvi-verde. Eu me mudaria na hora pra Aracaju. Ou Guarulhos, que é quase a mesma coisa, só que sem mar.
Há radicalismo nos fumantes, também. Dá, sim, pra se divertir sem defumar o interlocutor. Em Paris e Montevidéu, duas capitais nas quais o cigarro era quase obrigatório, as pessoas continuam saindo pra jantar e beber. Quando querem fumar, pedem licença e vão pra calçada. Fumam, voltam e retomam o papo. Não se registrou nenhuma amizade abalada, casamento rompido ou paquera frurstrada por causa disso.
Por conta de nosso desapego aos rigores da lei acabamos não criando hábitos saudáveis - como cobrar do governo que cumpra a Constituição, que aplique o que deve ser aplicado em Educação, Saúde e Cultura... Vocês podem até não fazer aí, mas deixem a gente por aqui... Um não mexe com o outro. Quando a balança da indolência sai do prumo, a gritaria é geral e as aspirações democráticas adormecidas renascem num jorro.
Talvez calejados pela lentidão e estupidez da Justiça, desistimos de brigar nos tribunais contra aspectos ditatoriais de certas leis. Preferimos jecatatuar. Sentados, aguardamos que o broto da lei resseque ao sol. "Não falei? Não pegou".
P.S. A foto do post foi tirada no banheiro masculino da estação central de trens do Porto, em Portugal. Ó pá.

sábado, 11 de abril de 2009

O Espírito da Páscoa


Hoje não tem coelhinho. Nem ovo. Nem nada pascal desse tanto. Tem um São Pedro, pintado por um pintor português do século 17 ou 18, chamado Grão Vasco. Antes de virar rótulo de vinho, e dos bons, Grão Vasco foi um pintor de temas religiosos. Seus quadros podem ser apreciados com deleite no Museu Grão Vasco, em Viseu. A cidade fica a uma hora e pouco de Coimbra e tem uma linda cor de pedra, toda ela.


Páscoa. Eu acredito em muita coisa. Menos em coelhinho da Páscoa. Desde pequeno. Talvez por não ser tão fã de chocolate. Ou de coelho. Sei lá.


Mas acho legal Páscoa. Talvez porque seja uma festa três dias depois daquela sangreira toda da Sexta-feira Santa. A Sexta da Paixão. Demorei anos pra entender onde entrava a Paixão no meio de tanta maldade. E até hoje tenho dúvidas se entendi mesmo.


Semana Santa me lembra infância. Histórias da infância. Me lembra eu adorar ser criança, porque estava livre do jejum. Minha família - pais, tios, avós - adoravam dizer que faziam jejum na Semana Santa. Ou num dia dela, já não lembro. Jejuavam e guardavam o apetite para o bacalhau do domingo. Mas a criançada podia comer à vontade. Eu nunca queria crescer.


Minha mãe adorava contar do pai dela, que tinha uma vendinha lá no interior de Pernambuco. "Na semana santa, ele não aceitava dinheiro. Só tomava nota das despesas e cobrava depois. Dinheiro na Semana Santa era pecado".


A Semana Santa mudou muito. "Seu" Zé Cândido - meu avô - estranharia. Mas como era de paz, daria de ombros, abriria sua cerveja sem gelo e cuidaria dos fogos de artifício pra festa da padroeira. Avô fogueteiro. Vê se pode.


P.S. BACANA: acabo de conhecer um blog muito divertido: http:/desilusoesperdidas.blogspot.com
É um blog sobre jornalismo. Inteligente, porque bem humorado. Toca em alguns pontos G da profissão - como quem é o tipo mais chato de se entrevistar. Eu queria responder mas fiquei na dúvida entre arquiteto, militante ecológico ou artista plástico explicando a própria obra. Deu empate técnico.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Aplausos roubados


A notícia da morte do ator Francarlos Reis, ontem, demorou algumas horas pra chegar aos sites dos jornais. Demorou bastante mesmo. Eu até pensei que se fosse a morte de um figurante que ficou na lista de espera pra entrar no forno da Lista de Schindler, do Spielberg, a notícia teria sido mais rápida. Talvez. Não sei.

Só percebi que um ator que dedicou sua vida ao teatro conseguiu espaço bacana no Caderno 2, mas não chegou a tempo de ocupar uma notinha que fosse na Ilustrada. Saiu algo na Mônica Bérgamo, sim, mas uma nota certamente divulgada pela assessoria do espetáculo "A Noviça Rebelde", informando que o show não pode mesmo parar e que outro ator já estava escalado para a substituição. O tema da nota não era a morte. Houve mesmo espaço pra contar que uma das atrizes da peça prepara um livro sobre técnicas de canto...

Francarlos fez muito teatro - e nos últimos anos vinha conseguindo com regularidade aquilo que todo ator secretamente sonha: um caloroso aplauso em cena aberta, por justo merecimento. Suas intervenções em "My fair lady" eram deliciosas. Disseram que também roubava a cena em "A Noviça Rebelde". Em "A Cabra", era o amigo fofoqueiro do protagonista. Não chegava a brilhar em cena, mas a força da peça é mesmo o texto primoroso de Edward Albee. Ele dividia o palco com José Wilker, Denise del Vecchio e Gustavo Machado, como se vê na foto.

Não éramos amigos. Mas nos conhecíamos, nos cumprimentávamos, trocávamos uma frase aqui, outra ali. Ele fez minha peça "Galeria Metrópole", substituindo o ator Fernando Neves no papel de Nenzinho, a bicha fantasma ainda apaixonada pelo personagem do Rubens de Falco. Fernandinho dava um tom divertido e patético, Francarlos acrescentou uma amargura - ah, eu gosto disso em teatro! Francarlos entrou na peça por amizade ao Rubens e ao Zé Renato, que dirigia o projeto (a peça era dirigida pelo Paulinho Capovilla) e certamente não ganhou o suficiente para pagar o táxi. Mas fez com carinho, com dedicação. Um dia, no Luna di Capri (claro), ele me parou e perguntou se eu não topava escrever um pequeno monólogo. Era pra se juntar a outros pequenos monólogos de autores contemporâneos, espetáculo pra ser feito pelo prazer de atuar - ele já tinha feito algo assim, com o Bortolotto e outros autores. Topei - mas não escrevi nada, nem ele me cobrou. Os musicais conquistaram o ator.

No jornal hoje, li que ele fez uma novela. "Venha ver o sol na estrada", na Record, em 1973. Parece que foi sua única experiência no gênero. Engraçado, porque essa novela de título hippie foi também a experiência única da autora, a dramaturga Leilah Assumpção, e - salvo engano - do diretor Antunes Filho. Imaginem o público, então...

Francarlos ficará mesmo nas coxias dos teatros e nas conversas dos restaurantes onde a classe artística divide um prato na madrugada. Os aplausos roubados, ele os levou na memória.

terça-feira, 7 de abril de 2009

A carne das palavras

Ando cismado, desde que começaram a divulgar o espetáculo "Por um fio", que estreou semana passada no Teatro Sesc Anchieta. Estrelada por Regina Braga e Rodolfo Vaz, a peça é a transcrição cênica, palavra por palavra, de alguns contos do livro escrito pelo médico Drauzio Varella. A falta de tempo me impediu de ver até agora o que deve ser um bom espetáculo - Regina e Rodolfo são atores que extraem emoção até de manual de instrução de aparelho eletrônico e Drauzio Varella tem um olhar sensível sobre o ser humano. Mas confesso que não sinto um frisson incontrolável de ir ao teatro para 'ouvir' um livro. Podem chamar de cafona, antigo, old fashion - mas livro eu gosto de ler eu mesmo.
Moacir Chaves, o diretor de "Por um fio", já fez outros espetáculos no mesmo molde. Lembro de "Sermão da quarta-feira de cinzas", de Padre Antonio Vieira. O ator Pedro Paulo Rangel arrasava com o texto do século 17. Tempos depois, o diretor Aderbal Freire-Filho montou "O que diz Moleiro" e fez de um romance português que ninguém tinha lido um dos maiores sucessos teatrais da primeira década deste século. Era um espetáculo bonito, mas eu não saí uivando do teatro, não. A peça tinha barriga - e não era barriga tanquinho, não, era pânceps mesmo. Animado pelo sucesso, Aderbal fez "O púcaro búlgaro", encenando o romance do Campos de Carvalho, eu já tinha desistido. Repetindo, livro eu leio.
Não é gratuita a ranhetice. É mais um respeito pela Palavra, assim mesmo, com maiúscula. Existe um mecanismo secreto no ritmo das frases, algo que as destina para serem lidas ou ouvidas. Isso não é regra universal, obviamente, mas eu penso assim. A Palavra, quando é para ser desfrutada em livros, ela respira de outra maneira, ela se articula com as outras de outra forma, ela cria um hábitat próprio.
A Palavra do teatro tem outra carne. Ela sua, é suja, ela desliza da boca dos atores para nossos ouvidos, inventa novos universos e nos faz enxergar e imaginar a vida de outra forma. A Palavra do teatro depende do ator para lhe soprar a Vida esboçada pelo dramaturgo. Os textos de Shakespeare e de Nelson Rodrigues, por exemplo, são um primor, quando lidos. Mas atingem o céu quando bem encenados. É nessa hora que eles cumprem sua missão.
No documentário "Palavra (en)cantada", Chico Buarque dá um exemplo prático disso. Contrário à idéia de que ótimos letristas sejam poetas, Chico lê uma letra escrita por ele e considerada pela audiência como "uma poesia!". Ele lê e vai comentando... "Essa palavra... o poema não pede, mas a canção pede, por isso a palavra tá aqui".
Eu, que já virei parceiro de Mário de Andrade, Rabelais, Robert Louis Stevenson e Murilo Rubião, entre outros, não vejo problema algum em fazer e assistir boas adaptações de contos e romances para o palco ou as telas. Mas a alma das adaptações pode ser tema de outro post. Este aqui quer apenas falar isso: livro na íntegra, ok, mas por escrito. Audiolivro é útil para deficiente visual, quantos mais houver, melhor (os audiolivros, não os cegos).
A Simples Transcrição Cênica pode render lindos e honestos espetáculos - mas Dramaturgia não é, não.

sábado, 4 de abril de 2009

A culpa é da Marisa

-- O senhor sabe por que prenderam a dona da Daslu?

Eu, que leio jornais e sigo o noticiário, sempre imaginei que sabia a resposta. Mas o tom do taxista indicava que eu estava enganado...

-- Foi a dona Marisa.

Opa, como assim? A primeira dama?

-- A dona Marisa foi lá e não atenderam do jeito que ela queria. Ela mandou o exército lá.

É surpreendente a imaginação popular. Quem escreve para teatro, tevê, cinema precisa comer muito arroz-com-feijão até chegar na inesgotável capacidade que o povo tem pra inventar. Mas reconheço que o taxista que me levava à Praça Roosevelt na sexta-feira atingiu um ponto alto.

O cara chegou a dizer que a Eliane Tranchesi era uma coitada, uma vítima das maquinações ardilosas de uma primeira dama que nunca fala. E isso também era motivo pra crítica. "A mulher não faz nada. Devia fazer umas benfeitorias, ajudar os pobres". E ele acompanhava o raciocínio de alguns termos pouco abonadores quando aplicados a primeiras-damas.

E não havia uma palavra sequer sobre a farra do boi gordo que era o convívio da Daslu com as notas fiscais. Era como se sonegar, falcatruar, trambicar, se tudo isso fosse absolutamente perdoável- já que a culpa era da dona Marisa...

Eu só tive de concordar com ele numa coisa. "Você já ouviu aquela mulher falando? sabe como é a voz dela?" Não. Eu não lembro...

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Control C, Control V

Faço minhas, todas, as palavras de Luis Fernando Verissimo no Caderno 2 de hoje.

"Ainda não li e já gostei do novo livro do Chico. Gostei até do título 'Leite Derramado'. Acho que quando a nossa geração tiver que fazer um balanço dos seus merecimentos e misérias para ser julgada, poderemos todos usar esta credencial: fomos contemporâneos do Chico Buarque. E exigir tratamento especial".

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Gilberto, o atônito

Não deve estar fácil para o prefeito Gilberto Kassab fazer a leitura matinal dos jornais. Nos últimos 10 dias, a chamada grande imprensa descobriu que a administração da cidade anda caótica. Todo santo dia, basta olhar a primeira página de Folha ou Estadão e lá vem: merenda, nova luz, promessas não cumpridas... De uma hora pra outra, acabou-se o que era doce.

Durante esses últimos tempos - especialmente quando interessava louvar Kassab para derrotar Marta ou Alckmin - o prefeito era o ai-jesus dos cadernos de Cidade. Chamavam-no de solteirão cobiçado e até, meu deus, de bonitão. É bom o Kassab - de quem não gosto, em quem não votei - tomar cuidado com uma das coisas que ele mais preserva - sua vida pessoal. Quando esse povo resolve fritar alguém... não há limites morais.

Acontece que os jornais e revistas, em sua maioria, começaram já a campanha eleitoral. Pra prefeito, por exemplo, vão começar a vender a imagem de Andrea Matarazzo como "o" homem. A.M. é mesmo homem - de Serra. Está lá por determinação do governador, este um eterno queridinho dos jornalistas que comandam as grandes redações. Serra e Matarazzo têm passe livre na maioria, determinam pautas, ódios e amores. É um direito dos jornais terem seus candidatos, mas a coisa ficaria mais bacana se fosse assumida, explícita. O chato é a mal costurada fantasia de espaço democrático.

Pausa reflexiva. Sou do tempo em que jornalista e petista era mais que rima, era acusação. Mudaram os tempos. Já trabalhei até com jovem repórter malufista.

Mas, continuando. Daqui a pouco tempo a gestão Kassab, de tão útil passado, será totalmente desinteressante. Por isso, podem reparar, já começaram a descobrir seus defeitos. O mais triste é que a maior parte das denúncias é verdadeira mesmo. Pobre cidade minha.

A santinha fez sua parte

Pois é. Não foi ontem... Quem levou o prêmio de autor de texto adaptado foi o Angelo Brandini, "Doutor Dodói". Eu sabia que, se perdesse, seria pra gente boa. "O Médico e os Monstros" levou o troféu de melhor ator coadjuvante pro Fábio Espósito, o Xepa. Merecidíssimo. O Xepa arrasava de Poole, o Mordomo. As pessoas saíam do Sesi repetindo o bordão que ele criou com o "excuse me". Teve dia de ele ser aplaudido em cena aberta.

Mas a Oração pra Santa Kate é forte, recomendo. Funcionou. Na hora que anunciaram o Angelo, só pensei: "É, não deu". E aplaudi sem fazer cara de Mickey Rourke. Abri mais uma cerveja Sol (talvez, nessa hora eu fiquei rourkiano, mas foi breve) e curti a festa e os amigos, que agora tenho visto pouco. Carol Badra e sua Regina (ainda embutida, mas dentro de 15 dias nos melhores berçários da cidade), Keilinha, Domingos, Fernando, a raça toda.
E a turma do "Cidadania" - Leo, Tuna, Soledad e o Fabio Lucino, que ganhou melhor ator.
E a Missura, melhor atriz, linda, de preto. A Lavínia Pannunzio entregando prêmio disfarçada de Marilyn Monroe... Gente, a mina tá loira-loira. Rosi Campos também esteve lá, falamos de "Ifigônia". Aguardem...

Agora, o meu mundo pertence ao Tony Castellamare e sua gangue. "Poder Paralelo", do Lauro Cesar Muniz, estréia dia 14. A coisa promete. As chamadas que estão no ar são de primeira qualidade.

Ah, quem não viu, veja: "Natureza Morta" termina dia 11. Nos Satyros 1, sexta e sábado, meia noite. Anna Cecília Junqueira em estado de graça.

Hoje, como viram, o post foi institucional.
Em breve, volto a lançar meus olhares loiros pela cidade.