terça-feira, 29 de setembro de 2009

O taxista e o poeta




Há várias hipóteses pra eu não ter embarcado no filme "Goodbye Solo", dirigido por Ramin Bahrani e premiado pela crítica no Festival de Veneza do ano passado. O primeiro, óbvio, é cansaço. Mas há outros. Por princípio, os filmes independentes do cinema americano contam com a simpatia de quem gosta da sétima arte, só pelo fato de tentar quebrar a fórmula que os grandes estúdios usam pra engessar os roteiros. Humor negro, incorreção política e temas mais ousados fazem parte do cardápio indie - mas até isso, vejam só, vira fórmula.

"Goodbye Solo" é independente no tema e nos personagens - um velho derrotado pela vida (derrotados são o grande fantasma do imaginário americano) e um senegalês que trabalha como taxista, mas sonha mesmo é ser comissário de bordo. É no taxista Solo que está o grande problema do filme, na minha opinião. Ele fala pelos cotovelos - e quem pega táxi sabe o quanto isso é desagradável, às vezes. Dono de um otimismo irrefreável, Solo é um mostruário de correção política: honesto, camarada, malandro quando precisa, vive com uma mexicana, que espera um filho dele, e se dá muito bem com a enteada, uma menina esperta e, claro, lúcida como os adultos não são. Todo mundo mora numa cidade perdida nos cafundós americanos e leva uma vida rotineira até a medula.

O filme tem dois excelentes atores, mas como o roteiro é de cineasta indie, não há explicação para a ação que movimenta o filme todo - pra contrariar o manual do bom roteiro, os indies acham que ator com olhar parado é 'profundo' e que todo silêncio é 'pleno de explicações'. Não é. Solo acha que William, o passageiro, vai tomar uma atitude radical e, sem que William peça ou sinalize, entra na vida do outro disposto a fazê-lo mudar de idéia. Pode ser que eu seja mais um urbanóide cioso da própria intimidade, mas o fato de um estranho se instalar em minha casa para me fazer mudar de idéia é apavorante. E, pior, um estranho bonzinho, com intenções divinas e de um servilismo abjeto. Que me desculpe o Alysson, do www.cineweb.com.br, fã do filme, mas Solo é um mala sem alça.

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"Iê Iê Iê", o novo CD do Arnaldo Antunes é uma delícia. O título jamais levaria alguém ao Procon: as músicas parecem ter saído diretamente do programa da Jovem Guarda, o movimento musical capitaneado por Roberto, Erasmo e Wanderléa, recheio de tudo quanto é bailinho da saudade. Desde o tempo dos Titãs, Arnaldo é um letrista de mão cheia. Em uma entrevista dada ao Caderno 2, esta semana, ele se diz um cultuador de palavras - e é mesmo. Como todo artista contemporâneo, Arnaldo é meio pretensioso, mas a maneira como ele junta substantivos e adjetivos num verso é curiosa e instigante. Há sempre alguma isca a nos fisgar nas letras de Arnaldo.
No novo disco, ele pensa sobre a passagem do tempo, em "Envelhecer" ("é ver morrer os amigos e aprender a esquecer"), sobre a solidão, em "A casa é sua" ("já tenho o tapete, só falta o seu pé descalço pra pisar") e outros sentimentos que atingem jovens e velhos sem discriminação. Apesar dos temas duros, ele parece escrever com luz. As letras de Arnaldo nunca me soam depressivas. "Grávida", que Marina Lima gravou no tempo em que ainda tinha voz, é uma louvação. "E vou parir sobre a cidade/ quando a noite contrair/ E quando o sol dilatar / vou dar à luz". Ou em "Alegria", que Bethânia cantou lindamente num show (e alguém conseguiria juntar Arnaldo Antunes a Maria Bethânia? nunca). "Eu vou te dar alegria / eu vou parar de chorar / Eu vou raiar um novo dia...". Eu acho o último verso um arraso: é bom demais raiar um novo dia.
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Mudando de assunto... Essa crise provocada pelo Manuel Zelaya na embaixada brasileira em Honduras tá parecendo um longo episódio de "Alf, o ETeimoso". Lembram? O alien que se instalava na casa de uma família classe média, se pendurava ao telefone e criafa as maiores confusões. Zelaya é o Alf do Lula.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Dia do Pendura


O tempo recuou quase 45 dias em Santo André: embora ontem fosse 24 de setembro, o pessoal da Vila Pires viveu um 11 de Agosto inesquecível, um Dia do Pendura fora de época. Pra quem não sabe, todo 11 de Agosto comemora-se a fundação da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Nesse dia, os futuros bacharéis, promotores, ministros e portas-de-cadeia almoçam e jantam na rua sem pagar a conta no final - geralmente com a total discordância dos donos dos restaurantes. Enfim, é o Dia do Pendura, primeiro dos muitos calotes que vários profissionais vão dar pela vida a fora.

Vila Pires não tem faculdade de direito, parece que nem restaurante. Mas tem uma loja de fogos de artifício. Tinha. A loja ontem voou pelos ares, levando consigo uma parte considerável da rua em si. O ponto de comércio estava irregular, os vizinhos já vinham protestando fazia um tempo, mas só depois da explosão é que alguém resolveu levar as coisas a sério. Certamente isso não serve de consolo pros parentes das duas pessoas que morreram. Muito menos pros donos das quatro casas totalmente destruídas durante o acidente.

Fiquei pensando nos donos dessas casas. Sujeitos que, certamente, pagam suas contas, saem pra trabalhar, torcem pra algum time de futebol e gostam de acompanhar a novela toda noite. De uma hora pra outra, a vida deles não é mais o que era. Ruiu tudo. Uma série de bombardeios transformou suas casas em ruínas e deu a suas vidas um destino impensado. Como fénix do terceiro milênio, eles precisam renascer - não das próprias cinzas, mas da poeira.

Recomeçar é sempre bom, dizem os livros de auto-ajuda. Será que seus autores passaram por algo parecido? Perder tudo em um minuto? Não dá pra ser muito otimista quando se sabe que o prejuízo vai ficar por conta do abreu. Foi um grande e cruel Pendura. Quem vai pagar as casas? Os móveis? Os danos? Mesmo que esteja vivo, dificilmente o dono de um muquifo escondido numa rua de Santo André vai ter cacife pra repor o prejuízo material de tantas vítimas - mais de 100 pessoas desalojadas desde ontem. Mesmo que tivesse... seria suficiente? Como diz aquela propaganda de cartão de crédito, tem coisa que o dinheiro não compra.

Debaixo dos escombros, ficaram os eletrodomésticos ganhos no dia das mães, o dormitório comprado a prestação e a máquina de lavar que precisava ser trocada um dia desses. Debaixo dos escombros ficaram as roupas, os livros, os CDs, a revista que ainda ia ser lida e uma conta que vence dia 30. Ficou a lista do mercado, o par de sapatos comprado pro casamento do sobrinho e um vasinho de violetas todo florido.

Ficaram soterradas também todas as lembranças - uma almofada que a mãe mesmo bordou, um jogo de jantar do enxoval de casamento e um porta-retratos com uma foto tirada na última viagem a Porto de Galinhas. Ou será Porto Seguro? Sumiu pra sempre o álbum com fotos do caçula e o video de formatura do mais velho... Sumiu tudo...

Sobrou apenas, pendurada no chaveiro, uma chave inútil.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Boa fé na contramão


O paulistano comemorou o Dia Mundial sem Carro no volante. Exceto Gilberto, o Alcaide - e os 500 fotógrafos convidados para registrar a mais alta autoridade municipal usar um bilhete único com a intimidade de um esquimó fazendo churrasco - poucos paulistanos se arriscariam a trocar seu confortável carrinho por um ônibus lotado ou metrô esturricando de gente. Seriam os paulistanos um bando de egoístas hedonistas totalmente insensíveis ao bem estar público? Sim, mas isso não responde tudo. A coisa vai mais além.

O Dia Mundial sem Carro é uma das mais bem sacadas manifestações pacíficas de protesto contra a poluição ambiental urbana. Nasceu na França, provavelmente em Paris - onde o cidadão pode ir da sala pro quarto usando metrô. O Dia sem Carro poderia dar certo em Nova York, Madri e Londres, onde o transporte público é de uma eficiência comovente - os metrôs, feinhos, funcionam e são acessíveis em qualquer esquina.

Transplantar a iniciativa ambientalista pra São Paulo - ok, a coisa foi nacional, mas vou falar da minha aldeia - mostra várias coisas: que estamos antenados com a onda mundial de tentar salvar o planeta; que temos aqui gente consciente de seu papel no mundo - e que somos também uns copiadores de péssima qualidade. Macaquear a boa fé não nos garante sequer um lugar na fila do paraíso.

De forma mais imediatista, o Dia Mundial sem Carro - por aqui - não teve este ano a divulgação de uma grande campanha. Caiu de para-quedas no meio-fio, atrapalhando o trânsito. Faltou divulgar, explicar, martelar mesmo na cabeça das pessoas que usam o carro sem necessidade premente. Uma campanha eficaz poderia começar, por exemplo, hoje - um dia depois da última. Não é preciso ser chato, mas sempre presente.

Não é fácil convencer um sujeito que mora em Guaianazes e trabalha na Vila Olímpia (pra quem não sabe, um extremo da zona leste e um ponto qualquer da zona sul ou sudoeste)... esse sujeito deve esquecer seu carro na garagem e procurar o transporte público para realizar, no dobro de tempo e em situação de pleno desconforto físico, a mesma viagem de todos os dias. Precisa ser muito bom de lábia pra conseguir a adesão do cara.

O governo brasileiro - nas três esferas, municipal, estadual e federal - passou anos sem investir no transporte público. Estradas esburacadas, ferrovias sucateadas e ônibus em petição de miséria são paisagem comum. É com essa rede que os ambientalistas querem trabalhar? Não rola. Mesmo nos últimos anos, quando a conscientização ambiental cresceu, medidas da prefeitura proíbem a circulação de ônibus fretados para que os carros particulares tenham mais facilidade de locomoção...

Ruas de pedestres no centro de São Paulo ganharam novamente seu quinhão de asfalto, para aumentar a circulação de carros - uma das medidas mais estapafúrdias e arcaicas tomadas por José Serra durante o curto período em que foi prefeito da cidade. Mas o noticiário, rendido à sedução tucana, nem tomou conhecimento.

Aderir ao Dia Mundial sem Carro sem fazer a lição de casa expõe a causa ambiental a um fiasco injusto - os bem-intencionados passam por ingênuos idealistas, daqueles que lutam por uma causa etérea sem aplicação prática. O insucesso também pesa na consciência de quem gostaria de ter aderido, mas não tem como cumprir sua agenda sem o auxílio do carro. Só ficam em paz mesmo aqueles que vivem de vender álcool e gasolina, aqueles que deveriam ter tomado alguma atitude no passado e não tomaram - ou os que simplesmente não estão nem aí.


segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Meires brigam, Chagall redime




Deu no jornal hoje - e tem muito a ver com o post da semana passada. Uma pesquisa da Fiocruz mostrou que 87% das adolescentes experimentam na prática algum tipo de violência em suas relações. E uma boa parte delas, vejam só, nao é a que apanha, mas a que bate. Dona Meire, de Araçariguama, deveria usar isso em sua defesa pra recuperar o emprego.


Na reportagem publicada no Estadão, alguns especialistas apontam para os perigos decorrentes desse hábito insalubre - o de apanhar ou bater em irmãos, namorados e colegas. Um dos mais graves é o que indica uma vida adulta marcada pela violência. A menina de 13 anos que não termina o namoro com medo da reação do namorado... dá pra imaginar a mulher que ela será?

Se juntarmos essa pesquisa à luta-livre orientada por dona Meire e acrescentarmos ainda as histórias de meninas que tentam resolver seus problemas apelando pra violência - Suzane Richtoffen é o exemplo mais imediato, mas tem aquela moça que serviu bolo envenenado pros filhos do amante - vamos ter de encarar o pesadelo: o homem não é mais o único a manejar a clava. Triste constatação. O trogloditismo se espalha.

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Falta de dinheiro não é desculpa. É gratuita a entrada para a exposição "Virada Russa", no Centro Cultural Banco do Brasil. até 15 de novembro. O cofre, no subsolo, guarda os cartazes e pinturas mais obedientes ao chamado realismo socialista, com imagens que chamavam o povo à luta revolucionária. Ali ficam também algumas peças da "arte útil", que era uma maneira de os artistas continuarem a exercitar seus dons sem desagradar o governo: as bandejas e as amostras de tecidos são deslumbrantes.
Mas é no terceiro andar, onde começa a exposição, que está a tela "Passeio", de Marc Chagall. Pintada em 1917, ano da revolução, a tela mostra o pintor e sua mulher passeando pelo campo - ela flutua no ar, como sempre acontece com os personagens de Chagall. Só essa tela já justifica a ida ao centro. São instantes de contemplação, que nos afastam das meires e nelsinhos da vida. E nos deixam mais contentes.


quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Desce a mão, filhinha!


Chega de temas polêmicos. Vamos falar de dona Meire, a mulher que levou sua cidade aos noticiários de todo o Brasil. Até hoje, duvido que os apresentadores de telejornal tenham pronunciado alguma vez a palavra Araçariguama - nome da cidade de dona Meire. Pois hoje eles já falam, até com aparente naturalidade. E tudo porque dona Meire, mãe de família e monitora de vans, resolveu colocar em prática o poema que deve ter sido o seu preferido nos bancos escolares. É aquele do Gonçalves Dias, que diz "Não chores, meu filho; / Não chores, que a vida / É luta renhida. / Viver é lutar".


Dona Meire aplicou a literatura à vida e criou-se uma confusão dos diabos. Tudo porque a filha de dona Meire foi tirar satisfação com uma colega de classe. Ambas têm 15 anos e o bafafá começou por causa do namorado de uma delas, que teria ficado com a outra. O rapaz em questão - que deve ter de ouro o que os homens comuns têm de carne - completou 23 anos. E deve estar se sentindo o don Juan de Araçariguama - ou, no caso, o Van Damme.


Tudo não teria passado de mais uma briga entre duas adolescentes com hormônios em ebulição se a zelosa e atenta dona Meire não tivesse metido sua colher no angu. Lançando mão de palavras de estímulo - "Soca a cara dela, puxa o cabelo" - dona Meire tornou-se parceira da filhota no cacete que esta desceu na outra, que apanhou sozinha feito uma orfã de Charlie Dickens. Segundo explicou depois a repórteres e curiosos, dona Meire forma no time dos que proíbem o filho de apanhar na rua: tem é que bater mesmo.


Não tenho nada a ver com o jeito que cada um cria seus filhos, mas convenhamos... o método Meire é radical. Vai mais fundo que o estilo Gracie. Todos aqui vão concordar que os criadores do jiu jitsu brasileiro nunca pensaram em aplicar seus golpes na escola convencional, até porque teriam de entrar em uma. Mas dona Meire deve ter se inspirado na saga dos Gracie para ensinar à filha que apanhar na rua é apanhar em casa, pra aprender a não ser frouxa. Pelos golpes vistos no filminho que um aluno gravou - santo celular! - a menina leva os ensinamentos da mãe a sério.


Araçariguama, vejo no google, fica lá pros lados de São Roque e sua existência é citada em documentos desde 1605. Já descobriram mina de ouro e outros minérios por ali, tanto que a Gerdau montou sua sede lá. A cidade, que só conquistou autonomia municipal em 1991, tem namoródromo e inclui filtro solar na cesta básica dos funcionários públicos que trabalham ao ar livre. E ainda se orgulha de ter o menor índice de desemprego do país - se bem que depois do que a dona Meire aprontou, esse índice deve ter mudado um pouco. Mas, do jeito que andam as coisas, não duvido nada que dona Meire seja eleita prefeita na próxima eleição - ou tenha uma estátua erguida na praça da matriz, por ter elevado Araçariguama à categoria de notícia nacional. Te cuida, São Paulo.



segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Salvos do dilúvio


Dias chuvosos sempre nos fazem pensar na existência. Ninguém filosofa direito em dia ensolarado. Na última semana, São Paulo tem estimulado muita reflexão. Depois do aguaceiro de terça-feira, qualquer chuveiro mal fechado já desperta em nós o medo do trecho intransitável. Hoje foi assim: segunda-feira, chuvinha besta, trânsito ruim... Cadê a coleção dos Pensadores?


Na falta do Kierkgaard ou dos pré-socráticos, o jeito foi apelar para meu eu interior mesmo. Enquanto fazia a série de exercícios na academia, ouvindo as músicas mais variadas no i-pod, me peguei fazendo a listinha do que eu salvaria do dilúvio universal. Algo parecido com "quem você levaria pra uma ilha deserta?", que as meninas costumavam perguntar nos cadernos de questionários dos anos 70. Mas em vez de "quem", fui para o "quê" mesmo. Que músicas fariam minha trilha sonora depois que tudo ficasse "soterrado pelas águas", como costuma se escrever nas redações de vestibular.


Aí começam as sub-questões, as mais difíceis de responder. Levo no atacado ou no varejo tá valendo? Levo tudo da Ella Fitzgerald? Ou da Dinah Washington? Depende, é claro, do tempo disponível. Se der pra fazer listinha, beleza - solta um Ella cantando "Honeysuckle Rose" e "I love Paris"... Uma Dinah mandando brasa em "I've got you under my skin". Quero também umas coisinhas do Jamie Collum, a Lizz Wright arrasando em "Come rain or come shine" e várias da Amy Winehouse e do Mika - não dá pra passar o apocalipse sem "Rehab", "Grace Kelly" ou "Big girl", dá?


Obra completa, mesmo, talvez só a do Chico Buarque. E da Nara, que já tá em duas caixas bastante práticas. Muita, mas muita coisa mesmo da Elis - eu esqueceria uns discos do final dos anos 60, quando ela fazia discurso contra guitarra. Ah, "Elis & Tom", aquele disco que ela canta "Na Batucada da Vida" e "Conversando no Bar"... "Falso Brilhante"... Tem coisa obrigatória. Da Gal levo muita coisa - menos aquela fase Sullivan e Massadas. E os últimos, também, muito frouxos. Bethânia, quase tudo. Não esquecer "Brasileirinho", "Drama Terceiro Ato" e "A Cena Muda". Xi, o Caetano. Esse, vai no varejo - não quero "Eu sou neguinha" nem pintado de ouro. Nem aquela que ele fez pro Lobão.


Tem que sobrar espaço pra João Gilberto, Pedro Luis & A Parede, Roberta Sá, Beth Carvalho, Nana Caymmi, Cassia Eller, Zé Renato, Rita Lee e umas coisas da Simone. Muitos do Ney Matogrosso, outros da Rita Lee. Aracy de Almeida, com certeza. Depois eu penso nos clássicos.


Na bagagem dos DVDS... vixi, vai muita coisa. "Noites de Cabíria" e "Quanto mais quente melhor", com toda certeza do mundo. "Casanova e a revolução", do Ettore Scola. Uns filmes do Truffaut - "A mulher do lado" e "O último metrô", meu Deus, não posso esquecer. Woody Allen, completo, mesmo os fraquinhos (porque o Woody Allen fraco é melhor que muita besteira que o celulóide registra). "Toda Nudez será castigada" e "Tudo bem", do Jabor, especialmente se ele não vier junto. Todo o "Seinfeld", os "Soprano" e "Two and Half Men". "House", sem dúvida.

"Cantando na Chuva" e qualquer filme que tenha o Gene Kelly cantando e dançando, só pra eu continuar acreditando que a humanidade tem esperança de salvação. Vários filmes do Johnny Depp, pelo mesmo motivo.

Tem mais coisa por aí, preciso pensar. E olha que nem comecei a empacotar os livros...


Mas uma coisa é certa: todo mundo tem sua listinha guardada no fundo do baú. Faz parte dela toda obra artística que nos atinge a alma, nem que seja por uma fração de segundo. Aquela obra que nos deixa contentes por estar vivo e vendo aquilo acontecendo - porque, não importa o tempo de existência, toda obra de arte acontece (no presente) no momento em que mexe no espírito de alguém. É quando o ciclo se completa. Sempre.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Achamos o culpado!



Justiça boa é assim, rápida. Não deu nem 24 horas e o governador José Serra, mais o alcaide Gilberto, encontraram o culpado pela catástrofe de terça-feira: São Pedro (retratado aqui ao lado, com expressão premonitoriamente culpada, por El Greco). Justiça seja feita, o santo realmente deu uma tremenda bola fora, deixando cair um pé d'água dos diabos.




O resultado foi o que se viu: o rio subiu, as marginais ficaram inundadas, houve alagamento em dezenas de pontos e o caos implantou-se. Isso foi o que eu, você e a torcida do Corinthians vimos. Menos o secretariado do alcaide. Um deles, acho que o de Vias Públicas, não tenho certeza, teve o desplante de ir ao rádio e dar entrevista para dizer que "não, o rio Tietê não encheu, foi a marginal que não deu conta da água". O locutor disse que o secretário precisava de óculos, mas eu diria mais: precisa de vergonha na cara.




Uma coisa é administrar uma cidade perpetuamente à beira do caos. Quando ocorre uma catástrofe atmosférica, inesperada - foi o caso de terça-feira -, os prejuízos são quase inevitáveis. Outra é fingir que nada aconteceu, é tentar convencer o cidadão, que levou 5 horas pra voltar do trabalho pra casa, que aquelas fotos no jornal são armação.


No momento, quem acompanha o noticiário da cidade, pode notar dois movimentos simultâneos. Num, a prefeitura e mesmo os jornalistas tentam culpar as vítimas pelas tragédias. A administração cortou 20 por cento da verba de limpeza pública, mas a culpa pelos sacos plásticos boiando na enchente é do povo, que joga tudo na rua. Joga, é verdade - mas a prefeitura não tem recolhido o lixo, também é verdade. Outro culpado: os pobres, cujas casas foram destruídas por avalanches (em alguns casos, houve mortes). No Estadão, alguém diz que "as famílias foram avisadas há um ano que a situação era de risco, mas não mudaram". Ou seja: não quis mudar, foda-se. Por que, em vez de construir seu barraco na barranqueira, o sujeito não pegou um terreninho plano, bacana? Vê lá se inundou o Jardim Europa.



Outro movimento é o que, talvez, Gilberto, o Alcaide, ainda não tenha se dado conta. Começou a fritura do prefeito, promovida por aves de bico longo e canto desconhecido. A saída de Andrea Matarazzo, preposto do governador na prefeitura, pode ter sido a última boia que Gilberto teria pra se salvar do tsunami que vem por aí. As merecidíssimas críticas à administração municipal - até pouco tempo sem espaço nos jornais e revistas da cidade, assumidamente ligados ao tucanato - começaram a pipocar. O caos de terça-feira foi o querosene que jogaram na fogueira pra apagar o incêndio. Ou seja...


p.s. Não é que eu esteja minimamente preocupado com o destino político de Gilberto. Mas, assim como aconteceu com o video da Vanusa tropeçando no Hino Nacional, acho que vamos sentir muita vergonha de assistir o espetáculo da fritura. Nenhum dos envolvidos é conhecido por jogar limpo.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Pílulas do doutor Ross


São Paulo pariu uma noite prematura. Desde cedo, as nuvens insistiam em ocultar o sol e cobrir a cidade de água. Como choveu! Nas ruas inundadas, pedestres e sacos de lixo flutuavam, perdidos. E como já virou moda na cidade, basta cair a primeira gota para: 1) o trânsito piorar; 2) os semáforos enlouquecerem e 3) os telefones surtarem. Alguém sabe o motivo de tamanho atraso tecnológico? Que aconteça uma vez, ok. Mas sempre? Os impostos, taxas, tarifas e por foras que pagamos não dão conta dessa tecnologia?


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Vejo na TV uma reportagem com a família da moça de Heliópolis, vítima de uma bala perdida e hipotético pivô do quebra-quebra da semana passada. Como uma daquelas bonecas russas que escondem outra boneca russa, a história da menina morta é uma coleção de tragédias cotidianas. A menina tinha 17 anos, cursava o supletivo e trabalhava pra sustentar a filha de 1 ano e 8 meses. Ou seja, engravidou aos 15! O pai da bebê é um ajudante de pedreiro, com cara de quem só agora pode tirar a carteira de motorista. A mãe da morta veio com a filha do Ceará para São Paulo há 15 anos, deixando lá o irmão gêmeo da moça - um filho abandonado no caminho, uma escolha de Sofia sem glamour de Meryl Streep. E a moça, cuja história repete a de tantas outras iguais a ela, entrou para o noticiário como pivô de uma refrega.


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Gilberto, o Alcaide, bateu o martelo. A próxima parada GLS (e mais todas as letras que queiram somar à sigla, incluindo o A de assexuados e o I de impotentes, que também são filhos de Deus) vai ser mesmo na Avenida Paulista. Cabe aos organizadores evitarem os transtornos deste ano - como a ambulância sem noção, em frente ao MASP, e o policiamento precário. Até onde se saiba, o cigarro não estará proibido no evento.


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"Up, Altas Aventuras" é desenho pra adulto. Fala de amor, morte, ausência, saudade e aprendizado, não importa a idade. Mas as crianças curtem bastante. Talvez elas não captem a trama toda, mas o essencial elas pegam. E tem aquele cachorro bobão, que é uma coisa! Só faltou um vilão mais elaborado.


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Parece complicada a situação da brasileira acusada de matar a filha de 2 anos na Itália. A avó da menininha, uma cabeleireira carioca, está atordoada. "Eu não criei uma assassina", ela declarou aos jornais. Mas quem cria?


sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Lábios que beijei...


Começou a moralização nacional. Chega de bandalheira. Fora, terroristas da moral e e da ética. Fortaleza deu o pontapé inicial da grande virada. Depois de esclarecer todos os casos de turismo sexual envolvendo crianças que abordam visitantes nas praias, a polícia cearense colocou atrás das grades um italiano degenerado, preso em flagrante por ter beijado na boca sua filha de 8 anos. Dizem que o sacripanta também fazia carícias íntimas na menina.


A culpa disso é a TV, vocês sabem. Esta semana mesmo, no Universal Channel, uma das incontáveis reprises de "Law & Order - Special Victims Unit", mostrou o caretésimo detetive Eliot Stabler beijando suas três filhas com um escandaloso selinho nos lábios. Foi aviltante. Deve ser sido inspirado no ator Christopher Meloni que o tal italiano fez o que fez.


Como todo brasileiro sabe - e os brasileiros das capitais nordestinas sabem mais que os outros - bom mesmo é ver criança se prostituindo por 5 reais. Ou caídas, feito zumbizinhos, cheirando cola e fumando crack. Decente mesmo é a mãe que pega a filharada, mais os filhos dos vizinhos, e leva pra alguma esquina, onde as crianças maltrapilhas vão passar o dia pedindo um trocado a quem passa. Algumas delas são mesmo iniciadas nos mistérios do capitalismo e, em vez de esmola, vendem panos de prato. Outras, com dotes artísticos, fazem malabares e até pirâmides humanas diante dos carros. O Brasil sabe mesmo dar exemplo de como incentivar, cuidar e educar uma criança.


O pai que beija a filha é um criminoso. A mãe que serve café expresso para a filha de 5 anos trabalhar como atriz em seriados e novelas, essa mãe é uma batalhadora. O que as notícias não esclarecem é quem denunciou. A família - o italiano é casado há 12 anos com uma cearense e passava férias no Brasil - estava numa praia pública. Mas a polícia brasileira não é internacionalmente conhecida por sua agilidade em coibir atos criminosos. Portanto, alguém botou a boca no trombone. E o delegado, que viu no caso a chance de aparecer bonito no noticiário, meteu o safado no xilindró.


É o Ceará dando o exemplo da moralidade. Começa assim, em casa. Depois, é só aplicar os mesmos princípios severos em funcionários públicos corruptos, em políticos salafrários e em tungadas do governo em cima do nosso bolso. Cara, não é que pode dar certo?