Tenho um entendimento de Fórmula 1 muito próximo do que conheço de Física Nuclear Avançada. Ou seja... necas. Mais ainda: dedico ao "esporte da velocidade" o mesmo interesse febril que tenho por boxe tailandês ou o cultivo de ruibarbos no País de Gales. Mesmo assim, não consegui ignorar o acidente que juntou, a mais de 250 km por hora, a testa de Felipe Massa ao parafuso de Rubens Barrichello. O acidente acompanhado ao vivo pelo mundo inteiro teve de tudo um pouco: drama, comédia, pastelão e ameaça de tragédia. Até o momento em que escrevo, Massa se recupera bem num hospital militar da Hungria. Bom pra ele e pros seus fãs.
Meu interesse, no entanto, recai sobre o dono do parafuso solto, o nosso Rubinho Barrichello. Como não gosto nem me interesso por corridas, atrevo-me a concluir que Rubinho é um bom piloto. Deu azar de despontar depois de Ayrton Senna, tido e havido como um dos grandes no ramo - e morto de maneira trágica, em plena corrida. Mas o assunto é Rubinho: nenhuma escuderia investiria milhões de dólares num roda-presa qualquer. Mesmo assim, o ufanismo verde-amarelo não perdoa: Rubinho é sempre motivo de piada. Mas que ele dá motivo, isso dá.
Rubinho sofre do que eu chamo de Síndrome da Mão na Bunda. Sabe aquele menino chorão, que sentava nas primeiras filas - mas nem por isso tirava boas notas? Aquele menino que era o último a ser chamado pro time de futebol... Que quando havia festinha, era sempre convidado com um displicente "aparece também"... Que, em toda brincadeira mais física dos meninos, era sempre o que mais levava mãozada na bunda? Pois é. Pra mim, era ele.
Rubinho tem sempre uma cara de choro. Está sempre sendo vítima de algum complô multinacional para afastá-lo da corrida. E raras vezes chegou ao topo do pódio - e dizem que, quando chegou, teve vertigem por conta da altura. Frequentemente, ele chega em segundo lugar. Mas um levantamento anunciado pela BandNews FM informa que, na história da Fórmula 1, Rubinho é o segundo colocado em segundos lugares. Agora, vem a história do parafuso. Não foi culpa dele, evidente. Mas que rende piada, rende...
Não conheço o homem Rubens Barrichello, só sei da sua vida o que a Caras mostra de vez em quando. Mas o personagem que se pode criar a partir do que é mostrado nas corridas é estimulante. Se tivesse índole trágica, Rubinho seria Iago, o mais genial vilão criado por Shakespeare. Invejoso, traiçoeiro, ardiloso, Iago põe em movimento a tragédia de "Otelo". Se fosse mais próximo da comédia, haveria sempre uma vaga para Rubinho nas peças de Moliére.
Mas na verdade o que Rubinho é... é um sujeito igual a muitos de nós, que mais perde do que ganha... e que, quando perde, não posa de derrotado olímpico, não: ele chora, como qualquer um de nós choraria.
Somos mais rubinhos do que gostaríamos. Como num poema de Fernando Pessoa, nós adoraríamos ser campeões em tudo, sem nunca ter levado porrada nem ter chorado em público. Queremos todos ser Ayrton Senna, Lewis Hamilton ou Michael Schumacher. Esses, mesmo quando perdem, mantêm o olhar de campeões (isso é uma arte de sobreviver na selva urbana). E, no entanto, rimos do bom que parece fraco - talvez porque "segundo colocado" é o que não chegou a primeiro... Rimos do espelho que Rubinho nos mostra, porque rimos sempre de nós mesmos.
Se não tivesse colocado em risco a vida de Felipe Massa, o parafuso do Rubinho teria sido a grande piada nacional. A malandragem brasileirinha contra a empáfia italiana da Ferrari. O truque escondido no chapéu de palha do Jeca Tatu, capaz de desmontar a cartola dos europeus. O drible torto de Garrincha versus a fofice bem comportada de Kaká. Se não se parecesse tanto com todos nós, Rubinho seria o macunaíma de capacete, herói veloz da nossa gente... E Massa, o menino fofo que deu azar de ficar na frente do parafuso.
p.s. A foto, de minha autoria, foi tirada num shopping center de Hong Kong. Piada pronta.