terça-feira, 31 de maio de 2011

Um tapinha não doi


E eis que, de repente, um senhor de 80 anos sai pelo mundo e até estreia em cinema defendendo uma legislação mais moderna para o consumo de maconha. FHC - por quem nunca morri de amores, mas a quem eu dei meu primeiro voto, nos finais da década de 70 - é o principal nome do documentário brasileiro "Quebrando o Tabu", dirigido por Fernando Grostein Andrade, irmão do Luciano Hulk e, portanto, cunhado de Angélica. Todos no mesmo táxi.
Não me senti muito animado a ver o filme, mas fiquei pensando que esse Fernando Henrique é danado de esperto. Já faz algum tempo, o bom velhinho tem manifestado em entrevistas a saudade que tem do tempo em que fazia oposição e, pelo teor das mensagens, julga-se sério candidato a porta-voz dos contrários. Também acho que falta uma oposição que preste no Brasil. Até uns dias atrás, imprensa e classe média estavam em clima de lua de mel com Dilma Rousseff. É bom lembrar que até ser eleita, ela era apenas "aquela mulher", "eu não voto naquela mulher", etc. Virou Dilma, mostrou-se discreta, agradou os mais conservadores. Escorregou com a história do enriquecimento do Palocci e estatelou-se com a estrada desnecessária em cena do ex-presidente Lula. Agora, todo mundo é oposição - mas não do jeito que FHC imagina, ou seja, em torno dele. É uma oposição tão fisiológica quanto a situação de uma semana atrás.

O que me espantou na esperteza FHCiana é que ele agora tenta ocupar a vaga abandonada por todos os políticos, com a provável exceção do Fernando Gabeira: o de defensor de alguma coisa menos careta. Ainda soam nos ouvidos a gritaria em torno do aborto, que desviou as atenções da campanha eleitoral. Ou os brados retumbantes contra a lei anti-homofobia que ecoam na Câmara dos Deputados. Ao retrocesso mental e ideológico explicitado por Dilma, Serra, Jilberto, o Alcaide, e outros oportunistas interessados no voto dos evangélicos, FHC entrega-se ao papel de vovô bacana, aquele que entende perfeitamente quando o netinho aparece enrolando um beck no quintal de casa.

De todos os políticos, é justamente o imperial FHC quem acena para os jovens com uma flamulazinha menos conservadora. É claro que até agora ninguém perguntou por que ele não fez alguma coisa nesse sentido durante os 8 anos de seu governo. Ou por que o governador de São Paulo, também do PSDB, optou em descer o sarrafo nos manifestantes da Marcha da Maconha, recentemente. Seja como for, FHC - a quem continuo dando o mesmo valor de antes - entra dando cutucadas em Dilma, Serra (um antitabagista de babar na gravata), Alckmin e Jilberto, o Alcaide. E ainda sobra umas espetadas em José Sarney, vencedor inconteste da calhordice ao declarar que o impeachment de um presidente foi um acidente na história do Senado brasileiro. Não deixa de ser coerente: alguém que pensa assim só pode mesmo praticar a política que conhecemos.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

A verdadeira tropa da elite



Saber que uma associação de moradores de Higienópolis manifestou-se contra uma estação do metrô na Avenida Angélica seria algo absolutamente normal numa sociedade democrática. Nesta cidade convivem palmeirenses, corintianos, santistas e até torcedores da Portuguesa. Gays desfilam de mãos dadas pela mesma Paulista em que homofóbicos dão as caras e, muitas vezes, agridem quem está em volta. Mulher de gravata e homem de saia, madame e faxineira, noiado e alérgico a perfume, esta cidade vê de tudo - por que não veria uma associação que se pretende isolada do que chamaram, poeticamente, de gente diferenciada? É outra maneira de nomear pobre-feio-mendigo-nordestino-preto-bicha e todas as ramificações nascidas do cruzamento dessas categorias. Uma bicha preta sergipana, esteticamente bastante prejudicada e sem CEP pra chamar de seu tá ferrada. Nem na calçada pisa.
O que marcou a manifestação dessa entidade - mais pra pomba gira que pra preto véio - foi a pronta aceitação que o governo estadual deu aos queixumes. "Ah, não querem estação ali? Então tá." Como se construir uma complexa malha de transporte público fosse algo tão simples quanto mudar o sofá de lugar na sala. Sobre tudo isso já se falou, houve churrascada na Angélica e o porta-voz da entidade (eh eh zifio) veio a público queixar-se de bullying. É muito bafafá pra pouco tititi.
A primeira coisa que chama a atenção nesse passo em falso do governo é que qualquer projeto apresentado, idealizado, bolado, lançado, rascunhado pelo governo anterior será imediatamente apagado dos anais da história, pouco importa sua importância para camadas expressivas de paulistas. As aulas de inglês reforçadas foram pro beleléu, porque lançadas pela gestão anterior. Com o metrô não seria diferente. No Brasil, estamos habituados a isso, ao arrasa-quarteirão de todo novo governo, botando por terra o que os anteriores fizeram. Inédito no caso é que há 20 anos é o mesmo partido que "governa" São Paulo. Em tese - e esse povo adora uma tese acadêmica - seriam todos irmãos, interessados em permanecer no poder (a regra da alternância só vale para os outros partidos).
Além de se confundir com essa quizumba interna, o usuário do metrô paga o pato também pra deixar de ser besta e ter algum dinheiro. Coisa mais desagradável é essa mania de querer transporte público decente - mesmo que o preço das passagens seja de primeiro mundo. Mancomunado com seu inimigo íntimo - o sempre lembrado e nunca suficientemente lamentado, Jilberto, o Alcaide - o atual governo estadual dá verdadeiras aulas de menosprezo a quem precisa de ônibus e metrô.
Enquanto foi limitado a uma linha entre Santana e Jabaquara, o nosso metrô era motivo de orgulho paulistano. O "nosso" metrô era mais moderno que o de Paris, mais novo que o de Nova York, mais bacana que qualquer outro. Bastou algum demagogo estender um tantinho mais as linhas e danou-se. Um bando de pobre começou a se apertar nos vagões, apresentando espetáculos deprimentes a cada vez que vai ou volta do trabalho. O metrô deixou de ser "nosso" e passou a ser "deles", os diferenciados. Pra que gastar dinheiro com eles? É de admirar que as estações e trens ainda mantenham um grau de limpeza decente...
Não é apenas a polêmica da estação Angélica que me leva a pensar nisso. É o dia a dia. Eu poderia, por exemplo, sair de minha casa e ir até o Sesc Pinheiros de metrô: a estação Trianon-Masp fica a 5 minutos deste computador e a Faria Lima a dois passos do Sesc. Dispensaria o carro, economizaria o estacionamento... mas não dá, porque, embora inaugurada há vários anos, a tal estação continua em fase de teste, fechando às 15 horas. Dei um exemplo até fútil, mas pense em quantos trabalhadores dependeriam desta estação. Quantos outros vão depender da hoje inaugurada estação Pinheiros, pertinho da Faria Lima. O horário continua esdrúxulo. A estação é inaugurada sem banheiro nem outras "mordomias" que esse povo agora deu pra querer, do tipo celular funcionando. E não se sabe quando a situação será regularizada. Quando o paulistano terá um metrô que atenda, ao menos parcialmente, sua necessidade de locomoção?
É tudo ligado. O horror da associação de Higienópolis aos pobres, o descaso do governo estadual ao usuário de um sistema moderno de transporte e até o desdém com que ele, Jilberto, o Alcaide, trata o trânsito da cidade que deveria administrar - para quem não sabe, Jilberto só usa helicóptero para ir de sua casa, nos Jardins, à prefeitura, no centro. Evita engarrafamentos, buracos, contato com pobres... Ele, que deveria ser o primeiro a ver os buracos do asfalto... Não é de admirar que o pessoal não queira metrô na Angélica. O exemplo vem de cima.