tag:blogger.com,1999:blog-73981371407531769982024-03-13T14:38:57.639-03:00OLHARES LOIROSMário Vianahttp://www.blogger.com/profile/10351988276287779623noreply@blogger.comBlogger190125tag:blogger.com,1999:blog-7398137140753176998.post-30311762038715975352013-06-18T12:20:00.001-03:002013-06-18T12:25:16.191-03:00O Silêncio no Andar de Cima<!--[if gte mso 9]><xml>
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<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
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<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O
vento sopra nos palácios. Pelos corredores vazios, tufos de grama seca deslizam
fantasmagóricos. Aturdida, a primeira dama - de robe cor-de-rosa, rolinhos e
pantufas combinando - arregala os olhos em direção ao marido. O homem da casa,
a bordo de um pijama de monograma bordado no bolso, fala para a mulher não
acender a luz. "Deixa eles pensarem que nós estamos dormindo. Ou que não
tem ninguém em casa." Ela, a ingênua, ainda pergunta: "Você não vai falar
com eles?". Ele, veloz: "Tá louca? Deixa assim. Eles cansam e vão
embora." <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Deve
ser mais ou menos essa, com pequenas variações, as cenas nos endereços do poder
brasileiro nesses últimos dias. A rua se manifesta em altos brados e o Poder se
faz de morto. Finge que não escutou. Ou, pior ainda, olha com desdém esses
"arroubos juvenis". Há realmente uma técnica de deixar a turba
acalmar e tudo voltar ao de antes no quartel do Abrantes. Quase sempre
funciona, mas o diabo é que às vezes, não. É preciso ficar de olho.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Líderes
carismáticos não surgem da noite para o dia. Getúlio, Jânio, Maluf, Covas, FHC,
Lula. Gostemos ou não desses homens, eles sabiam e sabem cativar seus
seguidores. Têm "o dom". Agora, passemos em revista os atuais chefes
da tribo - puxando o foco para São Paulo: Dilma, Alckmin e Haddad são herdeiros
de figuras de tanta personalidade que a eles sobrou pouco para apresentar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Geraldo
ainda tem uma experienciazinha maior, há tantos anos no poder. Mas não é por
acaso que ganhou o apelido que colou feito tatuagem: Picolé de Chuchu. Dilma e
Haddad parecem seguir à risca os conselhos de Lula. Acontece que os silêncios
de Lula, devido à trajetória pessoal dele, sempre tiveram mais eloquência do
que os silêncios de Dilma e Haddad. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Nem
a presidente nem o prefeito de São Paulo, muito menos o governador, são líderes
natos. A falta de postura, a consciência de quem não sabe o que fazer quando a coisa
aperta, aparece nessas horas. No começo do mandato, Dilma ainda tentou
mostrar-se a "tia" que dá bronca, que não tolera funcionário
esculachado, etc. Foi sua lua-de-mel com eleitores cansados do presidente que
sacudia a cabeça a cada travessura de seus meninos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Acontece
que os meninos agora são outros. Vêm das ruas, saíram dos becos e tomaram conta
das praças. Começaram reclamando do aumento das passagens de ônibus e levaram
como troco os esperados olhares de desdém do andar de cima. A moçada insistiu e
o pessoal lá de riba mandou a polícia sentar o pau. Foi o que faltava para que
gente que sorria dos "meninos sonhadores" também decidisse ir às
ruas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>A
turma dos coroas que foi à rua levou um susto. "Falta liderança",
"não existe uma causa específica"... É, amigos, a revolução está
chegando e eu não sei o que vestir (título de uma peça de teatro italiana, dos
anos 80) - mas é preciso saber ler as novas passeatas surgidas à luz das redes
sociais. Nos anos 80, todos vestimos amarelo e fomos reivindicar diretas-já.
Pintamos o rosto e fomos exigir a queda de Collor. Eram outros tempos, outros
manifestos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>A
falta de uma causa única, devemos agradecer e colocar na conta da Democracia
pela qual tanto brigamos. A juventude que está gritando por aí não é uma, é
várias. Ou são várias. Cada passeata não quer apenas a redução da tarifa de
ônibus, mas exige também a não aprovação da PEC-37, reivindica mais cota pra
concursos públicos, defende o aborto e o casamento gay, quer o fim da poluição e
o impeachment de todo mundo que está aí. É assim mesmo, uma variedade grande de
objetivos (e pra nós, que estamos chegando agora nessas paradas, é bom ficar
atento e não ser fotografado ao lado de uma faixa que defende tudo aquilo que
você mais abomina).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Isolados,
cada um desses grupos não tem força para atrair muita gente. Unidos numa só
passeata, eles atraem mais gente, se sentem mais protegidos e voltam pra casa
crentes que, agora sim, o mundo muda. É por isso que não há liderança única.
São vários líderes e, com cada um, a conversa tem um tom.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Com
a turma que vai pra passeata disposta a tacar fogo em tudo, a conversa precisa
ser mais séria - eu acho - sem que isso acabe em tiroteio, feridos e mortos.
Mas, também esse grupo mais incendiário está mandando seu recado aos poderosos:
"O que nos revolta é o descaso do Poder."<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Não foi por outro motivo que os alvos
atacados ontem, dia de manifestações pacíficas em sua maioria, foram o
Congresso Nacional, o Palácio dos Bandeirantes e a Assembleia Legislativa do
Rio. A turbinha não tem líder, mas sabe farejar onde viceja o fungo da
corrupção. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Chega
de silêncio, Andar de Cima. Não dá mais pra fazer de conta. A coisa é com
vocês, sim.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<!--EndFragment-->Mário Vianahttp://www.blogger.com/profile/10351988276287779623noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-7398137140753176998.post-18912127894427357682013-06-04T11:48:00.000-03:002013-06-04T11:48:29.111-03:00Coloridos pigmeus do bulevar
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<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Nem
tanto ao mar, nem tanto à terra. Longe dos 3 milhões de passantes, mas
igualmente distante dos 220 mil contados pelo UOL, a Parada Gay deste ano em
São Paulo reuniu gente suficiente para um desfile de duas horas ininterruptas.
Foi o tempo que fiquei parado na frente do Conjunto Nacional, vendo passar 16
trios elétricos - quase carros alegóricos, de tão enfeitados no andar de cima.
Com algumas exceções, como o carro da festa Gambiarra, a maioria dos trios era
bancada pelo movimento sindical, numa necessidade quase romântica da
organização dar à Parada um tom mais "sério" e menos
"carnavalesco".<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Bobagem.
No Brasil, a Parada é uma festa e é por isso que atrai tanta gente. Já atraiu
mais, é verdade, mas os excessos do passado assustaram. A chuva que despencou
na manhã de domingo (não foi, como disseram alguns jornalistas desconhecedores
da língua pátria, uma chuva 'intermitente') estimulou muita gente a ficar em
casa, no quentinho do cobertor. A violência despoliciada da Virada Cultural
também assustou. No fim, foi uma das paradas mais tranquilas, com apenas meia
dúzia de mijões presos, acusados de atentado ao pudor. Beira o ridículo a
acusação: num desfile em que destaques se cobrem com sungas menores que um
dedal, rebolando lascivamente, acusar um mijão de atentado ao pudor é piada.
Mais honesto seria prendê-los por sujar a cidade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Não
houve multidões assustadoras, não houve violência e a equipe de garis limpava
as ruas - a Paulista, pelo menos - já durante o desfile geral. O que, então,
teria feito a Parada parecer tão reduzida, especialmente aos olhos dos
formadores de opinião, mesmo daqueles militantes do movimento gay antenado?
Talvez a explicação esteja na "qualidade" de quem veio se divertir na
festa. Era "o povo da perifa, de Itaquera, Campo Limpo, Guaianazes, Vila
Sabrina"... Era o que a classe média bacana e estudada chama de
"gente feia".<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Era
mesmo uma população que não se vê nos Jardins - a não ser usando uniformes de
faxina, porteiro ou empregada. Eram pessoas vindas de longe - dois ônibus, metrô,
trem, tudo junto - para exibir-se na avenida símbolo de uma cidade que também é
deles. Quando aqueles meninos e meninas, usando roupas<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>que só muito vagamente lembram as
"de grife", rebolavam os quadris no cruzamento da Paulista com a
Augusta, alguma coisa acontecia em seus corações. A cidade era deles, mesmo que
apenas durante uma parada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>No
primeiro momento, cheguei a pensar que a visibilidade dos adolescentes gays em
bairros distantes da Paulista estava bem avançada. Olhando aqueles rostos
maquiados, com perucas meia-boca e boás da 25 de Março, pensei que devia ser
muito difícil pra eles fingir um comportamento hétero. Ousada, a molecada
dançante. Depois, voltando pra casa, continuei matutando: a barra pra eles
continua tão pesada quanto antes, mas talvez agora tenham mais coragem de se
expor. Será?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Isso
talvez explicasse aquela "invasão" à Paulista. Era ali, na avenida
mais cara de São Paulo, que eles vinham impor a própria cara. Não há espaço
melhor, menos agressivo, mais adequado. Protegidos por batalhões de policiais -
que não vão bater, nem humilhar, nem nada -, os meninos e meninas com visual
pós-andrógino podiam dançar na rua como se não houvesse amanhã. Não haveria
mesmo um amanhã igual ao "hoje" daquele momento. Muitos dançavam tão
inebriados de si mesmos que pareciam nem ouvir a música que vinha dos trios.
Faziam seu próprio ritmo, criavam seus passos, moviam-se no seu mundo interior.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Faziam,
esses meninos e meninas distanciados do "bacana", aquilo que os
estudiosos chamam de carnavalização do mundo oficial. Em suas casas lá longe,
receberam as notícias de um lugar onde os gays podem vestir uma camisa listada
e sair por aí - às vezes, apanhando até a morte, mas isso acontece na rua de
baixo também, mas quando é na Paulista vira notícia. Viam a cantora famosa
exibir sua companheira e dizer "estou casada com ela" de boca cheia
(e nessa hora deu pra sentir que o gesto de Daniela Mercury vai além dela
mesma). Era ali, na Paulista, que eles deviam estar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Deviam
mesmo. O "mundo gay oficial" já cresceu a ponto de poder ser virado
do avesso e carnavalizado, sem que seja preciso transformá-lo em personagem
caricato de novela. As crianças pintadas e embriagadas nos devolvem - de forma
exagerada, over, pantagruélica - o mundo que vendemos pra eles como o mundo certo,
sem Felicianos, Franciscos e Malafaias condenando ao fogo eterno. Mas atentemos
para o recado que eles trazem: eles não querem ser castigados pelas igrejas, mas
também não engolem a ditadura dos cheirosinhos. Sem jeans de grife, sem
conhecer Nova York ou badalar no Ritz, eles só querem botar seus blocos na rua.
Abram passagem.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<!--EndFragment-->Mário Vianahttp://www.blogger.com/profile/10351988276287779623noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-7398137140753176998.post-61025779569694669292013-04-30T16:55:00.000-03:002013-04-30T16:55:28.145-03:00Escárnio e Barbárie
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<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjKT_HgPQL7y1RfhlObGK5vCUUZkDGukyzLyoHzKLcWj-MEw02IcXmRcz9k-KV5tOuFCe_bY7Iz8OT1p2H40eoV3WyIew8TWAimmNBlHo-XNPCRfkwumU96eMnMjSPa8o0v0z91gE34e3Dq/s1600/Saturno_devorando_seu_filho__G.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjKT_HgPQL7y1RfhlObGK5vCUUZkDGukyzLyoHzKLcWj-MEw02IcXmRcz9k-KV5tOuFCe_bY7Iz8OT1p2H40eoV3WyIew8TWAimmNBlHo-XNPCRfkwumU96eMnMjSPa8o0v0z91gE34e3Dq/s400/Saturno_devorando_seu_filho__G.jpg" width="385" /></a></div>
Já
faz um tempo que venho ensaiando retomar o blog, mas a velocidade da vida tem
sido maior que meu ímpeto opinativo. A cada fato que surge no noticiário, maior
é o meu espanto, o choque, o "isso não está acontecendo" invadindo a
alma. Das leviandades proferidas pelo deputado pastor Feliciano à discussão
sangrenta sobre redução da maioridade penal, passando por crimes que nem os
roteiristas mais encapetados de Hollywood conseguiriam bolar... A geleia geral
que o Brasil anunciava nos anos 60 virou um sarapatel indigesto.<o:p></o:p><br />
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Nosso
horóscopo, como nação, tem somente dois signos: Escárnio e Barbárie. Um está
ligado ao outro, um gera o outro, um consome o outro. E ambos renascem, como
paródia da fênix da mitologia, dos próprios excrementos. Colocar o homofóbico
racista à frente de uma comissão que deveria lutar pelos Direitos Humanos...
colocar um condenado por improbidade na comissão de Ética... Governar fazendo
da patuleia uma enorme torcida figurante, pronta apenas para aplaudir inauguração...
Dar adeus às ideologias e abraçar de vez o casuísmo... Ou, como hoje, culpar os
usuários pelo caos no transporte público da maior cidade do país... Tudo isso é
regra de etiqueta no país do Escárnio.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Poderia
ser apenas um filme B de horror, daqueles que passam de madrugada e não nos
afetam. Mas não é. O escárnio oficial é um fermento fedorento, um bolor que rapidamente
toma conta das juntas morais do país. Vaza dos palácios e chega às ruas, às
lojas e bares, aos lares. E quando se mistura a ele o perigoso tempero do
"pra farinha pouca, meu pirão primeiro", a desgraça está feita.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O
território do Escárnio, então, cede espaço à Barbárie. É do escárnio oficial
que nasce a fama de impunidade, a filosofia do jeitinho, o conceito de que, por
aqui, tem lei que não pega - como semente atirada em terreno de pedra. Quando o
deputado esbraveja que não vai obedecer o juiz do Supremo Tribunal - e nem vou
entrar aqui no mérito do que ordenou o juiz, ele também dado a desvarios
absolutistas - , quando o deputado ameaça ignorar a Lei, não há porque esperar
que um adolescente criado a iogurte e maçã fresquinha tenha de se submeter às
regras. Se o deputado pode, eu também posso - eis o resumo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Se
o deputado pode ignorar a voz das ruas por que eu devo obedecer o aviso de
desligar o celular no cinema, no teatro, no avião? É meu, eu tenho direito de
usar. Se o vice-governador só se manifesta sobre a violência urbana quando o
carro de sua filha é atingido, por que o filho mimado de um aposentado precisa
se preocupar em socorrer o ciclista atropelado na Avenida Paulista? Só por que
sobrou um braço dele no carro? Oras.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Por
que devemos discutir a redução da maioridade penal? Por que mataram algumas
pessoas de classe média? Enquanto morriam somente os jovens da periferia,
ninguém pensou no assunto... Mas reduzir a discussão a esse maniqueísmo social
é indigência cultural. Como cidadão, eu não sei ainda o que pensar. Argumentos
para os dois lados, há. Ouço, pondero e indecido. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Só
noto, horrorizado, que os crimes crescem em violência e desumanidade. O que
fazer com quem ateia fogo a uma vítima? O que fazer com quem atira a sangue
frio<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>no menino que não reagiu?
Colocá-lo na prisão não vai resolver o problema. Mas deixá-lo impune também
não. A não ser que a ideia embutida na discussão seja adotar de vez e
oficialmente a pena de morte. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Foi
isso que me assustou quando começaram a pipocar os bate-bocas sobre a
maioridade penal. Os mais radicais queriam mesmo era "meter uma bala na
cabeça desses animais"- palavras extraídas de um post no facebook. A
barbárie de lá vai ser combatida com a barbárie de cá, é isso mesmo? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Num
país em que o condenado que já cumpriu sua pena mofa na cadeia, porque a
Justiça esquece de tirá-lo de lá, é bastante arriscado adotar uma medida tão
definitiva quanto a pena de morte. Se não confiamos na Justiça para prender,
tratar e reeducar nossos presos, por que haveremos de confiar na que aplica a
pena capital?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Da
guerra de barbáries, de selvagerias de parte a parte, brota novamente o
escárnio. Defende-se a impunidade de um criminoso cruel e ainda jovem com a
mesma energia com que se advoga o direito do jovem em eleger o presidente e até
em escolher o próprio sexo. Por fim, qual será o critério adotado pra reduzir a
maioridade penal? A julgar pelo comportamento cada vez mais infantil de nossos "jovens"
de 30 anos, a maioridade penal deveria ser ampliada, em vez de reduzida.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Será
essa é a filosofia cínica que nos move? Será que o deus que rege nosso signo é Saturno, o que devorava os filhos recém-nascidos para que não lhe tomassem o trono?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><br /></span></div>
<!--EndFragment-->Mário Vianahttp://www.blogger.com/profile/10351988276287779623noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-7398137140753176998.post-66110912479071734492013-02-20T14:28:00.001-03:002013-02-20T14:29:07.467-03:00Me barra, que eu também sou blogueiro!<!--[if gte mso 9]><xml>
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<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
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<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>"Não
acredito numa só palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte vosso
direito de dizê-las". A frase de Voltaire, incluída na peça
"Liberdade, Liberdade", que Millôr Fernandes e Flávio Rangel
escreveram em 1965, só chegou ao Jardim Brasil, onde eu morava, cerca de 10
anos depois. Pra minha cabeça adolescente, aquilo caiu como um machado - e eu
nem lembro mais o nome da peça que o grupo de teatro do bairro apresentava nos
salões da Igreja Nossa Senhora da Livração, mas lembro que era uma peça de protesto
e, na época, eu achava que a Teologia da Libertação tinha vindo pra ficar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O
pensamento de Voltaire virou uma espécie de lema da minha vida e eu tento -
embora seja difícil - sempre me guiar por ele. Por isso, assisto com espanto,
tristeza e medo as incansáveis manifestações contra a viagem que a blogueira
cubana Yoani Sanchez está fazendo pelo Brasil. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Feinha,
cabeleira de testemunha de Jeová em missão evangélica, figurino de quem se
vestiu quando a casa começou a pegar fogo, Yoani se transformou na Musa do
Verão 2013. Ela é a voz da oposição em Cuba, é a dissidente que resiste aos
safanões do governo absolutista, etc etc etc. Como a última moda - no Brasil e
no mundo - é ser de direita,<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Yoani
virou mito, mártir, uma versão caribenha da donzela de Orleans na luta contra
os gigantes barbudos de sua ilha.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Yoani,
é bom que se diga, tem todo o direito de achar o governo dos Castro - o único
que ela conheceu em Cuba, aliás - uma bela duma porcaria. Quando visitei a Ilha
há alguns anos, tive boas surpresas: educação e saúde são levadas a sério, sim,
por lá, isso é inegável. E não venham os defensores de Miss Sanchez dizerem que
só isso não basta. Não basta, mas ajuda muito. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Mas
vamos à visita da Señorita Sanchez ao Brasil. Que país estará sendo mostrado a
ela por seus anfitriões? Nem dá pra dizer que ela foi recebida pela nata do
tucanato, porque o Eduardo Suplicy - depois de dar um abraço em Marina Silva -
serviu de guia durante alguns passeios. (Pra mim, Eduardo S. está tentando
limpar a barra por ter votado em Renan Calheiros pra presidência do Senado,
seguindo orientação partidária e contrariando algo como 90 por cento dos seus
eleitores - eu entre eles. Seja como for, o senador petista está sendo uma das
vozes mais democráticas no meio desse desfile de protestos ensandecidos).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Que
Brasil Yoani levará na lembrança? Se for o Brasil derrotado que o PSDB apregoa,
vai ser uma péssima imagem do capitalismo, é bom tomar cuidado. Não dá também
pra levantar a bola dos avanços sociais recentes, coisa de petista apoiador de
Fidel. Que sinuca!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Talvez
fosse bom fazer só dois passeios oficiais: a escolas e hospitais públicos para
que nossa visitante cubana pudesse comparar. Dados publicados na Vejinha desta
semana dizem que 28% dos alunos do quinto ano da rede municipal de ensino
chegam ao fim do ano letivo sem saber escrever um bilhete pro pai nem ler um
gibi. Dos hospitais públicos, basta dizer que uma das grandes campanhas
atualmente é querer obrigar político a usá-los - como castigo. Se comparar
esses dados, talvez Yoani consiga elogiar alguma coisa em sua ilha.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Falta-lhe
a liberdade de ir e vir, de se exprimir, de fazer o que lhe der na veneta - e
isso é essencial, mesmo. Quem passou pelo regime militar aqui, quando até pra
se viajar pro exterior (sem ser exilado), a pessoa tinha um imposto altíssimo
pra pagar, sabe bem que o ir-e-vir é sagrado. A falta desses direitos é
inquestionável. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>No
meio do bate-boca, perde-se a noção do meio termo, do relativismo. Ou bem se é
contra ou bem se é a favor. Com muito passionalismo, muito radicalismo,
pouquíssima inteligência. Boicotar a exibição do documentário que a moça veio
exibir em Feira de Santana foi um dos maiores vexames diplomáticos e políticos
que qualquer grupo político poderia ter feito. Ouvir a opinião contrária faz
alguém perder pontos no boletim ideológico? Se for assim, por favor, protestem. Me xinguem. Puxem meus cabelos (vai dar mais trabalho, porque estão curtos, mas um verdadeiro militante nunca desiste). Aumentem meu ibope, que nem aumentaram o da Yoani. Eu também sou filho de Deus, oras.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<!--EndFragment-->Mário Vianahttp://www.blogger.com/profile/10351988276287779623noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-7398137140753176998.post-4893551747797232552013-01-25T11:44:00.000-02:002013-01-25T11:44:43.081-02:00A calcinha da deputada
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<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
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<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Foi
mais ou menos assim: a atriz, deputada estadual e missionária Myriam Rios (como
está em sua página da internet) apresentou um projeto de lei mirando os bons
costumes. O governador Sergio Cabral já assinou e a lei está valendo. Nas
reportagens que li, não dava pra entender direito o que eram os tais bons
costumes que a parlamentar defendia. Mas na chuva de posts que invadiu as redes
sociais deu pra entender uma coisa: preconceito é uma atitude daninha, seja
contra ou a favor da gente. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>No
caso, o preconceito foi contra a deputada, cujo projeto de lei é mesmo
estapafúrdio. As armas usadas para atacá-lo, no entanto, foram as piores
possíveis: alguém fuçou na internet e descobriu imagens dos tempos em que a
hoje política era somente atriz e tinha um corpinho que não era de se jogar
fora. Sucesso em novelas da Globo, jovenzinha com tudo em cima e mais um pouco,
Myriam Rios sucumbiu às propostas de fotos sensuais, nua ou seminua - tanto
faz. Dizia-se nos posts que uma pessoa que fez aquelas fotos não tem o direito
de hoje, enfiar o dedo moralista no nariz da gente mais soltinha e
despreocupada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Que
ela não tem por que se meter nos bons costumes alheios, é ponto pacífico.
Certamente o Estado do Rio tem problemas muito mais sérios pra assembleia
legislativa cuidar. Se queremos mesmo atacar a lei da Myriam, devemos mirar no
que ela tem de tacanha, reducionista, cafona - mas não vamos agir também de
maneira tacanha, reducionista e cafona. Recorrer ao passado doidivanas de
Myriam Rios não é o melhor meio de anular sua lei do bom comportamento.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Profissional
que era, Myriam deve ter recebido pra posar pras fotos. Assim como são
profissionais e recebem o combinado as moças que saem nas capas da Playboy e da
Sexy (e os moços da G, da Júnior, etc, também). Se hoje "acusamos"
Myriam de ter feito aqueles trabalhos, nada impedirá que amanhã ou depois
alguém saque da algibeira as fotos que muitas moças legais fazem por aí. Eu
mesmo sou amigo de quatro atrizes que foram capa da Playboy e posso garantir
que nenhuma delas tem comportamento moral discutível.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Myriam
Rios já fez muita besteira na vida - inclusive atuar. Casou com Roberto Carlos,
virou cristã militante e anunciou com orgulho estar há mais de 10 anos sem
sexo. Igualou homossexualismo com pedofilia, causou rebuliço, pediu desculpas.
E agora surge com essa lei boko-moko. Se ela tivesse levado uma vida de monja,
nunca tivesse blasfemado ou roubado doce de criança, mesmo assim seu projeto de
lei seria, no mínimo, risível. Não é o fato de ela ter mostrado as pudendas pra
garotada que a desautoriza. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Como
todo mundo, Myriam pode ter mudado de opinião e ponto de vista ao longo dos
anos. Quem não muda tem problemas sérios de aprendizado. Até onde eu saiba,
conta a favor da deputada ela não ter tentado apagar seu passado de saliências
- ao contrário daquela apresentadora loira cinquentona com voz de criança
atrasada na escola. Myriam fez o que fez, as fotos comprovam e ela agora
tornou-se o símbolo da caretice. O chato nisso é que milhares de pessoas deram
seu voto à caretice da moça.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Meu
medo na cruzada moralista anti-Myriam é o que ela esconde: o acanhado limite
que cada um que se diz liberado impõe ao outro. Infelizmente, é possível, sim,
ser tacanho quando se ataca a caretice. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<!--EndFragment-->Mário Vianahttp://www.blogger.com/profile/10351988276287779623noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7398137140753176998.post-13923299002937565572013-01-18T15:06:00.000-02:002013-01-18T15:06:13.734-02:00Enganações
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<br />
<div class="MsoNormal">
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um povo que se engana. Nosso padroeiro deveria ser o Gepeto e nosso símbolo na
Copa do Mundo bem que podia ser o Pinóquio. Mentimos para nós mesmos o tempo
inteiro. Criamos leis que, a exemplo de plantas no deserto, podem "não
pegar." Espalhamos por todas as empresas um Serviço de Atendimento ao
Consumidor que faz pouco dos clientes - e, como diz minha amiga Gabriela
Erbetta, o "Fale Conosco" dos sites deveria ter um subtítulo:
"mas nós não ouviremos você". Somos campeões mundiais em auto-engodo
e isso, estranhamente, não nos afeta. Aliás, até nos deixa orgulhosos e
felizes.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Recentemente,
antes de um show no Sesc Pinheiros, uma voz anunciava, de maneira clara e bem
articulada, que era proibido tirar fotos e filmar o espetáculo. Aconselhava
também a desligar os celulares. Mal as luzes se apagaram e o que se viu foi um
mar de celulares e máquinas registrando cada momento do show. Era como se a
regra anunciada no alto falante só valesse para marcianos portando armas a
laser ou duendes recém-chegados de algum arco-íris distante. Nenhum dos
presentes se julgava submetido a uma norma tão esquisita: "Como assim, não
fotografar o show? Eu paguei o ingresso, tenho direito!"<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O
grande problema de as pessoas ignorarem o aviso de "desliguem seus
celulares" vai além da desobediência, da travessura. Ela nasce, na
verdade, da falta de punição. Além de avisar que é proibido fotografar o
espetáculo, a casa deveria ter seguranças, fiscais, cães perdigueiros - sei lá
- para alertar os infratores. "Olha, não pode fazer isso". Alertada
uma ou duas vezes, a pessoa que insistisse teria o aparelho confiscado e só
devolvido ao fim do evento. Será que isso é ilegal? Ou a norma anunciada é que
é? Se for, pra que anunciar?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Algo
parecido ocorre com a bliz da Lei Seca. A tolerância zero foi bem recebida até
por aqueles que costumam beber e dirigir sem causar transtornos. Há um ideal de
segurança - "eu posso dirigir bem, o problema são os outros motoristas"
- que justifica a severidade da lei. Acontece que, se beber e provocar um acidente
com vítima fatal, o sujeito vai pagar uma multa menor do que se
"apenas" dirigir alcoolizado! É como se beber e dirigir fosse um
pecado mortal. E provocar a morte de alguém no trânsito não passasse de uma
malcriação. Ah, somos falsos, falsos...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Em
Salvador, uma lei implantada há cerca de dois anos, pôs fim às barracas de
praia, onde nativos e turistas podiam beber, petiscar e passar algumas horas à
vontade. Notem: Salvador é uma cidade com praias belíssimas e a lei caída do
céu queria obrigar todo mundo a carregar um isopor onde guardaria seus
beberets, comerets e lixerets. Funcionou? Claro que não. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Do
Porto da Barra a Stella Maris, o que se vê nas praias soteropolitanas é um
colorido mar de guarda-sóis. Instalado ali, o turista pode tomar sua cervejinha
gelada, comer um acarajé (tem sempre uma baiana ao alcance do "ei,
menino!") e até ter os pés molhados por água do mar, gentilmente despejada
por um funcionário das barracas. Ué, mas elas não estão mais proibidas? Estão,
mas continuam. Elas não existem mais como estrutura física - parede, banheiro,
chuveiro, lata de lixo. Você consome o que quer e deixa por ali, na areia. No
fim do dia, o mar quebra na praia, bonito, bonito - e recebe de prêmio as
garrafas, copos de plástico, palitos e papeis deixados pelos veranistas. É
nojento.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Existem
várias explicações históricas e sociológicas para tamanho desapego da verdade. Uns
culpam a colonização lusitana, outros a série de ditaduras com que nos criaram
e outros, ainda, a indolência tropical. Nada justifica. Num tempo em que todo
mundo defende seus direitos com unhas e dentes, mas esquece da lista de deveres
a ser cumprida, a hipocrisia transformada em hábito cotidiano ganha contornos
doentios, como se fosse uma doença que podia ser tratada com vacina - mas ah,
ninguém quer sentir a dor da agulha...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<!--EndFragment-->Mário Vianahttp://www.blogger.com/profile/10351988276287779623noreply@blogger.com9tag:blogger.com,1999:blog-7398137140753176998.post-62347220162236747082013-01-10T12:41:00.000-02:002013-01-10T12:41:09.325-02:00A mesma praça...
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<br />
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgaVt5wkqy-WZL3n744ilkCMLQu_waTjlrr8J06FE_69sk8pEAE6oF29rLeOeGkeKqh_m_rdVJInVLZNb_Z5dB8VwgCk1rVxrJRQQCwFCUr4P2FkYKzEmShm1hV9rB4sfQ648BcySGyOoLP/s1600/Unknown.jpeg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="431" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgaVt5wkqy-WZL3n744ilkCMLQu_waTjlrr8J06FE_69sk8pEAE6oF29rLeOeGkeKqh_m_rdVJInVLZNb_Z5dB8VwgCk1rVxrJRQQCwFCUr4P2FkYKzEmShm1hV9rB4sfQ648BcySGyOoLP/s640/Unknown.jpeg" width="640" /></a><span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;">Fui checar no dicionário. Praça continua sendo definida como espaço
público destinado ao lazer e ao descanso. "Geralmente", alerta o
Aulete, "tem bancos, coretos e plantas ornamentais." A dúvida sobre
uma possível nova conceituação do verbete me bateu desde que as redes sociais e
os jornais passaram a exibir a imagem do confronto entre homens da Guarda Civil
Metropolitana e skatistas na Praça Roosevelt, agora reformada e devolvida à
população. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Era
mais um imbróglio na história desta praça. O antigo terreno de d. Veridiana
Prado foi transformado, no final dos anos 60, num monumento ao concreto
desconhecido pelo paisagista português Roberto Coelho Cardozo. Foram décadas de
convívio com aquela praça de dois pisos - era até bonito, quando bem cuidado:
tinha supermercado 24 horas, banheiro público, correio, espaço pra correr e
brincar... Acabou virando tudo um "valhacouto de marginais",<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>como diriam os antigos repórteres
policiais. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>A
dignidade do espaço começou a ser resgatada com a chegada dos grupos teatrais...
Mas é bom lembrar que, nos anos 70, as mesmas calçadas dos Parlapas e dos
Satyros recebiam os frequentadores do Cine Bijou, onde só passava "filme
antigo e de arte". Nos anos 80, chegou a funcionar uma cantina bem
simpática, "Macarrão". Mas aí o tráfico chegou com tudo. Nos anos
2000, a proximidade com políticos no poder - o então governador José Serra era
habituê das sessões teatrais dos Satyros - acabou dando início ao processo de
restauração da praça. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi7jCayJ82qCC278wLuKFfW6NGFsY0bKc5E6K5lA9ZeBQVB2yTHKzLY551ncWXvyFi1BpTFOBygThfQaEVHoa3kQggdT8NpZSZ6Y0AksjmkNve9As7MVqaYyso1dTDeFsplqYGR_c3jHlA1/s1600/Video-mostra-acao-da-GCM-conta-skatistas-na-Praca-Roosevelt-size-598.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="356" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi7jCayJ82qCC278wLuKFfW6NGFsY0bKc5E6K5lA9ZeBQVB2yTHKzLY551ncWXvyFi1BpTFOBygThfQaEVHoa3kQggdT8NpZSZ6Y0AksjmkNve9As7MVqaYyso1dTDeFsplqYGR_c3jHlA1/s640/Video-mostra-acao-da-GCM-conta-skatistas-na-Praca-Roosevelt-size-598.jpg" width="640" /></a><span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Reinaugurada
a praça, com tanto concreto quanto antes, e umas árvores mequetrefes
representando sem muito entusiasmo a flora urbana, começaram os problemas. Os
skatistas se julgam donos do espaço. Os moradores ao redor também. Os
ciclistas, os donos de cachorro, todo mundo tem direito a um pedacinho de seu.
Tem mesmo. Mas cadê que o povo se entende? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Com
a arrogância típica da juventude - embora alguns já tenham passado pra fase
adulta há tempos -, os skatistas ensaiam suas manobras radicais o tempo todo. É
bonito, mas faz um ruído diabólico. Especialmente de madrugada. Junta-se a
isso, a prepotência dos guardas civis: um dos principais envolvidos estava à
paisana e já responde a outros processos por má conduta. A falta de bom senso
dá o toque que faltava. O resultado foi o que se viu: agressão física,
xingamento, o diabo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Até
o momento, ninguém conseguiu sequer sugerir que se estabeleçam regras para o
uso da praça. "Skate, das 9 às 18 horas", por exemplo. Vai ser
obedecido? Dificilmente, a moçada não é muito chegada a cumprir regras (aliás,
essa é uma das funções juvenis, testar o elástico das regras até o limite). Mas
haveria pelo menos uma baliza pra guiar a discussão. Do jeito que está, fica
tudo por conta do freguês. E o que não falta é freguês.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>A
cada dia que passa, mais gente se julga com direitos a tudo. Com razão! O
complicado é que poucos entendem que, no mesmo pacote dos direitos, vem o dos
deveres. De uma vez por todas, convívio social não é "eu pago imposto,
faço o que quero e dane-se o resto". O cidadão do andar de baixo e a
vizinha do andar de cima também pagam imposto, também têm direito, também querem
puxar a brasa pra sua sardinha. Não é fácil. Com isso, o espaço que deveria
servir pra convivência se transforma no epicentro das divergências. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Nas
cidades brasileiras, em particular, onde antes famílias passavam a tarde de
domingo, jovens se paqueravam e havia, sei lá, um velhinho do realejo, agora o
que existe é uma procissão de desvalidos, miseráveis, mendigos, noiados e
outros exemplos de degradação humana. Ai de você se precisar parar pra tomar um
ar, dar um tempo, esperar alguém... Vai ficar de pé, porque bancos são raros. E
os poucos são anti-mendigos, com ferrinhos separando um assento do outro -
namorar juntinho, nem pensar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Perdemos
a mesma praça, o mesmo banco e o mesmo jardim. Nunca teremos uma Place des
Vosges, como em Paris (aquela em que morava o escritor Victor Hugo, linda, com
seus arcos)... Jamais ergueremos uma praça como a Grand Place de Bruxelas,
certamente uma das mais bonitas do mundo...<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Só conseguimos mesmo seguir o exemplo pouco salutar do confronto
entre estudantes e militares na China, em 1989. Desde então, nem mesmo a Praça
da Paz Celestial fez por merecer nome tão poético. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Surpreendendo
quem não via comunismo em nossas polícias, nossa guarda civil exibiu inesperada
coloratura maoísta... Mas, enquanto os chineses mantinham o conflito no nível
homem-máquina, nossos bravos policiais tropicalizaram e partiram pro contato humano
- e o que se viu foi uma gravata aplicada com empenho. Devíamos ter o mesmo
entusiasmo pra tentar entender o outro - isso vale pra todo mundo, incluindo a moradora
velhinha que reclama de tudo.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<!--EndFragment-->Mário Vianahttp://www.blogger.com/profile/10351988276287779623noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7398137140753176998.post-88802156174595873262012-04-23T17:04:00.000-03:002012-04-23T17:04:16.086-03:00Thiago Klimeck<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgtwS2Ovc7G8yzZYol3lSi7hUlWlp7HuOwFw-zXSTDR0SIUsWWzqDiC7x8An6kAGgTdh_b7pa_l5h84toevNcWIxhj8WlqnhuoZQSYBc1r9pqlbFpGtxQd-_JOmjngEfL5CiyBBvMYFfPyR/s1600/images-3.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="224" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgtwS2Ovc7G8yzZYol3lSi7hUlWlp7HuOwFw-zXSTDR0SIUsWWzqDiC7x8An6kAGgTdh_b7pa_l5h84toevNcWIxhj8WlqnhuoZQSYBc1r9pqlbFpGtxQd-_JOmjngEfL5CiyBBvMYFfPyR/s400/images-3.jpeg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Thiago Klimeck (à esq.), que morreu como Judas em Itararé</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<br />
De vez em quando lembro de uma resposta que o ator-diretor Hugo Possolo deu quando o "acusaram" de ser vaidoso. "Eu sou artista, tenho que ser vaidoso", disse ele. "Só a vaidade explica porque a gente fica em cima do palco". Não sei se era um chiste ou jogo de palavras, mas que eu concordo com o Hugo, concordo. A vaidade impulsiona os atores. Em alguns casos, é o único impulso, porque vaidade e talento não são sinônimos.<br />
<br />
Voltei a lembrar da frase do Possolo, ao acompanhar a agonia do jovem ator Thiago Klimeck. Thiago quem? Thiago Klimeck morreu aos 27 anos, depois de se enforcar acidentalmente numa encenação da Paixão de Cristo, no interior de São Paulo. Até o dia 6 de abril, poucos tinham ouvido falar no talento dramático dele. Ontem, Thiago Klimeck foi assunto até do Fantástico.<br />
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Como milhares de outros estudantes de teatro e atores já formados, Thiago muito provavelmente era vaidoso e sonhava ser conhecido. Ninguém sobe no palco pra ficar anônimo, ninguém escreve peça ou lança livro pra ser ignorado. A vaidade nos faz querer mais. É humano. É óbvio. Doentio é o que algumas pessoas fazem em nome da vaidade, mas isso já é outro assunto. O tema aqui é Thiago Klimeck.<br />
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Infelizmente, para Thiago, a fama veio da forma errada. O Judas Iscariotes que ele fez na praça de Itararé entrou para a história do teatro porque seu intérprete morreu em cena. Morreram o personagem e o ator e até agora as pessoas tentam entender como isso aconteceu.<br />
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Nem assim o nome de Thiago Klimeck conseguiu o espaço que merecia. Ele se tornou "o ator que se enforcou encenando a Paixão de Cristo", no genérico. Thiago Klimeck, nome sonoro, bom pra ser anunciado em microfone e em elenco de novela, diluiu-se no noticiário. Virou apenas "o ator". E sobre o rapaz que morava com a família sabe-se pouca coisa. A imprensa de celebridades, que nos informa até a cor da cueca que o fulano usava na lua de mel, deixou pra lá os detalhes do jovem Klimeck - ele morreu, mesmo, de que adiantaria?<br />
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Vendo a notícia da morte, percebo que nada soubemos do ator. Será que ele queria fazer novela? Quem sabe, cinema? Talvez tentar uma vaga na trupe de Zé Celso, ser mais um dos atores do Oficina? Pode ser que Thiago sonhasse entrar para o CPT e, talvez, ser um novo Luiz Mello, um novo Lee Thalor... Se as coisas apertassem, ele não se importaria em animar festa infantil fantasiado de Pluto ou Cebolinha... Fazer propaganda ridícula, faturar uns trocados como estátua viva na Paulista, batalhar por um projeto, um patrocínio, uma permuta... Bateria a dúvida da carreira certa? Será que ele desistiria na próxima temporada e começaria a trabalhar na loja de material de construção do tio? Ficaria noivo, casaria, teria filhos e, do teatro, guardaria somente a foto dele como o Judas mais impressionante que Itararé já tinha visto... Bom, essa última parte ele conseguiu...<br />
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Ninguém diz se Thiago era bom ator. Dedicado, ele era: passou seis meses ensaiando o truque do enforcamento, uma cena que se repete milhares de vezes em toda encenação da Semana Santa... Será que o Judas que ele representou até o fim merecia mesmo um lugar na história do teatro? Será que as pessoas ficaram com vontade de xingá-lo quando ele veio dar o famoso beijo traiçoeiro em Jesus Cristo? Quem era Thiago Klimeck, além de ser o ator que se enforcou no meio da Paixão?<br />
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Ficaremos no vácuo das informações. Talvez no velório alguém lembre que Thiago sempre chorava quando assistia a Paixão de Cristo. Quando tinha a cena do Judas, então... E o ouvinte sacudirá a cabeça, filosófico. "Parece que tava adivinhando..." Uma outra pessoa, também por ali, vai comentar que alguém insistiu pra ele ser Pôncio Pilatos, mas Thiago teimou, queria porque queria ser o Iscariotes. De novo, a filosofia popular: "Parece que tava adivinhando..."<br />
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Thiago alcançou a fama em plena transição da vida para a morte. Caso os defensores da vida após a morte estejam errados, ele morreu sem saber de sua notoriedade. Caso estejam certos, ele certamente vai passar um tempinho revoltado, porque, afinal de contas...<br />
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<br />Mário Vianahttp://www.blogger.com/profile/10351988276287779623noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-7398137140753176998.post-20999571411372132262012-03-23T17:12:00.003-03:002012-03-23T18:02:37.163-03:00Pai heroi, filho divino<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhiiHy_d7fYG77BrE9MdFC1c4MZMPnk_JYsI5w7bHdEmZRkrfEjaYxIuUGJGUp7pjHJ7DU1vAfhau3LTsnS7Kok6ackbC6fot5p2n7wKz3OGnQ95e2U_xrQ_2Ynqcse3Vjd43gKW4ekc3-x/s1600/images-1.jpeg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img style="float:right; margin:0 0 10px 10px;cursor:pointer; cursor:hand;width: 259px; height: 194px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhiiHy_d7fYG77BrE9MdFC1c4MZMPnk_JYsI5w7bHdEmZRkrfEjaYxIuUGJGUp7pjHJ7DU1vAfhau3LTsnS7Kok6ackbC6fot5p2n7wKz3OGnQ95e2U_xrQ_2Ynqcse3Vjd43gKW4ekc3-x/s400/images-1.jpeg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5723191445787633538" /></a><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Tal qual um folhetim pouco criativo, o fatídico encontro de Wanderson com Thor, na noite de sábado, vem cumprindo todas as etapas de crime ocorrido em republiqueta de bananas. Os personagens são o filho de um dos homens mais ricos do mundo, um ciclista sem posses, um delegado, um pai heroi e uma mãe ausente. Falta a mocinha romântica, mas o moço rico é também bonito, então não será difícil encontrar candidata. Até o momento, já se anuncia que o ciclista tinha bebido e, mesmo assim, conduzia veículo automotor. Promoveram a bicicleta a veículo automotor! E mesmo sem o laudo da perícia técnica pra determinar velocidade, impacto e outros itens que esclareçam como o coração da vítima foi parar dentro do carro, o delegado pressupôs que o ciclista estava no lugar errado. Convenhamos, o delegado acertou: o ciclista estava no caminho do mocinho rico.<div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Tem me chamado a atenção a ausência da mãe do mocinho. Notória foliã, capaz de pisar no sambódromo com o nome do então marido em uma coleira, fã declarada dos soldados do fogo, atriz (perdoem) bissexta, a Mãe tomou um inexplicável chá de sumiço. Talvez por não ter com a língua pátria uma relação de maior intimidade, a Mãe deixou que o Pai ocupasse a linha de frente da batalha do Rico contra o Exército de Pobres Invejosos que Infestam o País, respondendo pessoalmente a todos os ataques da patuleia no twitter.</div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>E aí começa meu grande espanto com a indignação alheia. A não ser que ocorra uma dessas revoluções astrais, que fazem criança gostar de quiabo e gente de mau gosto ouvir música em baixo volume, o fim do filme é previsto: a culpa será do ciclista e, se bobear, o moço rico entra com ação de injúria a sua honra. Como eu disse, o folhetim carece de criatividade. O que não entendo é a indignação com a reação do Pai Herói. </div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Pense um minuto antes de me xingar. Imagine que você é dono da sexta fortuna do mundo. É dinheiro a dar com o pau. É bufunfa suficiente pra você colocar o carro importado pra dormir numa das salas de sua casa - não na garagem ou na vaga que sobrou na reunião de condomínio. Provando que muito dinheiro nem sempre rima com bom gosto, o sujeito botou o carro dentro da sala. E se você já desceu em seis pra praia, dormindo todos apertados dentro do fusquinha, vai morrer de inveja do carro, claro.</div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>O fato é que, sentado no topo de uma montanha de dinheiro, você é informado que seu filho atropelou e matou um rapaz com um desses sobrenomes comuns, que todo mundo tem... Imagine que você tem dinheiro, dois filhos e mora num país onde a polícia não ficou famosa pela resistência à corrupção. Oras, vamos somar: um rico, um pobre, uma polícia passível de silenciar quando interessa... Você hesitaria em proteger seu filho amado? Não suba no salto do moralismo, tentemos ficar no campo do real. Quantas vezes você já torceu a cara pra vizinha que falou mal da voz do seu filho na festinha infantil do prédio?</div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>O Pai Rico não é o único. Recentemente, tivemos a mãe que catou o filho na praia e fugiu com ele, serra acima, depois que o menino foi brincar de jet ski e matou uma menininha que nunca tinha ido à praia... A princípio, eu fiquei chocado com essa mãe. Depois, pensei melhor e fiquei em dúvida: o que eu faria no lugar dela?</div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>De fora, é fácil apoiar-se no senso comum e na noção de Ética que deveria nos nortear em todos os momentos da vida. Dentro do furacão, é complicado. É claro que contra isso existem as leis. E se a Mãe do Menino do Jet Ski for processada por obstrução de justiça, o que devemos dizer ao Pai Heroi Muito Rico? Ele tem todo o direito de proteger seu filhote e, já que pode, contratar um ex-ministro da Justiça pra assumir a defesa do caso. Quem não deveria se deixar levar pelo canto da sereia milionária é a Lei (e seus representantes). </div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Em algum momento, uma luz deveria baixar nesses personagens, claro, aquela luz que faz todo mundo se casar com todo mundo e perdoar todo mundo e viver feliz pra sempre... Luz de fim de novela. Esse raio do bem traria consciência a esses pais e mães de atitudes heroicas, mesmo que imorais, e eles se envergonhariam de ensinar a seus filhos que uma boa maneira de se viver é fugir da responsabilidade, virar as costas e correr pra caverna mais próxima. </div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Até nisso a luta de classes revela sua face irônica: quem tenta fugir e virar as costas é a já muito perseguida classe média, aquela que tenta ascender ao primeiro andar, enquanto o seu piso intermediário está sendo invadido pelos zé-manés da periferia... Os muito ricos - foi o caso desse rapaz da nossa história, o filho do pai heroi e da mãe ausente - dão-se ao luxo de não fugir. Dizem que já por duas vezes o rapaz atropelou um ciclista e que, em ambas, não deu no pé. Levou a vítima ao hospital, no primeiro caso. Parou no posto policial, no segundo. </div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Para eu e você, que rebolamos pra acertar as continhas no fim de cada mês, essa atitude é chamada de pagar o pato, assumir o risco ou se submeter à lei. No caso do nosso mocinho muito rico, posso estar enganado, mas é apenas a certeza que nada de muito especial vai acontecer com ele. Fez merda, filho? Vai lá, socorre o infeliz, avisa a polícia e vai pra casa, deixa que papai dá um jeito.</div><div><br /></div>Mário Vianahttp://www.blogger.com/profile/10351988276287779623noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-7398137140753176998.post-24588541150186430632012-02-13T17:48:00.008-02:002012-02-13T18:37:56.855-02:00O Artista entre nós<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhnPi05YLGT5LeM5b9wiaWYVOn7qfGeZbf4_H_F-KQqeV5KoJf3tc1uRqOQbX5Rm8CQ8WO2HTzTJrZIJ2b0G-EuiizLjfg-nx2ITDRCu8EpGtbUZl_8DzjBmk3TXDcKphb_xGXIqcXO0hs1/s1600/images-3.jpeg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 101px; height: 192px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhnPi05YLGT5LeM5b9wiaWYVOn7qfGeZbf4_H_F-KQqeV5KoJf3tc1uRqOQbX5Rm8CQ8WO2HTzTJrZIJ2b0G-EuiizLjfg-nx2ITDRCu8EpGtbUZl_8DzjBmk3TXDcKphb_xGXIqcXO0hs1/s400/images-3.jpeg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5708711291287185858" /></a><br />Em meados dos anos 80, quando a Folha instalou os primeiros computadores na redação, lembro de ter olhado aqueles trambolhos com desdém. "Isso não vai pegar", eu disse. Ainda bem que ninguém tomou nota - se bem que eu não errei de todo. Os computadores eram umas caixas enormes, com tela escura e letrinhas irritantemente cor de laranja ou verde - e tinham o péssimo hábito de sempre apagar tudo quando você estava nas três últimas linhas e, obviamente, não tinha salvado nada. Já no fim da década de 80, quando a Veja informatizou a redação, a empresa teve o cuidado de deixar uma psicóloga por perto - juro. Como as pessoas não arrancavam mais a lauda ao perceber um erro grave, não se extravasava a agressividade. É incrível pensar que já houve quem se preocupasse com isso nas empresas. Mas por que estou reconstituindo esse Jurassik Park da imprensa paulista? Por causa do filme "O Artista".<div><br /></div><div>Sinceramente, não acho que o filme de Michel Hazanavicius mereça tanto oba-oba. Dez indicações ao Oscar, não sei quantos Bafta, não sei mais que prêmio em Cannes... Ufa... O filme é bacana, sim, mas "Tudo pelo poder", "A Separação" e "Triâgulo Amoroso" ainda foram os melhores que vi neste começo de ano. Ao contar a história de George Valentin, popstar do cinema mudo, chocado diante do cinema falado que colocou sua carreira em risco, "O Artista" acerta mais no que não mostra do que no que aparece na tela. Temperado de citações e homenagens - a começar por "Cantando na Chuva", que contou a mesma história, mas com música -, "O Artista" fala de nós. De cada um de nós, colocado diante do novo. Eis aí a pedra de toque do filme.</div><div><br /></div><div>Assim como eu fui um péssimo profeta, acho que muitos de nós - pra não ser exagerado e dizer todo mundo - tremem diante do novo. Abalam-se quando observam o tempo que passa. Assustam-se quando vêem surgir no portão a geração que vai sucedê-los. Menosprezar ou minimizar ("miniminizar", como diria o diretor de um grande jornal no qual trabalhei muitos anos) o futuro imediato é uma defesa automática de nossos sentidos. Alguns aferram-se a ela, à defesa, e tal qual o protagonista do filme acabam por afundar em seus orgulhos. Há os que aceitam e se adaptam, correndo o risco de incinerar o próprio passado. O ideal seria a aceitação com barreiras... </div><div><br /></div><div>"O Artista" me pareceu um filme sobre a negação - tanto que a personagem feminina, que é a portadora da novidade, acaba se tornando mera coadjuvante na trama. Não é ela que interessa ao roteirista e diretor. Ela está pronta para o novo, ela usufrui e saboreia o sucesso. Melhor ainda, ela descobre a... Veja o filme, se quiser saber o resto. O que importa aqui é que, ao nos fazer seguir a derrocada de George Valentin, "O Artista" provoca nossa identificação com o conservador, o medroso, o despreparado - não aceitar que o tempo passa e que, como na música, o novo sempre vem, é estar despreparado pra vida.</div><div><br /></div><div>Posso até não concordar com a chuva de prêmios que "O Artista" colheu e ainda vai colher mundo afora. Mas tenho de reconhecer que não é sempre que um filme nos faz refletir sobre a própria vida. Ponto pra ele.</div><div><br /></div><div><br /></div><div><br /></div><div><br /></div><div><br /></div><div><br /><div><br /></div><div><br /></div></div>Mário Vianahttp://www.blogger.com/profile/10351988276287779623noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-7398137140753176998.post-21041717197253320672012-01-19T15:48:00.004-02:002012-01-19T16:30:52.805-02:0030 anos e 2 dias<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgJx3qhgE8_P4zeEgQt5Fsw2T-MWSr3HEPOk377yxI-GC2ftIbvPt9nxd8W_UY7RVzVs3FUrhFllFmH5cT47NEgKpFZiOy1FykWmhWSbDetJy0SuuE-_u8zC1rUXRlOq4-OsQr_j2LiBjBw/s1600/images-1.jpeg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 266px; height: 190px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgJx3qhgE8_P4zeEgQt5Fsw2T-MWSr3HEPOk377yxI-GC2ftIbvPt9nxd8W_UY7RVzVs3FUrhFllFmH5cT47NEgKpFZiOy1FykWmhWSbDetJy0SuuE-_u8zC1rUXRlOq4-OsQr_j2LiBjBw/s400/images-1.jpeg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5699410595524380530" /></a><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Se é verdade que todo homem é um universo particular, no planeta Mário Viana a cantora Elis Regina ganhou dois dias de sobrevida. Em janeiro de 1982, eu acabava de chegar a Paris no mais perfeito estilo mochileiro: dinheiro não havia, o francês falado era xexelento e o jeito era se virar no subemprego. Fomos morar, Wanderley e eu, no quarto de um amigo pernambucano, no Hotel du Roussillon, Place d`Italie. Era uma verdadeira pensão - por onde haviam passado Alceu Valença, Florestan Fernandes Jr., Geneton Moraes, Ciro Cozzolino e muitos outros -, sem banheiro privativo, nem TV. Telefone, um só, na portaria - para recados. <div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>No dia 21 de janeiro, consegui meu primeiro trabalho - pintar o apartamento de um colombiano que acabara de terminar o casamento com uma brasileira. Munido de um dicionário de bolso, eu li as instruções para aprender a abrir a lata de tinta... Por aí, pode-se imaginar o resultado da pintura: a conterrânea abandonada adorou, o colombiano reclamou que eu tinha deixado o carpete parecendo uma onça (eu li que a tinta era lavável e nem me preocupei em cobrir o chão...). "Vou te pagar só para não ter de ver nunca mais na vida", resmungou o colombiano. Deus ouviu suas preces.</div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Na hora do almoço, enfrentei a neve e fui encontrar o Wanderley num restaurante universitário próximo à Rue du Moufftard, na parte mais velha de Paris. Eu estava assustado com a primeira manhã de trabalho e ele, meio atônito. "Me falaram uma coisa, eu acho que é mentira", ele começou - havia um toque de carinho no cuidado pra dar a notícia a um fã. "Disseram que a Elis Regina morreu". Eu levei um susto, peguei minha bandeja, sentei. "Mentira". E começamos a almoçar. Eu parava. "Só se foi acidente de carro. Foi acidente?" Ele não sabia, ninguém sabia. Voltamos juntos pro apartamento do colombiano. Entre um e outro golpe de tinta na parede - não vejo outro modo de definir nosso trabalho - descobrimos o telefone do consulado brasileiro e eu liguei. Dois dias haviam se passado desde a morte e o rapaz que me atendeu só sabia confirmar a notícia. A causa, nada.</div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Em uma semana, começaram a chegar as cartas. No Roussillon, a brasileirada trocava recortes de jornais, revistas, tinha um que ia à loja da Varig roubar jornal antigo, um tinha o Globo, o outro a Folha... Ninguém podia gastar dinheiro em um telefonema ao Brasil e saber o que estava acontecendo... Eram outros tempos, definitivamente. Hoje, saberíamos da morte de Elis antes mesmo do corpo chegar ao IML. Teríamos todos os detalhes, os mais sórdidos, os mais chorosos. Não que isso aliviasse a dor de perder um artista querido. Claro que não. Mas era como um período pra curtir a dor, deixá-la encontrar espaço.</div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>A rapidez das notícias acelerou também a velocidade do esquecimento. Recebemos tudo em grande quantidade e a comoção histérica vem no embalo. Louvações e linchamentos nivelam-se nas redes sociais, com a mesma intensidade. Paixões e ódios também são abandonados no acostamento, sem maiores explicações. E sem que esperemos, chega um artista e ocupa algum território ainda inexplorado de nosso sentimento. As gerações seguintes custam a compreender por que seus antecessores choraram tanto esse ou aquele. O enterro de Carmem Miranda parou o Rio? Chico Alves deixou o Brasil em lágrimas? Por que tantos choraram e choram até hoje por Elis Regina? Da mesma maneira que os seguintes lamentariam Renato Russo, Raul Seixas e Cássia Eller. Da mesma maneira que, talvez, alguém chore no futuro a morte súbita de Amy Winehouse.</div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Há artistas que completam lacunas. Em suas ausências, nos fazem refletir e crescer. Avançar, um tiquinho que seja. Devolvem-nos a condição de homens perplexos diante do incompreensível.</div><div><br /></div>Mário Vianahttp://www.blogger.com/profile/10351988276287779623noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-7398137140753176998.post-15034588475024539032011-12-27T16:22:00.003-02:002011-12-27T17:16:42.207-02:00Posta e deixa rolar...<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjcwD-7iRiKT-izN0OUmLXRZSg_8Z1-hryatA5JuMDJ_oiTm1Oiy2dWg9NVeSC9PVAvWFrNJ1bZhZn4zPfLlpaYPxFrD8373CE-jAGqe6lXr_BcrO-ntVw4ejKOgHEHrbjs6dHxjh5XHEQX/s1600/images-1.jpeg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img style="float:right; margin:0 0 10px 10px;cursor:pointer; cursor:hand;width: 235px; height: 214px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjcwD-7iRiKT-izN0OUmLXRZSg_8Z1-hryatA5JuMDJ_oiTm1Oiy2dWg9NVeSC9PVAvWFrNJ1bZhZn4zPfLlpaYPxFrD8373CE-jAGqe6lXr_BcrO-ntVw4ejKOgHEHrbjs6dHxjh5XHEQX/s400/images-1.jpeg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5690886326412604146" /></a><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Quantos posts dura a sua revolta? Você já se habituou a conter sua indignação nos 140 toques do twitter? As redes sociais estão aí e há mesmo quem diga que a primavera árabe começou graças a meia dúzia de twittadas bem dadas. Tenho minhas dúvidas sobre a eficácia do facebook como agente propagador de revolta - pelo menos, do tipo de revolta que derruba ditadores, destitui o senado e avança rumo à liberdade. Como se fosse um personagem de peça enigmática dos anos 70, me pergunto se "O Sistema" permitiria realmente a ampliação descontrolada de um serviço que pode causar tantos danos aos de cima.<div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Do ponto de vista de brasileiro habituado a navegar nos mares dos perfis e opiniões definitivas das redes, não tenho motivos para muita euforia. Por aqui, o que mais rolou mesmo foi "Lula, vá se tratar no SUS", "Imprensa burguesa ignora A Privataria Tucana" e "Todo mundo morre (ou todo mundo perde o emprego), menos o Sarney". Sinceramente, estamos a anos-luz de uma primavera árabe. </div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Houve também a caça aos torturadores de animais, com fotos, dados pessoais e chamadas ao apedrejamento moral em infinitos posts. Os acusados foram condenados antes mesmo de qualquer investigação - e as notícias que as coisas não eram bem daquele jeito são ignoradas nas redes. Se for realmente comprovada sua culpa, os tais torturadores merecem ser punidos e não apenas pagar uma multa. Mas não podemos queimar etapas e dar o veredito antes do julgamento. Se queremos que se aplique justiça, devemos começar a partir de nós mesmos. Entretanto, nem os culpados foram punidos, nem os revoltosos partiram para a ação armada. A indignação coube no facebook.</div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Também pelo lado bom da coisa, a eficácia das redes sociais é duvidosa. Temos pena de quem sofre, choramos por um menino acuado por bullying na França, achincalhamos o prefeito ou o governador ou o/a presidente por não tentar resolver os problemas sociais que se espalham ao nosso redor. Mas poucos de nós levantam realmente o traseiro do sofá e vão à luta, reúnem roupas que não usam mais, compram cestas básicas, aderem ao transporte público ou tomam alguma outra atitude mais elogiável. Trocamos tudo por um post inteligente, de preferência com muita repercussão entre quem nos curte.</div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Estamos contaminados pelo bom mocismo. Somos instados a nunca mais pisar num supermercado que use sacolas plásticas, mas nem percebemos que a campanha dita ecológica só servirá mesmo para livrar o quitandeiro de pagar pelo saquinho que continua a ser oferecido ao cliente - a diferença é que o Abílio Diniz quer que <b>você</b> pague pelo tal saquinho. </div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Da mesma forma, os ciclistas - que a colunista Bárbara Gancia apelidou acertadamente de talebikers - gritam em defensa de vias exclusivas. E todo mundo, mesmo quem não diferencia uma Monark de uma Caloi dobrável, inicia a infinita série de posts bem intencionados sobre a ciclovia e sua importância para a sobrevivência da espécie no planeta. Eu defenderei os bikers com muito gosto a partir do momento em que não correr mais o risco de ser atropelado por um deles. Deve ser um dogma da categoria: ciclista ignora sinal vermelho e avança sobre o pedestre com a impiedade de um tubarão faminto. Isso não é bacana.</div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>As lições de convivência e respeito, tão cantadas nas redes sociais, ainda estão no limite das boas intenções. Depois de escrever meia dúzia de palavras legais sobre um tema edificante, nos sentimos liberados a puxar a brasa pra nossa sardinha, dane-se o resto. Desde que possamos espalhar nossos pensamentos profundos e fundamentais sobre qualquer tema humanitário, adquirimos passe livre pra não nos mexermos e fazer o que realmente é preciso para melhorar o mundo.</div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Uso e acho muito legais o facebook e o twitter. Mas não atribuo a eles a capacidade de melhorar a sociedade em que vivo. Não somente pelo fato de, ali, desfilar muita gente preconceituosa, carola, egoísta e, acima de tudo, sem a menor intimidade com a língua pátria. Tem muita gente legal também. Gente inteligente, bem humorada, do bem. Mas nem os "malvados" partem pra porrada, nem os "bonzinhos" largam sua nuvem. É tudo muito adolescente, tudo muito "amo" ou "odeio", "morte a isso", "fora com aquilo". A convivência, que é bom - e é o melhor desse jogo chamado vida -, está se diluindo nas nuvens do virtual. Isso é real.</div><div> </div><div><br /></div><div><br /></div>Mário Vianahttp://www.blogger.com/profile/10351988276287779623noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-7398137140753176998.post-79253714321489296492011-12-13T20:21:00.003-02:002011-12-13T21:02:51.749-02:00Monstros sem Freud<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjCEtgIXP7zdZewAR4lvBud5M-uBFmEfksGFckxGEXPQRlkExHn46JcXMgK-18A_JxAQ-xnKlhXK2b-aneznr6bvVmDarzHpfb26dETJkJwuaelZeyweoGm8W5WxbeE2AJprXdsnujrdwqz/s1600/Unknown-2.jpeg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 243px; height: 208px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjCEtgIXP7zdZewAR4lvBud5M-uBFmEfksGFckxGEXPQRlkExHn46JcXMgK-18A_JxAQ-xnKlhXK2b-aneznr6bvVmDarzHpfb26dETJkJwuaelZeyweoGm8W5WxbeE2AJprXdsnujrdwqz/s400/Unknown-2.jpeg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5685748589688190418" /></a><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>A culpa deve ser do Tom e Jerry. Ou do Bip Bip e Coiote. Não há outra explicação razoável para a série de atentados terroristas que tem vitimado cães, no que parece ser a última moda em bestialidade moderna. O sujeito pega o cachorro, amarra no carro e sai arrastando o bicho estrada a fora. Outro enterra o cãozinho recém-nascido ainda vivo. Soube de crianças em um condomínio que brincaram de atirar gatinhos recém-paridos contra a parede - um deles sobreviveu com sequelas cerebrais. Não é culpa dos astros, dos pais nem da água? Então, só pode ser coisa de Tom e Jerry: as pessoas deram pra acreditar que o mundo é um desenho animado, você explode uma bomba aqui, atira o outro pela janela ali - e no quadro seguinte, a vida prossegue como se nada houvera.<div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Há também a série de mães que se livram de filhos indesejados largando-os na rua, em sacos plásticos, lixeiras, rios. Outro dia, uma mãe atirou os bebês gêmeos pela janela. Para estes casos, bem ou mal, a ciência parece encontrar explicações. Depressão pós-parto, miséria extrema, vício em crack, sempre se saca algum freud da cartola. É aterrorizante pensar que se possa abandonar assim um neném tão frágil, indefeso. O terror cresce quando quem faz isso é a mãe, o pai, o gerador daquela vida. Não há nesse comentário nenhum cristianismo, é pura sensação de sobrevivência da espécie. Tenho comigo a ideia fixa de que lutamos para preservar os nossos, como quem se assegure da continuidade da própria semente.</div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>A maldade contra animais ainda escapa à análise. À minha, pelo menos. Ninguém obriga um sujeito a ter um cão. Eu nunca tive, não gosto de cachorro, procuro evitar a menor intimidade, meus amigos sabem disso. Nem por isso, abafo em mim um envenenador de cães, um atropelador de gatos, um estripador de sapos. Eles lá e eu aqui, esse sempre foi meu lema em relação a bichos. O lema agora mudou: "eles lá, eu aqui e as feras que maltratam bichos na cadeia". Não é possível que a pessoa arraste um pitbull amarrado ao carro, até o bicho perder as patas e a vida, e não receba mais que uma multa. (Pensando bem, é possível, sim: atropeladores embriagados depositam a fiança e voltam para casa, com a carteira de motorista no bolso, sem sequer serem obrigados a pagar o tratamento ou o enterro de suas vítimas).</div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Para as mães que tentam se livrar de seus filhos, parece, resta alguma esperança: de que ela se arrependa e volte chorando; de que seu estado de penúria seja amenizado e ela tenha condições de amar sua prole... É a esperança na justiça, divina, terrena ou satânica. A vingança pelos inocentes sacrificados. Agora, quem sadicamente tortura animais abdica dessa esperança. Para covardes assim, não há cura na linha do horizonte.</div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Quem enterra um filhote recém-nascido ainda vivo não deve ter muita noção dos limites que a vida estabelece. O homem que liga o carro e arrasta o cão que certamente o adorava está pouco ligando para o que sentem outros seres humanos. Maltratar um cão ou um velho ou uma criança ou uma mulher são apenas dobraduras do mesmo origami sangrento. Em algum ponto de suas vidas, essas criaturas sádicas deixaram de ser corrigidas ou simplesmente notadas. Alguma falha no sistema houve. Ninguém sai do comportamento de anjo de procissão para o rally do cachorro arrastado em dois ou três dias. </div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Assistimos perplexos a essas aberrações. Lemos no jornal, vemos na TV. Ficamos chocados. Mas não conheço ninguém que seja parente, amigo, vizinho ou sequer conhecido de um desses torturadores que brotam dos noticiários como gremlins ensandecidos. A vida torna-se um reality show do terror. O sujeito inspira-se num monstro e decide cometer uma atrocidade ainda maior. Busca o holofote, o flash. Seu cão escapará. O Tom sempre sobreviveu aos ataques do Jerry. E o Tom era apenas um gato!</div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Me pego pensando em como reagiria se um vizinho fosse esse personagem monstruoso. O primo de um amigo. O irmão de um colega de trabalho. O pavor ganharia corpo e voz. Por enquanto, ainda, a água não atingiu meu quintal... </div><div><br /></div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span></div><div> </div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span></div>Mário Vianahttp://www.blogger.com/profile/10351988276287779623noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7398137140753176998.post-38906699882742059482011-12-06T11:24:00.004-02:002011-12-06T12:34:50.494-02:00Muitas Chinas<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEixwaKSVsy3q1j6Bh7SubKRtQuTHPQhAbk1Wch_Y7tVm9LccdmJoFYrHk6t4D2cHmipfcYvN3W4NeAaCmowf15EGS4Qrkky6CTTrX9XkyZKGtEpOicljvgZSCw7L4I-Y2xMLxUIP4O65hr9/s1600/Xangai+4+Minas.JPG" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 400px; height: 300px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEixwaKSVsy3q1j6Bh7SubKRtQuTHPQhAbk1Wch_Y7tVm9LccdmJoFYrHk6t4D2cHmipfcYvN3W4NeAaCmowf15EGS4Qrkky6CTTrX9XkyZKGtEpOicljvgZSCw7L4I-Y2xMLxUIP4O65hr9/s400/Xangai+4+Minas.JPG" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5683021081345028562" /></a><br />Quando a escritora Lygia Fagundes Telles embarcou para a China, em setembro de 1960, eu era apenas um bebê de dois meses e meio, nascido abaixo do peso e sem muitas garantias de sobrevida. Lygia já era Lygia, tanto que foi convidada pelo governo chinês, junto com um grupo de intelectuais e artistas, como a atriz Maria della Costa, a visitar o país e constatar com os próprios olhos o que a revolução comunista vinha aprontando havia 10 anos na antiga terra dos mandarins. A tinta revolucionária estava fresca nas paredes, já houvera uma troca de comando na cúpula e a Camarilha dos Quatro, gangue que implantou o terror governista com a Revolução Cultural, ainda não tinha posto as manguinhas de fora. Essa viagem está no delicioso "Passaporte para a China", que a Companhia das Letras acaba de lançar.<div>O livro é pequeno, menos de 100 páginas, e se você não se segurar é capaz de ir da primeira à última linha enquanto espera ser atendido pelo médico. Ou enquanto o ônibus não chega. Ou enquanto foge das besteiras televisivas. Enfim, é leitura rápida, agradável e - acima de tudo - inspiradora. Dá vontade de terminar o livro já no balcão de qualquer companhia aérea, preferencialmente rumo à China.</div><div>O melhor é que Lygia não fez um guia de viagens, nem um querido diário de bordo. Fez crônicas, que foram publicadas aos trancos e barrancos no jornal Última Hora. Na época, não havia facilidades em se transmitir notícias ou enviar encomendas. A viagem em si já era uma maratona: o grupo da escritora saiu do Rio de Janeiro no dia 24 de setembro e só foi pisar em Pequim no dia 29. Pernoitaram em Paris, Praga, Moscou e mais duas cidades da Sibéria, antes de chegar ao destino final. </div><div>Não deixava de ter seu charme dormir em Paris e outras cidades. Tomava-se um banho confortável, jantava-se bem, dormia-se na horizontal, feito gente. Hoje em dia, a viagem para a China leva pouco mais de 21 horas, com alguma escala - sem banho nem caminha - em alguma Dubai da vida. Para quem tem medo de avião, como Lygia, a longa duração prolongava o sofrimento de mais uma vez estar a bordo de uma nave misteriosa, piorando a cada etapa, pois as línguas agora não eram mais aquelas que se aprendia no colégio, mas alguma coisa de raiz eslava ou oriental. </div><div>Estive na China duas vezes - uma a trabalho, em 1993, e outra, de férias, em 2008. Foram duas Chinas. Agora, que li o livro de Lygia, descubro que há muito mais Chinas do que supõe a nossa vã geografia. A China que Lygia visitou ainda engatinhava no comunismo, havendo mesmo ainda proprietários de casas e terrenos herdados do antigo regime. A primeira China que eu conheci não se abrira para o capitalismo, tentava atrair turistas e investidores, mas pouco oferecia além de suas atrações históricas: era um país ainda agrícola, com uma população mal vestida e maltratada pela vida dura. A segunda China atracara-se de vez com as tentações do dinheiro, exibia-se com todos os brilhos possíveis em sua arquitetura ousada e tripudiava do Ocidente servindo de bandeja tudo o que o consumismo valorizava, em versões assumidamente piratas.</div><div>Se na China de Lygia, o líder Mao Tsé Tung era o grande timoneiro, na minha primeira China ele era ainda o modelo a ser seguido. Na new China, era apenas um avozinho cheio de manias a quem os netos tratavam com desdém. Nos anos 60, seria impensável ver Mao enfeitando camisetas, canecas, almofadas e bonés, tal qual um Mickey de olhos rasgados. A minha guia na primeira viagem era uma estudante que impunha um regime de ferro ao grupo - "Temos 20 minutos para visitar a Cidade Proibida" -, mas o segundo era um rapaz bem humorado, que falava espanhol com relativa fluência e que citava o governo sem o medo que seus pais tinham.</div><div><br /></div><div>No livro, é divertido acompanhar o trajeto entre Pequim e Xangai, as duas mais importantes cidades do país. A primeira, por ser capital, grandiosa, exuberante, megalômana. A segunda por simbolizar, em 1960, o período em que a China foi colonizada por ingleses e franceses. Na época de Lygia, ia-se de trem - 30 horas de viagem! Hoje, pouco mais de 2 horas pelo ar e você deixa o gigantismo pequinês para mergulhar na feérica Xangai, com sua arquitetura ousada, seus serviços de primeiro mundo, seu ar de "cidade de todos". Comum, em 1960 e em 2008, foi a mesma paixão imediata por Xangai.</div><div>As viagens eram mais demoradas, viajar para outro país era uma atividade mais elitista, havia o que os nostálgicos chamam de "mais classe" - leia-se "menos pobres". Ir ao aeroporto era quase um programa cultural e até os palitos de dentes que vinham nas bandejas eram guardados como relíquias a ser exibidas aos menos favorecidos. "Olha o saleirinho, que bonitinho!" - o pai do meu amigo João Alberto tinha viajado de avião (a trabalho!) e trouxera pra nos mostrar o saleiro e o pimenteiro distribuídos na Varig. O cobertor de lã, então, chamava mais a atenção do que qualquer tapete marroquino com 1200 fios.</div><div>Dos Telles aos Viana, a China mudou - mas mudou também o mundo e a indústria das viagens. Para atender a um público cada vez maior e, claro, embolsar um lucro mais polpudinho, as companhias aéreas agora já não capricham tanto - porque acham que não precisam. O sal vem num saquinho de papel, os talheres são de plástico e a refeição, idem. O espaço das poltronas seria perfeito se o passageiro não teimasse em ter 2 pernas, quadris, costas... </div><div>As viagens são mesmo mais rápidas e você chega ao outro lado do mundo sem ao menor ter dormido as oito horas de sono regulamentares. Café preto com pão e manteiga de manhã, pato laqueado no almoço do dia seguinte. Antes, não só por questões de tecnologia, mas também por que o mundo parecia exigir mais tempo das coisas, as viagens eram no gerúndio, iam sendo feitas aos poucos, como se estivéssemos eternamente numa caravela. Hoje, os aviões brincam de Apolo XI e comprimem o tempo e a delicadeza. Até por isso, pra nos lembrar que viajar não era apenas uma maratona de compras e superficialidades disfarçadas de cultura, é que o livro de Lygia merece ser lido. Por ela, claro. Mas principalmente por nós.</div><div><br /></div>Mário Vianahttp://www.blogger.com/profile/10351988276287779623noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7398137140753176998.post-40091716337436603862011-11-25T19:02:00.004-02:002011-11-25T19:31:34.187-02:00A lei do Hato<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjelIZhBHZ6MPA20zxTW-UWiXbwb4nqulvaEmKpkZDI2TXwn3W4ikgvsYSzX8y5gOgE9TPpC-7flC9FxWeE71F5pyzNAJglUN260F-rfJPJQdrKEW2YeLC4ihDUi90nR_Fr5tC7FlmGJ5JI/s1600/Phnom+Penh+Ciclista+1.jpg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 300px; height: 400px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjelIZhBHZ6MPA20zxTW-UWiXbwb4nqulvaEmKpkZDI2TXwn3W4ikgvsYSzX8y5gOgE9TPpC-7flC9FxWeE71F5pyzNAJglUN260F-rfJPJQdrKEW2YeLC4ihDUi90nR_Fr5tC7FlmGJ5JI/s400/Phnom+Penh+Ciclista+1.jpg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5679047842474084018" /></a><br />Quando ainda era vereador, o hoje deputado Jooji Hato estava em seu carro e foi assaltado por um motoqueiro - ou melhor, pelo carona do motoqueiro, que ia na garupa. Foi traumatizante, diz o deputado, e ninguém duvida. Por conta disso, o político vem há anos tentando emplacar uma lei que proíbe o transporte de caronas em motos. A motocicleta, como todos sabem, tem espaço para duas pessoas - o piloto e seu convidado. Em qualquer lugar do mundo é assim. Menos no Estado de São Paulo, a depender da vontade de Jooji Hato e seus colegas de plenário. Espera-se agora que o anjo que soprou um pouco de bom senso nos ouvidos da então prefeita Marta Suplicy tenha igual fôlego quando o projeto estiver diante do governador Geraldo Alckmin - e, assim como fez a petista, o tucano vete o projeto de lei, sob risco de sair de destaque no grande desfile dos ridículos a que somos expostos pela incansável classe política.<div>Jooji Hato ficou chocado com o assalto sofrido, qualquer um de nós ficaria. Mas nós não temos a máquina legislativa a nosso serviço. Jooji Hato poderia ter ficado chocado também com o tanto de crianças pedindo esmolas nas esquinas, vendendo bala e pano de prato, nariz escorrendo e medo do adulto que as controla de um ponto adiante. Isso não chocou o vereador-deputado. Nem as hordas de miseráveis que se espalham pelas calçadas de todas as cidades, é só olhar pros lados - mesmo em carros com vidro fumê dão acesso a essa deprimente paisagem. </div><div>É mais fácil atacar os motoqueiros - categoria que irrita onze em cada dez motoristas, é verdade, mas nem por isso formada só por assaltantes. Talvez seja difícil pro senhor Hato e sua equipe acreditarem, mas há pessoas que usam motocicletas como... digamos... meio de transporte. Nem digo para trabalhar, mas para se locomover, levar o filho à escola, levar a namorada ao cinema ou a mulher ao trabalho dela. Enfim, as pessoas usam o veículo que o deputado e seus parceiros querem vetar. Aliás, o rasgo de genialidade é proibir a prática da carona nos dias úteis - partindo-se do princípio que assaltantes obedecem a semana inglesa. O deputado e seus assessores confundiram os horários dos ladrões com os dos políticos. Acontece.</div><div>O engraçado é que, assim como os jornalistas que pautam seus cadernos e revistas pelo que acontece em seus horizontes cotidianos (quem tem filho pequeno faz matéria de preço de escola, quem sai na noite fala dos bares que frequenta, etc), os políticos pautam seus projetos pelo muito que lhes acontece fora de seus ambientes de trabalho - onde, convenhamos, eles vão muito pouco. O projeto do Hato é assim, nascido de uma traumática experiência pessoal, que teria sido evitada se a cidade fosse mais iluminada e tivesse segurança pública, etc etc. </div><div>Mas o Brasil é o país em que se receita aspirina pra combater tumor no cérebro. Tem assalto na saída do banco? Proíbe-se o uso de celular dentro da agência. Aconteceu outro dia comigo: um problema no Bradesco exigia que eu falasse imediatamente com a advogada, mas eu só poderia fazer isso se saísse da agência e perdesse meu lugar na fila... Outra modalidade tipicamente verde-amarela: somos o único país do mundo onde banco 24 horas funciona em horário comercial. </div><div>Vivemos também em uma cidade onde gangues andam pela Avenida Paulista agredindo gays, pretos e pobres sempre nas madrugadas - e o policiamento que o governo anuncia acontece das 6 às 22 horas. Tente passar depois disso e você não verá ninguém fardado por quilômetros. É como a turma que faz blitz da lei seca, que só trabalha até as 4 horas - que é quando bares e baladas estão fervendo: os briacos pegam seus carros depois das 4 e tudo bem.</div><div>É mais fácil sair proibindo isso e aquilo, em vez de atacar a verdadeira causa dos males. A hipocrisia impera, os governantes relaxam porque sabem que nós, do lado de cá da urna, logo esqueceremos - e muitos desses políticos de quinta retornarão aos cargos, premiando-se aumentos infinitos e, de vez em quando, aprovando leis sem nem sequer se importar se ferem ou não a Lei. Estamos na terra do faz de conta, no labirinto do fauno, onde a polícia finge que protege, o fiscal finge que toma conta e o deputado finge que legisla em nome do povo. Só mesmo os assaltantes e agressores é que levam a coisa a sério. </div><div><br /></div>Mário Vianahttp://www.blogger.com/profile/10351988276287779623noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-7398137140753176998.post-76832021241094263422011-11-02T09:54:00.004-02:002011-11-02T11:07:11.855-02:00O SUS do Lula<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiPWme_D3ttDZNJhExKQdN8nIbsjzyaUNObGgXvsxU7xueb_x869D8mI7EJGbE87Yj8NQJ5Q5G4OfEwh_2kweA7iXSNNyXjmFO3771tymq9Bm3SG3SnNZz6JZZbmY-xrmVo1uT_si4TNnd-/s1600/images-8.jpeg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img style="float:right; margin:0 0 10px 10px;cursor:pointer; cursor:hand;width: 190px; height: 266px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiPWme_D3ttDZNJhExKQdN8nIbsjzyaUNObGgXvsxU7xueb_x869D8mI7EJGbE87Yj8NQJ5Q5G4OfEwh_2kweA7iXSNNyXjmFO3771tymq9Bm3SG3SnNZz6JZZbmY-xrmVo1uT_si4TNnd-/s400/images-8.jpeg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5670371614316762866" /></a><br />Foi como tosse no intervalo de um concerto. Mal saiu a notícia de que Lula teve diagnosticado um câncer na laringe, começaram a pipocar na Internet os mais variados comentários - do apoio solidário às piadas de humor negro. Teve início uma campanha para que o ex-presidente abrisse mão do atendimento em um dos melhores hospitais do país para tratar-se no SUS, o Sistema Único de Saúde mantido aos muitos trancos e abissais barrancos pelo governo federal. <div>Do outro lado da trincheira, brigava-se pelo respeito às emoções de quem descobre uma doença grave em si mesmo ou em alguém próximo. Era uma briga feia e, como em todo bate-boca por rede social, recheado de agressividade incontida, de ambos os lados. Mais que aversão política, a campanha "Lula, vá se tratar no SUS" revelou que séculos de civilidade não resistem às dinamites grosseiras das redes sociais.<br /><div>A tecnologia criada para aproximar pessoas dos rincões mais afastados do planeta serve também para implodir a "educação que mamãe nos ensinou". Alguém, num blog ou artigo opinativo, apontou o anonimato como estímulo para que as pessoas manifestem tão abertamente sua deselegância. Não sei se concordo. Conheço alguns dos que ajudaram a espalhar essa campanha pelo facebook e pelo twitter, seus posts vêm assinados, muitos trazem a foto da própria pessoa. Pudor é o novo mico-leão dourado da língua, ameaçado de desuso. Não existe mais vergonha de expor opiniões e sentimentos que, antes, mal eram sussurrados no ouvido do analista. E, quando eram, faziam o paciente sair do consultório de olhos inchados de tanto chorar. </div><div><br /></div><div>Hoje, não. Assim como o gosto pelo popularesco não é mais apanágio das "empregadinhas" - notem as aspas, por favor, elas têm uma função crítica -, também a brutalidade e a indelicadeza não são mais atributos de gente tosca. Pelo contrário. Quanto mais bem formado o sujeito, quanto mais bem situado na pirâmide social, mais ele se julga portador de um passe que dá livre acesso à grosseria generalizada. <b>É claro</b> que nem todo rico é mal educado, nem todo pobre é um anjo caído do céu. A pirâmide social do meu comentário é aquela que cada criatura constroi para si próprio.</div><div><br /></div></div><div>Colonização, escravagismo e outros desvios históricos criaram em nosso DNA coletivo a ideia de que bom mesmo é ser da elite, não precisar trabalhar muito (ou nada) e, sempre que possível, exibir à patuleia desabençoada os sinais de nosso privilégio. "Público", aqui, é sinônimo de "coisa de pobre, de qualquer um". Pior: é sinônimo de "de ninguém". Não zelamos nem pela área comum de nossos prédios, que dirá do transporte ou da escola pública, do qual - graças a Deus - tiramos nossos filhos. Achar que Lula, ao entrar na hipotética fila do SUS, melhoraria o sistema é mascarar hipocritamente a vontade de que ele morra com a senha na mão. Dane-se se o sistema vai melhorar ou não ("eu tenho meu plano de saúde, meia boca, mas meu"), o importante é que ele pague por "tudo o que não fez" pela saúde do Brasil.</div><div><br /></div><div>Em princípio, eu concordo plenamente com a teoria de que políticos brasileiros deveriam usar os hospitais públicos, o transporte público e o ensino público. Na verdade, eu sou radical e vou mais longe. Acho que todos nós - todos: eu, você, sua vizinha, seu padrasto, seu irmão adotivo, seu ficante - todos nós devíamos usar os serviços públicos pelos quais pagamos altos impostos. O verdadeiro desaforo não é Lula - ex-presidente, que cobra 200 mil dinheiros por palestra, tendo recursos pra pagar um bom plano de saúde que inclua o Sirio-Libanês -, repito, o desaforo não é Lula tratar-se em hospital de elite. </div><div><br /></div><div>O desaforo é nós não podermos usar os serviços pelos quais pagamos: eu queria chegar no HC e encontrar rapidamente um ortopedista que desse um jeito na minha dor nas costas; eu queria fazer um bom curso bancado pelo Estado ou ir e voltar dos compromissos usando metrô e ônibus confortáveis. Queria voltar do cinema à noite caminhando sem medo por ruas policiadas e até estacionar meu carro na rua sem medo de não encontrá-lo na volta, já que haveria segurança garantida.</div><div><br /></div><div>Enquanto apertamos o orçamento pra pagar plano de saúde, colégio particular e estacionamento extorsivo, exigimos que Lula use o serviço público que nós evitamos a todo custo. "Ele precisa dar o exemplo", me escreveu uma garota bastante raivosa. E eu perguntei: "exemplo do quê?" De abnegação cristã? Se assim o fizesse, não faltaria quem o acusasse de populismo e até o atacasse por ter furado a fila - maiores de 65 anos podem fazer isso, está na lei. O fundamental é que ele, o iletrado que virou presidente, voltasse a sentir o gosto de um mau atendimento. </div><div><br /></div><div>Atire a primeira pedra aquele que, tendo nas mãos o diagnóstico de uma doença grave (em si ou em alguém que ame), não faria de tudo pra conseguir o melhor tratamento. Venderia a casa, o carro, abriria mão de vários confortos. Recusar esse direito a qualquer pessoa - de Lula a Sarney, de Zezé de Camargo a Reynaldo Giannechini -, em nome de uma causa partidária ou algo que o desvalha, está abaixo das normas mínimas de civilidade, até para um usuário de facebook.</div><div><br /></div><div><br /></div><div><br /></div><div> </div>Mário Vianahttp://www.blogger.com/profile/10351988276287779623noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-7398137140753176998.post-40414887926758556942011-10-27T13:04:00.003-02:002011-10-27T14:06:35.271-02:00Aética Aplicada<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiAXJUDB9fWo5rqE2ah9-X4jconRwMAyygtarp6Z9sgzFNN5e8380XQFY2PG47-5_U27rXaFtBYYUa5AkTtsMjh8roQCj8lcUfrZ5LNX7BQGtVFFNdtof31nHplEJPHrwcOPZ1FI7EnC1Qd/s1600/images-7.jpeg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 288px; height: 175px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiAXJUDB9fWo5rqE2ah9-X4jconRwMAyygtarp6Z9sgzFNN5e8380XQFY2PG47-5_U27rXaFtBYYUa5AkTtsMjh8roQCj8lcUfrZ5LNX7BQGtVFFNdtof31nHplEJPHrwcOPZ1FI7EnC1Qd/s400/images-7.jpeg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5668202835459232018" /></a><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Ninguém sabe com certeza se foi Charles ou William Lynch quem oficializou, ainda no século 18, o assassinato de uma pessoa, cometido por uma multidão, sem prévio julgamento ou prova de culpa. O certo é que a prática do linchamento tornou-se corriqueira e ganhou, mesmo, entre nós, uma subcategoria, a do linchamento moral. No Brasil, em especial, parece que linchar é um esporte tão fácil de praticar quanto jogar peteca ou chutar bola. Com o auxílio tecnológico das redes sociais, então, ficou ainda mais fácil participar de qualquer campanha linchatória sem sequer sujar as mãos. E é tudo muito rápido, veloz, um zás-trás: anteontem era o Rafinha Bastos, ontem foi o Orlando Silva e amanhã... talvez o ministro da Educação, por conta das sucessivas besteiras em torno das provas do Enem. É bom preparar as pedras - virtuais ou não.<div> O esforço gasto no linchamento alheio talvez seja o motivo de as pessoas não prestarem atenção nos detalhes sórdidos das histórias. Vamos pegar o caso do Orlando Silva como exemplo. Não acredito que o ex-ministro dos Esportes seja o anjo de candura e inocência que ele, seus correligionários e uma ala mais à esquerda da política querem mostrar. Também não acredito que ele devesse ser crucificado tão logo apareceu a primeira denúncia, como queriam os centro-direitistas espalhados pela política e pela imprensa. Há que se apurar antes de se dar qualquer sentença - pelo menos é isso o que eu espero que façam comigo, no hipotético caso de ser acusado de alguma coisa. </div><div> Não basta ser inocente, é preciso parecer inocente aos olhos da opinião pública. Mas vivemos numa situação em que, por princípio, todos parecem culpados de alguma coisa. Com isso, o bate-boca entre situação e oposição, normalmente já subnivelado, atinge o inimaginável. Deveria ser prática corrente o sujeito colocado sob suspeita pedir o chapéu e - temporariamente - sair do cargo que ocupa. Daria à investigação, ao menos, a aparência de que algo seria feito. Constatada a inocência, o sujeito voltaria pra sua salinha, sua secretária, seus despachos. Assim como outros ministros apanhados em algum tropeço, Orlando Silva não fez isso e, claro, submeteu o governo inteiro a uma frigideira quentíssima.</div><div> O mais impressionante no caso do Orlando - podemos tratar na intimidade, há 15 dias só se fala no homem, ele ja é de casa - é que, se levadas a sério, as denúncias deveriam derrubar tudo quanto é ONG, instituição beneficente, sociedade amigos de bairro, salão paroquial, o diabo a quatro. O desfile de organismos que levaram grana - e grana preta - do governo pra atender crianças que não existiam é de ofuscar concurso de miss. Os valores, sempre milhares de dólares, parecem saídos de um livro do Sidney Sheldon ou outro best-seller desvairado: não pode ser coisa de vida real lidar com 3 milhões aqui, 5 milhões ali, como se estivéssemos falando do troco pra comprar um chiclete.</div><div> Enquanto isso, no lado dos que gostam de arrotar moralidade em cima do outro partido, uma série de "denúncias" ameaça fechar um shopping construído em cima de um lixão, porque aquilo tudo poderia ir pelos ares. Quando alguém lembrou que havia um conjunto residencial popular - uma ex-favela devidamente encaixotada em alvenaria - logo também se chegou a um acordo e surgiram providências que deveriam ter sido tomadas há anos (e não o foram por dificuldades técnicas intransponíveis). Ficou tão evidente que rolou um "cala a boca" entre as devidas partes envolvidas que a gente até perde a noção do certo e do errado. O que antes era tratado com certo pudor, agora é praticamente escancarado. Perdeu-se o pudor de <i>parecer</i> desonesto.</div><div> Essa constante aula prática de Aética é o que tem guiado jornais, seja da mais raivosa direita, seja da mais energizada esquerda. Não há, até o momento, nenhum sinal de que princípios de moralidade e decência no trato da coisa pública sobrevivam em algum rincão de nosso território. Isso é muito triste, porque desobriga qualquer pessoa a cumprir uma lei que seja. Se a direita sempre fez o que bem quis e a esquerda, quando sobe, demonstra ter aprendido direitinho o que não presta... não sei bem o que devemos esperar desses seres que nos governam. Nem mesmo de nós, os governados. Fico perdido, entre o susto e o desânimo.</div><div><br /></div><div><div><br /></div></div>Mário Vianahttp://www.blogger.com/profile/10351988276287779623noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7398137140753176998.post-53223537508634228902011-10-13T18:10:00.003-03:002011-10-13T19:02:44.468-03:00Alô, alô... responde...<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhLKrBG7UyWYG-_WwRMOaDL7PcGYnd4zwPbzEv-AwKtoxgWhWO9TiPpvZqWpEdCHPoa3lNeVCqTzhUFudQMT1CHBcdRDrkL3xjrAbvC4IhF8wGvDfpknED3TnDJo3VWFoxoMKJYVs9-C0aY/s1600/images-5.jpeg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 275px; height: 183px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhLKrBG7UyWYG-_WwRMOaDL7PcGYnd4zwPbzEv-AwKtoxgWhWO9TiPpvZqWpEdCHPoa3lNeVCqTzhUFudQMT1CHBcdRDrkL3xjrAbvC4IhF8wGvDfpknED3TnDJo3VWFoxoMKJYVs9-C0aY/s400/images-5.jpeg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5663097333956789634" /></a><br />Quantas palavras existem no mundo, não faço a menor ideia. Só sei que todas elas, juntas, não estão dando conta do recado. Nunca se falou tanto, nunca se escreveu tanto, nunca se comunicou tanto para tantos - e, contraditoriamente, nunca nos entendemos tão pouco. Nos e-mails, nas redes sociais, nos livros, jornais, blogs, revistas, nunca tantas palavras foram atiradas a esmo. Emitimos sinais, contamos façanhas, lançamos apelos - para quem? Antes, quando escrevíamos uma carta, colocávamos o destinatário no envelope e dávamos um rumo definido à mensagem. Trocamos o destinatário por "amigos" e "seguidores", subtraímos rosto e digital - mas perdemos em retorno. Com quem falamos? Quem tenta, em algum ponto do planeta, falar conosco? Consegue?<div><div>A "descomunicação" é o tema que une três filmes argentinos. Não deve ser coincidência que um dos povos mais falastrões do mundo tenha levado ao cinema essa preocupação - a comunicação com o outro está interrompida, fora de área, sem sinal. Estamos sós. Solitos, dizem os argentinos em filmes como "Um conto chinês", "Medianeras" e "O dia em que não nasci". É bom prestarmos atenção nisso.</div><div>Embora aparente ser o mais óbvio, "Um conto chinês" é o mais universal dos três filmes. Na fábula do irritadiço comerciante portenho (vivido com especial brilho por Ricardo Darín, o Mastroianni da nossa época) e de seu hóspede chinês (Ignacio Huang), que desembarca na Argentina sem saber nem um "hola que tal" básico, está muito da nossa vida atual. O desconforto com o desconhecido, o medo da solidão - e o pavor de aprender a conviver, tudo isso está no filme de Sebastian Borenztein. Os dois protagonistas não trocam uma só palavra diretamente. Nada de nada. Ali, não há lugar para google translator, nem para aqueles antigos dicionários de frases básicas para viajantes. Eles nunca se falam, mas acabam se entendendo. Une-os a solidão e esse é um dado fundamental para entender os três filmes e a nossa vida.</div><div>O segundo filme é uma co-produção Alemanha-Argentina, que toca numa ferida sensível - o destino dos filhos dos mortos pelo regime militar que dominou nosso vizinho nos anos 70/80. Se "A História Oficial" (1985) falava de uma mulher (Norma Aleandro, estupenda) que saía do casulo protetor da classe média ao descobrir ter adotado filhos de perseguidos políticos, o filme "O dia em que não nasci" conta a história de uma dessas crianças. Uma nadadora alemã, ao fazer escala de voo em Buenos Aires, lembra-se de uma canção de ninar cantada em espanhol, uma língua que ela nunca falou. É o mote para descobrir ser filha de um casal morto pela ditadura - e outras descobertas terríveis virão. O filme cresce, imensamente, quando entra em cena a tia argentina da moça - vivida por Beatriz Spelzini, uma atriz fantástica. A mulher está feliz por reencontrar a sobrinha que julgava perdida, mas não esquece que é preciso justiça para quem tirou a menina da família. O embate entre a alemãzinha e seus tios argentinos se dá por mímica ou por um vocabulário de inglês mequetrefe. Um não fala a língua do outro, mas ambos buscam desesperadamente um ponto em comum e, quando o encontram, descobrem que isso pode ser um problemaço. </div><div>O terceiro filme está fazendo mais sucesso, pois tem visual moderninho e soluções criativas para várias cenas. Infelizmente, é o de roteiro mais frouxo, esquemático. "Medianeras" seduz pelo que indica, não pelo que mostra. Espécie de "Nunca te vi, sempre te amei" da geração Apple, o filme tem um casal protagonista fofo - ela, a espanhola Pilar Lopez de Ayala é linda toda vida, e ele, Javier Drolas, tem charme - e usa & abusa de todos os ícones de nossa pretensa modernidade: internet, chat, computador da Apple, auto-depreciação bem humorada, onde está Wally, sexo sem paixão e delivery de comida chinesa. Saímos do cinema com o ar satisfeito de quem se viu na tela, em pelo menos um dos momentos, e nem nos damos conta que o roteiro é um curta espichado sem burilamento: faltou desenvolver melhor a personagem feminina, suas cenas de "solidão" são basiquinhas e repetitivas. Talvez por ser homem, o diretor caprichou mais nos percalços masculinos. E mesmo assim não explica como o rapaz de roupas sempre discretas tira do armário o moleton que usa na última cena. OK, fica uma gracinha, a gente suspira ("viu só? o segredo é não desistir de procurar"), mas não faz sentido. </div><div>O filme de Gustavo Taretto, no entanto, é eficiente ao mostrar que a solidão dos personagens é gritante e seus desencontros são a marca de nosso tempo. Estamos todos assim, vários mundos desconexos em estreitíssima convivência e sem tradução simultânea. O bom é que o cinema mostra que isso ainda nos incomoda. Só por isso, já dá pra ter esperanças.</div></div><div><br /></div>Mário Vianahttp://www.blogger.com/profile/10351988276287779623noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7398137140753176998.post-21225041497596480062011-10-04T18:09:00.003-03:002011-10-04T19:28:31.915-03:00Rafinha: basta.<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgCAdlYw9G0hnvGQRqracumF7muov9ztZThOUZGzsMuNqM3_T2BAx4CLxNs0CXukR20lQh4gh21PISHCPRfY1dHnNOvrzK6Tr2UwpRF0g9PcDpX8bephYwumyid6VwEJTtHUBL46-bDauf0/s1600/images-3.jpeg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img style="float:right; margin:0 0 10px 10px;cursor:pointer; cursor:hand;width: 273px; height: 184px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgCAdlYw9G0hnvGQRqracumF7muov9ztZThOUZGzsMuNqM3_T2BAx4CLxNs0CXukR20lQh4gh21PISHCPRfY1dHnNOvrzK6Tr2UwpRF0g9PcDpX8bephYwumyid6VwEJTtHUBL46-bDauf0/s400/images-3.jpeg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5659764914233546162" /></a><br />O imaginário cultural brasileiro vive num clima de eterno Fla-Flu: você é marlene ou emilinha, chico ou caetano, elis ou gal, machado ou zé de alencar, legião ou barão. É como se no verde-amarelo das cores pátrias não houvesse lugar para o cinza ou, vá lá, um verde mais claro. Somos xiitas disfarçados em pele de cucas frescas. Nesse eterno sábado de aleluia tropical, o judas da temporada atende pelo nome de Rafinha Bastos. O irônico é que - mantendo a metáfora das festas católicas - o mesmo Rafinha passou o Natal sob melhores luzes: não era o cristinho da manjedoura, mas um dos reis magos, com certeza. Os ventos sopraram em outra direção, Rafinha Bastos não se tocou e agora se tornou a celebridade que todo mundo quer achincalhar. E só por escrever isto é bem capaz de alguém interromper a leitura e já me chamar de "adorador" do Rafinha. Dá um tempo. Continua a ler, no final a gente conversa.<div><br /></div><div>Não vejo graça em Rafinha Bastos. O programa que ele faz - ou fazia -, o CQC, assisti, se muito, duas vezes. Do stand up do rapaz só vi alguma coisa porque, quando lançaram o DVD, eu estava na Fnac e uma TV exibia aquilo ininterruptamente, sempre assistido por um grupo interessado. Confesso que, pra comediógrafo, eu sou bem azedo quando assisto humor. E o humor que Rafinha e seus colegas fazem realmente não me atrai. Diante disso, tomei a atitude básica - não assisto. Não sei vocês, mas o aparelho de TV que comprei veio com um controle remoto sensacional. A modem da TV a cabo também tem um controle remoto e o DVD player, idem. Ou seja, são três oportunidades que a tecnologia me dá para não assistir coisas que não quero. E nem estou listando livros ou conversas com amigos...</div><div><br /></div><div>Em resumo: contrariando algum instituto ligado ao Twitter, Rafinha Bastos nunca teria a menor influência em minha pacata vidinha, caso eu não fosse bombardeado com notícias sobre ele a cada piada boba, frase deselegante ou campanha publicitária estrelada pelo rapaz. Graças a isso, fiquei sabendo, entre outras coisas, que ele chamou de "feia" toda mulher que reclama de estupro... e que comeria Wanessa Camargo e o bebê que a cantora espera. Realmente, hors concours em qualquer concurso de frases de borracharia.</div><div><br /></div><div>Não conheço Rafinha Bastos pessoalmente, nem a turma (ou ex turma) dele. Não posso dizer que são isso ou aquilo. De repente, o cara é até legal em churrasco de domingo, sei lá. Mas, pelos exemplos que pipocam em redes sociais e noticiários, dou a ele o mesmo nível de atenção que dedico a participante de reality show: zero. Ele lá e eu aqui. O mundo gira, a lusitana roda e nenhum dos dois lados perdeu o sono por conta disso. Mas a coisa começou a incomodar - e tudo por causa do tal do Rafinha Bastos, que eu nem sabia que era gaúcho (soube porque li na Vejinha).</div><div><br /></div><div>O cara que sempre fez piada escrota e que era "irreverente", de repente virou "persona non grata". As feministas já tinham reclamado dele na ocasião da piada do estupro ("piada do estupro" é horrível, eu sei) e ganharam munição quando ele atacou uma mulher grávida e seu bebê ainda em gestação. Pior, uma gestante que, pelo jeito, o Brasil inteiro ama de paixão avassaladora. Lamento informar a moçada, mas tenho cá comigo que o politicamente correto teve peso mínimo nessa pendenga. O grande pecado do Rafinha Bastos foi mexer com o economicamente correto.</div><div><br /></div><div>O marido da cantora e seu sócio famoso, Ronaldo Fenômeno, partiram pro ataque com a rapidez e a agilidade que todo corintiano, em vão, um dia quis do jogador. Foi um ataque agressivo, violento, bola alta, altíssima: eles teriam ameaçado convocar todos os anunciantes do programa da Band para um boicote. É dinheiro até dizer chega: o CQC deve ser a atração mais rentável da emissora. Mexer com grávidas e feias, poxa, Rafinha, isso não se faz, dá aqui a orelha pra um puxãozinho. Mas mexer com anunciante, opa! </div><div><br /></div><div>Tal como vários políticos se habituaram a fazer nos anos de ditadura - hábito que alguns ainda mantêm em tempos democráticos - , o ex-jogador e seu sócio pediram aos donos da emissora a cabeça do humorista numa bandeja de prata. Verdade seja dita: nos tempos da ditadura, os políticos pelo menos fingiam não haver pedido nada aos donos dos jornais e TVs. As duas salomés barbadas parecem não ter se envergonhado disso, não. Deram à baixaria do humorista uma resposta igualmente baixa, só que apoiada em dinheiro. Mas até dá pra dizer que era caso de vingança pessoal.</div><div><br /></div><div>Por trás desse troca-troca de baixarias e falta de ética, me assusta mais ver que, pouco a pouco, as pessoas perdem o pudor de querer a volta da censura. De qualquer censura. Ainda outro dia, comentei sobre comerciais que considero assustadoramente conservadores em seu conteúdo: o da Gisele Bundchen, de calcinha, dizendo que bateu o carro do marido, e o do pai bonitão dizendo que deveria ter vergonha do filho que não pega onda, nem toca guitarra, nem pegou mulher ainda. Uns concordaram, outros discordaram disso e daquilo, mas uma ou duas pessoas - que considero inteligentes, sagazes, etc - defenderam a retirada dos comerciais do ar. Tirar do ar por conta de um erro histórico grosseiro (o Machado de Assis quase loiro da CEF) ou por propagar conceito criminoso é uma coisa. Cortar porque a ideologia do anúncio contraria esse ou aquele interesse é outra coisa: é censura.</div><div><br /></div><div>Não é a primeira nem, infelizmente, será a última vez que ouviremos a defesa desse tipo de corte. Também não será a primeira e, felizmente, nem a última vez que vou brigar contra a censura. Desde que, nos anos 80, o brilhante economista Celso Furtado defendeu a censura do filme "Je vous salue, Marie", do Godard, nunca mais li nada dele. Não dá pra acreditar num pensador que defende o sufocamento de uma ideia diferente da sua. Também não dá pra acreditar numa sociedade que, na defesa de um alegado bom gosto, comemore a caça ao humorista por meios contra os quais ele não tem defesa. </div><div><br /></div><div>Insisto em reafirmar: não gosto das piadas que Rafinha e seus pares fazem. Mas não me recordo de ter sido obrigado a entrar no Comedians, na Rua Augusta, ou a sintonizar minha TV na Bandeirantes toda segunda-feira. Só haveria sentido em se pedir a cassação de um programa se fôssemos obrigados a vê-lo. Enquanto for opcional, por favor, me livrem de saber das bobagens que esses senhores cometem. E tratem de zelar pelo respeito à opinião alheia, porque conformar-se com a censura ao outro é o primeiro passo de quem será obrigado, mais dia menos dia, a engolir a censura à sua própria opinião - especialmente se quem não gostar da sua opinião for alguém muito mais rico ou muito mais poderoso que você. Se liga.</div><div><br /></div>Mário Vianahttp://www.blogger.com/profile/10351988276287779623noreply@blogger.com33tag:blogger.com,1999:blog-7398137140753176998.post-15619396486559405412011-09-23T12:45:00.004-03:002011-09-23T14:03:10.428-03:00Sem Olívia nem Stabler<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhxske9FzfrZqSnf8c6jXgnGXLML3Dhb02c_CGMYlHW1QWRFCx7NP9FDe4p-YcM1ok-Wvgl3vKKWwgFb8vfTRoxipe9evKlM5291HuisGo2Yqxzay6_kwPKJK5CbaBnfDNmhe4pAO1xcHHe/s1600/images-1.jpeg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 268px; height: 188px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhxske9FzfrZqSnf8c6jXgnGXLML3Dhb02c_CGMYlHW1QWRFCx7NP9FDe4p-YcM1ok-Wvgl3vKKWwgFb8vfTRoxipe9evKlM5291HuisGo2Yqxzay6_kwPKJK5CbaBnfDNmhe4pAO1xcHHe/s400/images-1.jpeg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5655593622684261202" /></a><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Narrada em poucas linhas, a notícia parecia mais a sinopse de um episódio de "Law & Order: Special Victims Unit". No meio da aula, um garoto de 10 anos se levanta, aponta um revólver para a professora e atira. Em seguida, volta a arma para a própria cabeça e se mata. Infelizmente, a história é real, aconteceu em São Caetano do Sul, na região metropolitana de São Paulo, e está fora da jurisdição de Olivia Benson e Eliott Stabler, os carismáticos detetives da série de TV. Nos jornais do dia seguinte, repórteres e especialistas tentam, mas não conseguem explicar o que houve naquela escola.<div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Cenas de suicídio são traumáticas para quem assiste e para quem sobrevive. Cenas de crianças armadas apavoram. A ideia de uma criança de 10 anos tirando a própria vida com um tiro ultrapassa qualquer noção de tragédia. É inconcebível. Mas aconteceu. O que teria levado o menino de 10 anos - miúdo, segundo relatam colegas de escola - a se matar? Uma depressão não diagnosticada pelos médicos da saúde pública, pelos professores, pelos pais? Ou a vaga ideia de que aquilo era apenas uma brincadeira e que, passado o susto, ele voltaria à ação, como personagem de um videogame? Se houver vida depois do último suspiro, o menino deve estar espantado, como quem quebrou definitivamente o carrinho preferido.</div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>O que deu errado na curta vida desse menino? Ele e o irmão mais velho estudavam na melhor escola pública da cidade, considerada ótima pelos padrões do Enem ("é difícil arrumar vaga", diz uma aluna ao jornal), tinham casa e família estruturada. O pai, guarda municipal, não parece do tipo ausente: assim que notou a falta da arma em casa, correu até a escola e falou com os dois filhos. Ambos negaram ter pego o revólver calibre 38 e o pai, agora, se castiga por não ter revistado a mochila dos meninos. Ele confiou na palavra dos filhos, o que - a princípio - é sinal de uma relação saudável. O caçula era bom aluno, quieto e, até agora, só o namorado da professora ferida é quem teria apontado algum desvio de conduta do moleque. Salvo esse depoimento, a vida do menino parecia um comercial de margarina.</div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Mas havia uma arma no cenário e isso muda muito a luz dos fatos. Era uma arma legalizada, com o registro em dia, instrumento de trabalho do pai - embora fosse um revólver comprado em caráter particular, não era da corporação. Numa hora dessas, inevitável pensar que a falha trágica começou no instante em que o pai decidiu comprar o revólver. Por que ter uma arma em casa? É o que ele mesmo deve se perguntar a todo instante, enquanto vela o corpo do filho, sem necessidade do nosso dedo acusador tocando a ferida aberta. A ideia talvez fosse proteger a casa e foi através dela que a tragédia se instalou.</div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>O comercial de margarina começou a ruir aí. Armas podem fascinar crianças que estejam habituadas aos games e filmes, nos quais destruição e morte são apenas cenas, invenção, mentirinha. Armas de fogo contradizem qualquer desejo de harmonia, paz ou entendimento, pela simples razão de serem, elas mesmas, instrumentos de coerção, de ameaça, de imposição da vontade - mando eu, que detenho a posse do revólver.</div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>O menino de 10 anos, dizem os especialistas em dar diagnósticos a distância, já teria noção de certo e errado. E, por isso mesmo, teria se matado, com medo da punição pelo crime que cometera atirando na professora. É curioso perceber que, ao contrário do que fazem os meninos quando roubam a arma do pai, este não quis se exibir perante os colegas. Ele tinha um objetivo, atacar a professora, símbolo de superioridade na hierarquia da sua vida.</div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Ao ler o noticiário sobre o caso, lembrei-me de Roberto Peukert Valente que, em 1985, aos 18 anos, matou pai, mãe e três irmãos, depois de levar uma bronca materna por ouvir som muito alto. No velório da família, eu - repórter da Folha - tinha a tarefa de montar um perfil do asssassino através dos depoimentos de vizinhos, parentes e amigos. Quando voltei para a redação, a editora Renata Rangel e o diretor Boris Casoy me chamaram pra dar um resumo da ópera: quem era o criminoso? Eu, assustado, dizia: "Era um cara normal. Foi o que mais escutei hoje no cemitério. Ele era um rapaz normal". O único ponto diferente dos outros normais era que Roberto nunca havia desobedecido os pais, nem elevado a voz, nem mesmo batido a porta do quarto. Era "normal", o que já o excluía do comportamento geral dos adolescentes. Roberto explodiu uma única vez - e, depois, confessaria o crime, comendo uma pizza na delegacia.</div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span></div><div>Pode ser que uma história não tenha nada a ver com a outra e seja tudo viagem da minha cabeça. Mas o mundo de propaganda de cartão de crédito em que, lemos hoje, vivia o menino de São Caetano não combina com o que aconteceu dentro da escola. Ninguém usa revólver em comercial de margarina.</div><div><br /></div>Mário Vianahttp://www.blogger.com/profile/10351988276287779623noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-7398137140753176998.post-90025291506658025392011-09-16T18:06:00.003-03:002011-09-16T19:03:29.865-03:00Parceiros, ainda e sempre<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjIg5DpOZdUDmtFZBUfO_0znXXdRIJtfVk0seY0XrXVyue7j9eddsG77dwtUT-p-oorkTPjuCwrY67XJXVhQDCg6lPR6z2aoLItqdeXoCv0igDSR5D8GGNCvKFY_4G8N7WQ4vyns4EJjDCE/s1600/Pantagruel.jpg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img style="float:right; margin:0 0 10px 10px;cursor:pointer; cursor:hand;width: 267px; height: 400px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjIg5DpOZdUDmtFZBUfO_0znXXdRIJtfVk0seY0XrXVyue7j9eddsG77dwtUT-p-oorkTPjuCwrY67XJXVhQDCg6lPR6z2aoLItqdeXoCv0igDSR5D8GGNCvKFY_4G8N7WQ4vyns4EJjDCE/s400/Pantagruel.jpg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5653072070490965186" /></a><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Coloquei o ponto final na primeira versão de "Pantagruel" no dia 10 de setembro de 2001. No dia seguinte, extremistas a mando de Bin Laden jogaram dois aviões contra o World Trade Center, em Nova York. Obviamente, um fato não tem relação nenhuma com o outro, mas a gente encontra meios muito particulares de marcar acontecimentos importantes em nossas biografias. Para mim, o 11 de setembro é e será sempre o dia seguinte ao fim da primeira etapa de um trabalho que mudou a minha vida: terceira parceria minha com os Parlapatões, "Pantagruel" me estimulou a pedir 4 meses de licença não-remunerada do Estadão e, por sua vez, estimulou o Estadão a me colocar na lista de demitidos quando houve um corte brutal na redação. <div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Meu retorno ao jornal, em dezembro de 2001, durou 15 minutos. Já demitido, antes mesmo de pegar o carro no estacionamento pra deixar o prédio na Marginal do Tietê, decidi que ia me dedicar de vez à dramaturgia. Na bagagem, tinha uma comédia estrelada por Rosi Campos, "Ifigônia", e três peças com um grupo que, naquele 2001, comemorava dez anos de existência - os Parlapas. Esta semana, em que o grupo de palhaços festejou 20 anos de vida, serviu também para eu colocar a minha trajetória em perspectiva. Não foi nada radical, nem depressivo, foi só a constatação de que, ao cruzar caminho com os parlapatões, eu encontrei um novo rumo. Não igual ao deles, mas o meu - meio paralelo, meio avesso, meio cruzando-se de novo (como no divertido espetáculo itinerante "O Pior de São Paulo").</div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Só sei que, na minha carreira, os Parlapatões foram muito importantes - são até hoje e serão por muito mais, assim espero -, mas creio que eu também tenho lá minha funçãozinha no meio desses 20 anos de palhaçadas. No mínimo, como segundo autor mais montado do grupo, abaixo apenas do diretor-ator-autor Hugo Possolo. Se alguém me perguntar o que um grupo de palhaços tem a ensinar a um autor que achava não ter mão pra comédia, eu diria rapidamente: me ensinaram a ser sério. Sem piada. </div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Fazer rir, aprendi com eles, é de um rigor, de uma precisão e de um respeito absurdos. Fazer rir não é levar tudo na flauta - tente chegar 5 minutos atrasado pra reunião ou pro ensaio e você saberá que rapadura é doce, mas não é mole, não. Ah, mas eu aprendi também a encontrar o tempo da piada, a frase certa pra dar ritmo à cena, a noção de tempo e espaço que o humor (e o teatro, como um todo) exige. Aprendi a trabalhar com gente que se dedica integralmente ao trabalho e que respeita radicalmente seus parceiros de jornada. Ética faz parte da receita.</div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>O melhor de tudo foi o que surgiu a partir dos trabalhos - a relação de amizade profunda com Hugo, Raul, Napão, Claudinei, Cris, Marcinha... E a total independência de poderes, a relação aberta que nos permite trabalhar com meio mundo e, de repente, voltar um pros braços do outro. Quando o Hugo me liga e chama de "Marião" é a senha pra uma nova fria - ou trabalho, o que, com eles, é sempre meio sinônimo. "Vamos fazer uma peça sem roteiro dentro de um ônibus e... ah, sem ensaio". Resposta: "Tá". E dá certo!</div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Bom também é não precisar idolatrar tudo o que o outro faz. Nem tudo o que eles fizeram nesses últimos 10 anos foram do meu agrado e nem todo trabalho meu foi assim uma coqueluche entre os parlapas. Mas quando agrada, ah, é uma alegria danada. Domingo, ao assistir "Ridículos ainda e sempre", um texto russo que parece ter sido escrito para os Parlapatões (como bem previu o diretor Antonio Abujamra, que mostrou a peça pro grupo)... durante a apresentação, enfim, eu me senti muito feliz por ver os meus camaradas mandando uma brasa danada no palco. Raul e Hugo, ao lado de Jaqueline Obrigon, Abhyanna e o pop star Helio Pottes, apossam-se do texto de Daniil Kharms e, entre uma risada e outra, atingem níveis incríveis de poesia. Saí do teatro feliz da vida, como se fosse uma boa estreia minha. Se isso não é parceria, olha... não sei mais o que é.</div><div><br /></div><div><br /></div><div><br /></div><div><br /></div><div><br /><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span> </div></div>Mário Vianahttp://www.blogger.com/profile/10351988276287779623noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-7398137140753176998.post-32416854385653365762011-09-07T09:26:00.003-03:002011-09-07T10:27:05.439-03:00Um chicabon metafórico<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgfoC1TCi8MeskOvpFj_d0JeGhvsVHrQehxgV0KQOBiDHsZGfDpCm_GB0VlIXkT5_ZkzW59fX8xFysDMEN_dl6VpqJa1PH7leUoD3plUowyCjWcGp2QeHO-S4Slc9Xr7A4WIrjq_L3gk2cv/s1600/Totatiando+8+-+Foto+Jo%25C3%25A3o+Caldas.jpg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 266px; height: 400px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgfoC1TCi8MeskOvpFj_d0JeGhvsVHrQehxgV0KQOBiDHsZGfDpCm_GB0VlIXkT5_ZkzW59fX8xFysDMEN_dl6VpqJa1PH7leUoD3plUowyCjWcGp2QeHO-S4Slc9Xr7A4WIrjq_L3gk2cv/s400/Totatiando+8+-+Foto+Jo%25C3%25A3o+Caldas.jpg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5649605896713746914" /></a><br /><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>A página da Wikipedia informa que a cantora Zélia Duncan completou os 42 km de sua primeira maratona em 5 horas, 10 minutos e 34 segundos, no dia 10 de outubro de 2010. A enciclopédia virtual ainda não comunica aos leitores que no dia 3 de setembro passado, a cantora de Niteroi comemorou 30 anos de carreira fazendo em cerca de 60 minutos uma estreia impecável: "Totatiando", o espetáculo que Zélia não quer chamar de show, é sedutor da primeira à última sílaba. Se, no começo, as pessoas estranham a cantora espremida num terninho escuro... Se, ao contrário dos shows normais, há poucos aplausos entre uma música e outra... Se a encenação bem conduzida pela atriz Regina Braga segue uma partitura detalhada... Tudo isso converge para um final que poderia ser chamado de apoteótico, caso o adjetivo não estivesse tão desgastado. É um final energizante, pronto. <div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Cantora e diretora explicam que "Totatiando" é uma peça porque tem roteiro e personagem definido - o narrador seria o próprio compositor paulistano Luiz Tatit, autor de quase tudo o que Zélia fala em cena. A exceção é o poema em que Mário de Andrade espalha o próprio corpo despedaçado em vários pontos da cidade. É um dos melhores momentos do... ah, do show, pronto. Outro grande momento? A interpretação de "Dodoi", parceria de Tatit e Itamar Assumpção. Outro? "Felicidade". Outro? Melhor ir ver o show, a peça, o que for. Melhor correr para o Sesc Belenzinho e garantir seu ingresso, "Totatiando" fica em cartaz até 18 de setembro. </div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Entende-se a hesitação da equipe em definir "Totatiando". Ousar, às vezes, exige um novo vocabulário. Mas no caso do espetáculo, Zélia pode contar alguns precedentes desde que, em 1976, Elis Regina aliou-se à diretora Myriam Muniz para implodir o esquema banquinho-violão-conjunto ao fundo-microfone. Em "Falso Brilhante", tudo estava a serviço de uma 'história', a da própria Elis. Cenários e figurinos (de Naum Alves de Souza), luz, músicos, músicas, voz, tudo estava encadeado. Não foi à toa que ficou quase dois anos em cartaz lotando um teatro de 1.200 lugares.</div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Escoltada sempre por bons diretores de teatro, Maria Bethânia faz shows - sim, shows - com intenções bem definidas. Desde os popurris dirigidos por Fauzi Arap nos anos 70 ( "Drama Terceiro Ato", "A Cena Muda"), sinais de um país e uma cultura retalhada pela ditadura militar, até os mais recentes, conduzidos por Bia Lessa, cujos barroquismos casam-se bem com a alma despudorada de Bethânia - e quem assistiu "Brasileirinho" pode ver isso: o show tinha uma linha de pensamento, havia coerência de uma canção a outra, de um poema a outro. Como escreveu Evaldo Mocarzel no Caderno 2, "havia dramaturrrgia". </div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>"Totatiando" merece aplausos entusiasmados por vários motivos: primeiro, porque realmente é bom, é bonito (o cenário, a luz, os dois músicos, excelentes). Depois, porque oferece ao distinto público a chance de conhecer melhor a obra de Luiz Tatit, mais ligado ao Grupo Rumo e à cantora Na Ozetti. Finalmente, por dar a esse mesmo público a oportunidade de sair da mesmice. Zélia poderia comemorar três décadas de cantoria enfileirando no palco sucessos e preferências. Optou por fazer algo diferente, radicalmente diferente: no show não há espaço para alguém gritar do fundo da platéia "Canta Catedral!".</div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Ousar é um verbo meio em desuso - eu ia escrever nas artes, que é onde mais conduzo meu barquinho, mas falta ousadia em tudo, ultimamente. Nem na política temos coragem de romper tradições. Reclamamos do Sarney, do Roriz, do Calheiros, mas pouco avançamos além dos queixumes. Assim, a cada pleito, lá estão eles, de novo, não apenas disputando, mas conquistando efetivamente o voto dos eleitores. As novelas repetem elencos e tramas, os filmes copiam e colam o mesmo roteiro, os escritores da nova geração capricham na auto-referência repetitiva, o teatro divide-se entre a cena do sofá na sala e o gelo seco com voz tremida, porque uma vez isso foi moderno. Boceja-se sem pudor.</div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Fazer um show diferente do formato esperado pode não abalar as estruturas do sistema. Pode deixar alguns fãs tradicionais mais frustrados ("Poxa, ela não cantou Catedral..."). Pode até mesmo errar - não é o caso, mas havia o risco. Aliás, essa é "a" palavra. Risco. Estamos cada vez mais fugindo dos riscos. E como dizia Nelson Rodrigues: sem se arriscar, a criatura não chupa um Chicabon.</div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>O risco é o grande medo. Protegemos nossa opinião barrando das redes sociais qualquer pessoa que pense diferente e nos faça avaliar um novo ponto de vista. Evitamos olhar alguém numa festa, corremos o risco de nos apaixonar. Vai que... "Vai que" virou mantra e bordão de propaganda - ganhando uma conotação pessimista: vai que dá errado... A pista é outra: vai que dá certo? </div><div><br /></div><div><i>P.S.: Zélia, Regina, Célia... Eu acho que é show.</i></div><div><br /></div><div><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span> </div>Mário Vianahttp://www.blogger.com/profile/10351988276287779623noreply@blogger.com14tag:blogger.com,1999:blog-7398137140753176998.post-80148252085101761322011-08-29T17:05:00.004-03:002011-08-29T17:41:48.887-03:00Azelite<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiWR48A7ILflwWng0lezhYRTHwcciwdHJweBeEWsUZPT5sJoV74TJiUKkd5Rvl1y6Ika_Go8kmUL8lg5mQjJ6K7opq_J8Fv5aUt9Lpnue886uQkEaes9AYunaMMplIMijFHium_MX00Xl3a/s1600/gatinho.jpg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 275px; height: 183px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiWR48A7ILflwWng0lezhYRTHwcciwdHJweBeEWsUZPT5sJoV74TJiUKkd5Rvl1y6Ika_Go8kmUL8lg5mQjJ6K7opq_J8Fv5aUt9Lpnue886uQkEaes9AYunaMMplIMijFHium_MX00Xl3a/s400/gatinho.jpg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5646376003550403714" /></a>
<br />Hoje cedo, ouvindo a Band News FM, escutei a entrevista de uma moradora do Morumbi, um bairro que a gente da minha safra cresceu sabendo que era "dos ricos". De uns bons tempos pra cá, o Morumbi ganhou favelas, conjuntos residenciais e, pasmem, chegou a ser definido - pelo locutor, esta manhã - como bairro de classe média. Alta, mas média. A notícia hoje era que moradores do Morumbi organizaram uma manifestação, um protesto, pela falta de segurança no bairro. <div>Ao contrário do que acontece nos aglomerados populares, os revoltosos não precisaram atear fogo em pneus para chamar a atenção da mídia - e colabora muito o fato de a Band estar fincada no alto do bairro nobre. A polícia apareceu, o comandante reconheceu a farra dos assaltantes e prometeu estudar melhoria no policiamento, e a tal moradora que deu entrevista falou bem e bonito, avisando que até a população de baixa renda - antigamente conhecida como pobres e/ou favelados - seria beneficiada com as melhorias. O Morumbi, pra quem não conhece a área, abriga uma das maiores favelas urbanas de São Paulo.</div><div>Enquanto isso, na imprensa e nas redes sociais, o bafafá ficou por conta de um artigo da ombudsman da Folha, Suzana Singer, publicado no dia 21 de agosto. No artigo, Suzana cutucava a chamada crítica especializada de teatro, que esbanja seus conhecimentos teóricos em frases empoladas e sem muito sentido. Não demorou muito para um grupo de profissionais do teatro se levantarem contra esse artigo, acusando a ombudsman de querer "vulgarizar" o texto dos jornais.</div><div>De modo geral, concordei com o artigo de Suzana. Há mesmo - e não é só na área de teatro, mas em cinema e literatura também - um certo esnobismo nos textos. </div><div>É como aqueles textos gravados nas paredes das exposições de artes plásticas: por que essas pessoas fazem questão de não escrever claro? Elas querem mostrar que são cultas e, por dominar um vocabulário no qual sobressaem palavras com mais de quatro sílabas, julgam-se afora e acima da manada.</div><div>Pode parecer que estou tratando de dois assuntos, mas não. O tema é a elite, o bacana, o que se tem em alta conta. No caso do Morumbi, foi preciso que a horda criminosa começasse a atacar as ruas, carros e casas da parte nobre para que a polícia fosse chamada às falas. Enquanto atingia as vielas das favelas... eles que se entendessem.</div><div>No caso da polêmica cultural, fiquei pensando em como parte da classe artística gosta de se ver à parte do mundo real. A língua que eu, você e mais um bando de gente usamos para comunicar ideias por escrito ou falando... essa língua não lhes parece rica o suficiente para exibir cultura. É preciso ser barroco, rebuscado, porque quanto menos a patuleia entender, melhor. Se ela, a patuleia, achar que entendeu é capaz de não achar o outro tão intelectual assim. Complica ainda mais porque a própria patuleia também acha isso, de vez em quando. No fundo, o fantasma de Odorico Paraguaçu e sua linguagem particular assombra a nossa rotina.</div><div>
<br /></div><div>Há um falso conceito de que as coisas simples são rasas. Raso é quem se apega à boia do rococó pra disfarçar o oco das ideias. Mas é sempre bom deixar claro que textos com análises profundas de qualquer manifestação artística são bem-vindíssimos. O que, acredito, a ombudsman afirmou é que reflexões profundas não precisam ser labirínticas. Eu não tenho vergonha de buscar sempre ser claro e compreendido. Não creio que isso me diminua como escritor e dramaturgo. Mas, é claro, é apenas uma opinião de quem não gosta de labirinto nem mora no Morumbi. Acho que uma coisa tem a ver com a outra. Vai saber...</div><div>
<br /></div><div> </div><div><div> </div></div><div>
<br /></div>Mário Vianahttp://www.blogger.com/profile/10351988276287779623noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-7398137140753176998.post-48459094392832241892011-08-17T09:53:00.007-03:002011-08-17T10:45:52.719-03:00A Bovary do Horto<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgdlWz7OkCgZTz5zWSkhzlFNWmu-O7Wf9A0idVA-Unio4eYHiteCIdJ6NrZBSO_J6Z4UbpmZJx6Wc3fa6B3OCRfgT_nvp4GswmxdVqMbR_eKNWFSmmsI74MCTa8v_0XzbQnua375aNQBGO1/s1600/Unknown.jpeg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 240px; height: 180px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgdlWz7OkCgZTz5zWSkhzlFNWmu-O7Wf9A0idVA-Unio4eYHiteCIdJ6NrZBSO_J6Z4UbpmZJx6Wc3fa6B3OCRfgT_nvp4GswmxdVqMbR_eKNWFSmmsI74MCTa8v_0XzbQnua375aNQBGO1/s400/Unknown.jpeg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5641817605918435554" /></a>
<br />Publicações em blog têm curta validade e este, em especial, vence na sexta-feira, quando a última cena de "Insensato Coração" for ao ar. Eu sei que há coisas mais importantes em que pensar - a indignação do governo federal com a publicação das fotos dos presos no escândalo do Amapá, por exemplo, dá muito pano pra manga. Mas vou falar da novela. <div>Sim, eu poderia sugerir ao ministro da Justiça e à presidente Dilma que preferiria vê-los esbravejando contra o descaso das explosões impunes de bueiros no Rio ou contra o fato de um parque de divesões caindo aos pedaços ter alvará de funcionamento e, por isso, ter provocado a morte de dois adolescentes... São muitos os motivos que deveriam deixar um dirigente político indignado (embora a exibição pública de suspeitos seja proibido por lei, claro - mas há alguma brecha na lei, que libera a imagem quando o suspeito é pobre e preto)... Tudo isso é assunto, mas preferi a novela.</div><div>Eunice, a candidata a perua interpretada com estridência por Deborah Evelyn, vai ser punida exemplarmente hoje à noite. Defensora da moral da família, a dona de casa pagará o pato de ter cedido ao tesão e se refestelado com o descamisado gostosão Ismael (Juliano Cazarré). O capítulo de "Insensato Coração" poderia estar morno que só, mas bastava Ismael dar uns cheiros no cangote de Eunice pra ela suspirar, devota, um "ai, meu Deus" - e tudo estava dito. (Tá, a Tia Neném, da Ana Lúcia Torre, também foi um dos maiores achados desta novela).</div><div>
<br /></div><div>Casada com um tipo bem comportado e até submisso, Eunice é a mulher que não se conforma com a sina interiorana - na geografia do Projac, qualquer cidade fora do Rio é subúrbio puro e, no caso, era Florianópolis, de onde não importaram nem o sotaque - todo o núcleo manezinho falava como carioca. Eunice quer ser da alta sociedade e chega a leiloar a virgindade da filha em nome da causa. No começo da novela, ela prometia também ser um anjo vingador, que buscaria a punição ao assassino da irmã, custasse o que custasse. De vez em quando, esse lado da personagem ainda vinha à tona - mas o caso com o gostosão passou à frente. Eunice abriu mão da vingança e da moral familiar em nome do próprio desejo. Será castigada por isso.</div><div>
<br /></div><div>As lições de moral burguesa das novelas chegam a assustar, quando paramos de ver aquelas cenas como mera distração. O menino bom caráter, que assume a criação do filho que um estuprador deixou em sua namorada, bem, esse menino está saudavelmente livre do compromisso, pois a menina abortou depois de apanhar do estuprador violento. A periguete, que sempre foi divertida em sua sede desmedida de fama e celebridade, está se transformando, na reta final, numa vilãzinha rastaquera. A ambição é um dos mais graves pecados, segundo o catecismo das novelas brasileiras.</div><div>
<br /></div><div>De todos os personagens, entretanto, é a Eunice que mais me chama a atenção, por representar - queiramos ou não, nós, os "modernos & antenados" - o chamado pensamento da maioria. Espremida entre as contas a pagar e as revistas de celebridades, as eunices da classe média, nova ou velha, adorariam circular na alta roda, chamar banqueiro de você e madame de querida. Elas são até mais bem informadas do que a personagem da novela, sabem dos museus e shows, mesmo quando não comparecem aos eventos. Acham, sim, que as filhas precisam casar bem e tentam fazer uma boa limonada financeira de todos os limões que a vida lhes oferece. Só não podem, em momento algum, lembrar que sentem tesão.</div><div>
<br /></div><div>Sexo liberado, só para a doidivana Bibi, que precisou conformar seu furor lascivo ao casamento com o marombado tapado, porém de bom coração e, acima de tudo, legalista, fã da cerimônia formal. Também exemplares são a diarista Haidê (Rosi Campos), que começa e acaba a novela apenas como a mãe pobre, porém honesta, íntegra e trabalhadora, sem um companheiro pra chamar de seu. Ou a chatonilda Carol (Camila Pitanga), que exige do companheiro uma fidelidade que nem ela consegue sustentar. Ou, pior, a irmã bonitinha, que fica dando lição de moral em festa alheia, azedando o ambiente. Nem mesmo o "polêmico" casal gay vai escapar do bom-mocismo: ontem mesmo a mãe bacana estava organizando a festa da união civil do filhote com o namorado boa-praça. Gay bom é gay casado-com-festinha.</div><div>
<br /></div><div>É tudo gente que vai sumir da nossa memória assim que a novela acabar - e é bom que seja assim. Odete Reuttman deve ser um fantasma que atormenta os piores pesadelos da Beatriz Segall. É tudo história de mentirinha, que muitas vezes são tratadas até nos noticiários com a seriedade de um atentado na Síria ou um escândalo em Brasília. Lembro de uma empresária canadense espantada por me ouvir contar que a morte de Odete Reuttman tinha sido notícia de primeira página nos maiores jornais do país. No Brasil, acostumamos a viver a ficção e, talvez por isso, assistamos com passividade ao desfile interminável de absurdos políticos. Estamos sempre à espera do próximo capítulo - mas, pelo menos, os capítulos de nossos novelistas acabam com final feliz, vilões mais ou menos castigados, beijos em profusão e paz universal. </div><div>
<br /></div><div>Entendo o escape, mas insisto: deixem a nossa Bovary suspirar sossegada nos braços do gostosão. Sem tesão não há solução, já dizia Roberto Freire.</div><div>
<br /></div><div>
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<br /></div>Mário Vianahttp://www.blogger.com/profile/10351988276287779623noreply@blogger.com9tag:blogger.com,1999:blog-7398137140753176998.post-92222830200526820352011-08-08T17:31:00.003-03:002011-08-08T20:31:13.823-03:00Carta aberta ao vereador Carlos Apolinario <!--[if gte mso 9]><xml> <o:documentproperties> <o:template>Normal.dotm</o:Template> <o:revision>0</o:Revision> <o:totaltime>0</o:TotalTime> <o:pages>1</o:Pages> <o:words>420</o:Words> <o:characters>2396</o:Characters> <o:company>home</o:Company> <o:lines>19</o:Lines> <o:paragraphs>4</o:Paragraphs> <o:characterswithspaces>2942</o:CharactersWithSpaces> <o:version>12.0</o:Version> </o:DocumentProperties> <o:officedocumentsettings> <o:allowpng/> </o:OfficeDocumentSettings> </xml><![endif]--><!--[if gte mso 9]><xml> <w:worddocument> <w:zoom>0</w:Zoom> <w:trackmoves>false</w:TrackMoves> <w:trackformatting/> <w:punctuationkerning/> <w:drawinggridhorizontalspacing>18 pt</w:DrawingGridHorizontalSpacing> <w:drawinggridverticalspacing>18 pt</w:DrawingGridVerticalSpacing> <w:displayhorizontaldrawinggridevery>0</w:DisplayHorizontalDrawingGridEvery> <w:displayverticaldrawinggridevery>0</w:DisplayVerticalDrawingGridEvery> <w:validateagainstschemas/> <w:saveifxmlinvalid>false</w:SaveIfXMLInvalid> <w:ignoremixedcontent>false</w:IgnoreMixedContent> <w:alwaysshowplaceholdertext>false</w:AlwaysShowPlaceholderText> <w:compatibility> <w:breakwrappedtables/> <w:dontgrowautofit/> <w:dontautofitconstrainedtables/> <w:dontvertalignintxbx/> </w:Compatibility> </w:WordDocument> </xml><![endif]--><!--[if gte mso 9]><xml> <w:latentstyles deflockedstate="false" latentstylecount="276"> </w:LatentStyles> </xml><![endif]--> <!--[if gte mso 10]> <style> /* Style Definitions */ table.MsoNormalTable {mso-style-name:"Table Normal"; mso-tstyle-rowband-size:0; mso-tstyle-colband-size:0; mso-style-noshow:yes; mso-style-parent:""; mso-padding-alt:0cm 5.4pt 0cm 5.4pt; mso-para-margin:0cm; mso-para-margin-bottom:.0001pt; mso-pagination:widow-orphan; font-size:12.0pt; font-family:"Times New Roman"; mso-ascii-font-family:Cambria; mso-ascii-theme-font:minor-latin; mso-hansi-font-family:Cambria; mso-hansi-theme-font:minor-latin;} </style> <![endif]--> <!--StartFragment--> <p class="MsoNormal"><span lang="EN-US">Prezado vereador Carlos Apolinário (DEM)</span></p> <p class="MsoNormal"><span lang="EN-US">Venho por meio desta solicitar a atenção do nobre edil, eleito por milhares de moradores desta cidade, para uma situação de extremo preconceito que acontece anualmente em nosso município. </span></p> <p class="MsoNormal">Como sei do empenho que o prezado vereador dispensa às minorias oprimidas – veja-se o caso do seu esforço na criação do Dia do Orgulho Hétero, que levou e ainda levará nossa amada cidade ao noticiário mundial, especialmente por criar a categoria até hoje pouco estudada da maioria oprimida - venho reivindicar a mesma gana legislativa para a criação do Dia do Órfão Paulistano. </p> <p class="MsoNormal"><span lang="EN-US">A implantação desta data comemorativa é tema urgente e de capital importância para o respeito a todas as categorias sociais que convivem em São Paulo. Assim como a Câmera dos Vereadores ousou desafiar o seu tempo e criou o Dia do Orgulho Hétero, esta tarefa é de fundamental providência por parte dos dedicados edis de nosso município, eleitos e mantidos com os votos de milhões de paulistanos.</span></p> <p class="MsoNormal">Não acho que seja o caso de se chamar Dia do Orgulho Órfão, já que nem mesmo a mocinha que mandou o namorado dar cabo dos pais tem orgulho em exibir a orfandade, acredito eu. O Dia do Órfão justifica-se a cada temporada de Dia das Mães e Dia dos Pais. São datas criadas pelo comércio, é claro, mas a Parada Gay de São Paulo também se tornou a menina dos olhos do turismo paulistano e só a entrada de dinheiro nos cofres municipais já justifica a manutenção do evento na principal avenida da cidade – os evangélicos e os sindicalistas, em sua maioria, são daqui mesmo e não animam hoteis, restaurantes, lojas e outros templos consumistas que fazem a alegria da comunidade gay.</p> <p class="MsoNormal">É necessário que os vereadores se sensibilizem com a causa dos que sofrem a falta de seus entes queridos a cada campanha publicitária. “Temos o presente para qualquer tipo de pai” ou “Dê a sua mãe tudo o que ela quis” são slogans que, antes mesmo de estimular o consumo, constrangem os cidadãos privados de seus genitores. É de uma violência abissal, desumana, impensável. É a orfanofobia em marcha, aproveitando um termo criado por Vossa Excelência na revista Veja desta semana.</p> <p class="MsoNormal">Como cidadão paulistano, profissional que vive do seu trabalho e por ele paga todas as taxas e impostos cabíveis (e incabíveis, também), eleitor com a situação em dia, <span style="mso-spacerun: yes"> </span>e – acima de tudo – órfão de pai e mãe, julgo-me pleno de direitos em reivindicar ao vereador que abrace a nossa causa.</p> <p class="MsoNormal">Superaremos diferenças políticas em nome de um bem maior, lembrando que nossa luta em nada depõe contra a figura humana dos que têm pai ou mãe vivos – alguns têm ambos! É preciso combater o excesso de privilégios dados a esses cidadãos já aquinhoados com os pais em plena atividade.</p> <p class="MsoNormal">O órfão paulistano cansou-se de ser humilhado em shopping centers, lojas e anúncios de TV. Chega! Nossa luta está apenas no começo!</p> <p class="MsoNormal">Atenciosamente,</p> <p class="MsoNormal">Mário Viana.</p> <p class="MsoNormal"><span lang="EN-US"><o:p> </o:p></span></p> <!--EndFragment-->Mário Vianahttp://www.blogger.com/profile/10351988276287779623noreply@blogger.com3