terça-feira, 29 de junho de 2010

Valeu, Guzik!


Eu pensei em escrever várias coisas sobre o Alberto Guzik, o mix de professor, crítico, jornalista, autor e ator que morreu sábado. Mas tudo, tudo o que eu pensei, ou resvalava num chororô melodramático, ou revelava a pouca intimidade que eu e Guzik tínhamos. Nós nos dávamos muito bem, é bom que se diga. Eu via as peças dele, ele via as minhas, a gente sempre se festejava quando nos encontrávamos. Aliás, ele foi o primeiro incentivador destes olhares loiros, falava pra meio mundo na Praça Roosevelt. Mas não fomos amigos, no sentido mais íntimo da palavra. Calhou de ter sido assim.

Tenho várias imagens guzikianas na minha cabeça - ele no Jornal da Tarde, ele no refeitório do Estadão, ele caminhando com seus glocs pela Rua Augusta... - mas a que ficará mesmo é a de uma palestra que ele deu para o Núcleo dos 10, um conglomerado de candidatos a dramaturgos orientados pelo Luis Alberto de Abreu, e do qual faziam parte Marici Salomão, Beatriz Gonçalves, Nelson Baskerville, Michel Fernandes, Filastor Brega e eu, entre vários outros. Uma noite, o Guzik topou ir até lá e falar com a gente sobre teatro, arte, literatura - assuntos que ele dominava como poucos. Foi um bate-papo lindo, com o Guzik falando do papel de antena que os artistas têm. Da necessidade que a sociedade tem da arte, assim como tem da saúde, da educação e do transporte. Da nossa função e missão nesse formigueiro.

Lembro que, no final, dei carona pra ele. Na conversa, eu falava do dilema entre trabalhar no jornal e escrever teatro, quando ele - diante de um sinal fechado - me olhou sério: "Marinho, nem tente escapar: você é um artista e tem obrigação de levar isso adiante". Foi algo meio assim, forte, sem margem para discussões. Até hoje lembro do tom da voz.

Mas o que eu gostaria mesmo de falar sobre o que foi receber a notícia da morte do Guzik alguém já escreveu. Sergio Roveri postou em seu blog um lindo texto sobre o amigo que partiu. Não ousarei fazer minhas as palavras do Sergio, mas me permito convidar os leitores destes olhares loiros a ler o Só no Blog. O link é http://www.roveriblog.blogspot.com/

terça-feira, 22 de junho de 2010

Tá no fim! Corre!


A temporada paulistana de "Hoje tem Mazzaropi" tá chegando ao final. Acaba domingo, dia 27. Ainda dá pra assistir na sexta (21h30), sábado (21h) ou domingo (20h). O Teatro União Cultural fica na Rua Mário Amaral, 209, próximo ao Metrô Brigadeiro. Tem estacionamento conveniado. E os ingressos custam de 20 a 40 reais.

É uma montagem que me dá prazer assistir, porque o elenco todo - Júlio Lima, Iara Jamra, Dani Mustafci, Maria Carolina Dressler, Silvia Poggeti e Beto Galdino - dá show.

A peça recebeu elogios do Jefferson del Rios, no Estadão, e do Dirceu Alves, na Vejinha. E do Luiz Carlos Merten, em seu blog (leia abaixo).

Apareça lá, será um prazer.



Hoje tem marmelada? Não, Mazaropi!
por luizmerten
Seção: Sem categoria
21.junho.2010 21:50:35
Fico sempre em dúvida se digo ‘a’ Reserva Cultural ou ‘o’ Reserva. Afinal, é cinema, masculino. Fui ontem rever ‘O Profeta’ no Reserva, após o jogo do Brasil. Não havia muita gente – a Copa do Mundo é péssima para o negócio do cinema, mas eu insisto que vocês vejam o filme de Jacques Audiard com Tahar Rahim. Puta filme bom. Já havia gostado (muito) quando o vi em Cannes, no ano passado. Ontem, gostei mais ainda. E como é triste! A solidão do personagem, que consegue unir todo mundo contra, me destroçou, mas o final é ótimo. Não conto para não me acusarem depois de tirar a graça. Estou em casa, e cansado. Corri muito nesta segunda-feira, primeiro para tirar meu visto do México, depois para entrevistar a atriz de ‘Flor do Deserto’. Que que é aquilo? Mulher mais linda, e inteligente, afetiva. Ainda não postei nada sobre ‘Hoje tem Mazaropi’. O novo texto de Mário Viana está no Teatro União Cultural. Não sei se gosto tanto de Mazaropi quanto da representação que fazem dele outros artistas. Havia adorado ‘Tapete Vermelho’, de Luiz Alberto ‘Gal’ Pereira, com Matheus Nachtergaele como um pai que rasga coração para introduzir o filho pequeno no universo de Maza. O texto de Mário Viana agora imagina um primo do cômico e sua filha que não tem um pingo de talento, mas quer ser ‘artista’. Como Mateus Nachtergaele, Júlio Lima cria um Mazaropi marasvilhoso. E o texto é ingênuo na medida certa, jogando com o maniqueísmo de forma inteligente. O próprio Mário Viana estava no teatro no sábado à noite. Trabalhei com o Mário no ‘Estado’. Como autor, adora uma escatologia. Ele definiu ‘Hoje Tem Mazaropi’ com seu texto mais familiar e eu acrescento – ‘em termos’. Numa das cenas, em busca da filha que partiu, Maza, a mulher e a irmã da garota vão parar na fazenda de um coronel que acaba de morrer. Seu filho aparece carregando um ‘trabuco’ no meio das pernas, uma indecência divertida, bem como o Mário gosta. Como o texto é cifrado, cheio de referências – para quem quiser identificar – fiquei pensando se não será, aquele ‘exagero’, por causa de Davi Cardoso, que usava umas calças muito apertadas, com a genitália escancarada. Era um perigo, o cara. Não por isso, claro, mas vejam o espetáculo. É bonito. E o Maza merece, com seu jeca que virou emblema do humor caipira – e popular – brasileiro.

sábado, 19 de junho de 2010

Memórias de Viagem - Saramaguianas


Esta é especial. Em 2007, realizei um sonho nascido quando li "Memorial do Convento" - aquele que sugeri ao meu ex-chefe que me desse, quando me mandou embora. Estive em Portugal e fui visitar o convento de Mafra, o convento do memorial. O prédio cuja construção inspirou o escritor José Saramago é lindo, enorme, megalômano. Mal se consegue imaginar o príncipe dom João puxando terços pelos corredores, enquanto a rainha dona Maria gritava, alucinada, em outra ala. A Carlota Joaquina, princesa, ficava em Queluz, bem longe da família real.

A visita a Mafra - que fica a uma hora e pouco de Lisboa, dá pra pegando um ônibus que sai da estação República do metrô alfacinha - deve ser guiada. Lembro que a guia que nos acompanharia reuniu o grupo - havia vários ingleses e outros anglo-falantes - e avisou: "Vou acompanhar-vos durante a visita, mas nem adianta perguntar-me nada, pois sou agente de segurança e não guia turístico". Não satisfeita em proferir isso em português, a moça traduziu tudo direitinho pro inglês.

O começo foi estranho, mas a visita foi bem legal. Recomendo vivamente - assim como aviso pra não perderem tempo e correrem até a doçaria em frente, onde se fabricam (se não me falha a memória) fradinhos, que são uns doces de gemas d'ovos, amêndoa e toneladas de açúcar. Misteriosamente, não afetam a glicemia de ninguém. Devem ser docinhos bentos.


sexta-feira, 18 de junho de 2010

O evangelista


Eu devia ter desconfiado quando escutei alguém comentar na academia de ginástica: "O Saramago, é?" Onde eu estava com a cabeça para achar que, em pleno dia de revanche sérvia sobre a Alemanha, alguém ia ter cabeça pra pensar em José Saramago se não fosse por um só motivo... Descobri só no fim da tarde, ao chega em casa, que Saramago morreu.


Ok, não dá pra dizer que a morte de um homem de 87 anos, com a saúde frágil, nos pegue de surpresa. Mas que chateia, chateia e muito. Se a gente for pensar na lista de calhordas, malfeitores e escrotos que povoam o mundo, haveria muito mais candidatos ao cargo de morto ilustre de hoje. Só que nem tudo na vida segue uma lógica - aliás, quase nada. Aceita-se e pronto. Com a morte não se discute.


Saramago começou a escrever tarde. Quer dizer, tentou escrever cedo, mas seu primeiro romance é bem meia-boca. Ele mesmo reconhecia. Ao contrário de muita gente que insiste em depurar a própria mediocridade à custa dos leitores incautos, Saramago trabalhou muitos anos como jornalista até criar coragem e, já passado dos 50 ou perto disso, retomar a leitura. A maturidade fez um bem danado ao escritor.


Saramago já era um nome conhecido e ainda não tinha passado por minhas mãos. Eu sou sempre meio lerdo pra conhecer "autores novos". Mas um dia, em 1998, o meu então editor me chamou à sala dele pra me demitir. Acho que fui a primeira pessoa que ele demitiu na vida e isso deixa demitidor bem desconfortável. Eu me mantive calmo - não porque não precisasse do emprego, mas porque não nascera ali dentro e poderia perfeitamente sobreviver fora de lá (o que se provou a mais pura verdade). Tentando me acalmar - quando quem estava nervoso era ele - o chefe disse um tipo de "se eu puder fazer alguma coisa...". Em sua mesa, havia um pacote de livros que ele ganhara do Círculo do Livro e, entre os livros, "Memorial do Convento". Pedi o livro como uma espécie de "lembrança dos bons tempos" e ele nem discutiu. Meu primeiro Saramago veio assim, meio chantagem, meio truque.


Li o livro enquanto fazia um frila pro Estadão, em Foz do Iguaçu. As primeiras páginas causaram estranhamento, o que esse homem tem contra o ponto, meu Deus? Até que entendi o ritmo, comecei a respirar conforme o texto e a 'ouvi-lo' com sotaque lusitano. Saramago tem humor, sonoridade lusa, é uma perfeição de estilo. De lá pra cá, li coisas lindas dele: "História do Cerco de Lisboa", "A Jangada de Pedra", "O Evangelho segundo Jesus Cristo", "Ensaio sobre a Cegueira". Foi um belo reencontro com a literatura portuguesa e que me estimulou a redescobrir muitos autores brasileiros.

Nem tudo o que ele escreveu era bom. As peças de teatro eram barrocas. E alguns romances... enjoadinhos. Saramago virou uma persona, um esquerdista de plantão, o velho sábio da montanha. Mas volta e meia, saía alguma coisa legal. Lembro que, durante o lançamento de "O Evangelho...", ele contou que vira o título ao passar por uma banca de jornal em Sevilha. Alguns passos depois, a ficha caiu, a expressão era o máximo e ele voltou pra reler. Não encontrou nada, mas ficou com o título na cabeça.

Dele, lembro sempre de uma coisa linda que ele escreveu sobre a mulher, Pilar. Disse que valeu a pena ter vivido até depois dos 60, para poder conhecê-la. Ele disse, obviamente, de um jeito mais bonito e poético e é muito bonito. Está nos Cadernos de Lanzarote, caso alguém se anime.

De Saramago basta saber que deixou lindos livros, que soube burilar e mexer com a língua portuguesa. Para quem gosta de escrever e ler, ele foi um dos grandes. Nos dias que correm, isso já é um presente dos deuses.

domingo, 13 de junho de 2010

Doze de Junho



Tem data que fica na memória. 12 de junho, por exemplo, resplandesce no meu diário íntimo. Mesmo que eu quisesse esquecer, o sistema capitalista inteiro se mobiliza pra me lembrar que 12 de junho tá aí, tá chegando, não esqueça, etc etc. Num dia 12 de junho, 29 anos atrás, eu tomei meu primeiro avião. Acho que fazia sol, já não lembro. Mas não esqueço a data e toda vez que escuto uma música do Caetano, tenho uma fuga rápida para o pretérito mais que perfeito. "Minha mãe chorava em ai, minha irmã chorava em ui e eu nem olhava pra trás". No dia em que eu fui embora - de casa e do país - não teve nada demais. A não ser pra mim.



Meu primeiro voo foi para a Europa, a bordo de um avião da Lineas Aereas Paraguayas, a LAP. Naquele século, viajar de avião era chique. Viajar para fora do país era uma coisa. Viajar para a Europa, então, era tipo sonho dourado. Mesmo que fosse a bordo de um avião da LAP. O destino final era Madri, mas a passagem baratíssima dava direito a um percurso de romaria: Campinas (sim, saía de Viracopos) - Assunção - Salvador - Madri. Acho que a viagem durou umas 500 horas, mas era barato e, pra quem tava habituado a ir e voltar de Pernambuco em possantes ônibus da São Geraldo ou da Itapemirim, 500 horas eram bico. Era avião, ora bolas.

A aeromoça falava qualquer idioma, menos português. Acho que não falava espanhol também. Devia ser guarani. Vejam que falta faz a cultura geral. Vai ver, era guarani e por isso ela não entendia quando eu pedia "água". "No compreendo". Meu Deus, como será água em espanhol? O Wanderley, que viajava comigo, remexia nas raízes familiares hispânicas e concluía que água era água. "No compreendo". Deve ser por isso que, atualmente, bebo água feito um camelo toda vez que embarco num avião. Trauma.

Foi nessa viagem que descobri uma coisa fascinante. E assustadora. As asas dos aviões não são inteiriças. São feitas de pedaços que se dobram, abrem, mexem, tudo para fazer o bicho acelerar ou frear, quando pousa. Como eu não sabia disso, levei um puta susto quando o avião pousou em Madri e as asas começaram a se 'desmontar' para todo lado. Profeta da desgraça, eu só acertei em não sair gritando pelo avião, já que ninguém parecia se importar com o fato. Devia ser normal, mesmo que fosse esquisito. Era.

Juro que até hoje, toda vez que o avião pousa, eu olho as asas e lembro disso. Do meu susto. Fico contente em saber que ainda sobrevive em mim o capiau espantado, que saiu da zona norte de São Paulo para a Gran Via de Madri, sem nem imaginar que era verão na Europa e o sol custava a se por. Não falava espanhol, tatibitava no inglês, o francês não chegava ao oui, mon amour. E ainda assim eu embarquei naquele avião da LAP num dia 12 de junho.

Não vou me gabar nem cantar de galo, assumindo uma postura corajosa que nunca existiu. O corajoso desafia os medos e eu acho que nem medo tive. Não fazia ideia do que ia encontrar, ponto. Tava apaixonado, tava com sede de vida e fome de mundo. Minha agenda estava com as páginas em branco e o que ficou escrito nela foi porque uma coisa puxa a outra, a vida não para e tinha razão o Caetano quando cantava que era preciso estar atento e forte. Não havia tempo pra temer nada. Eu era um tropicalista na prática.

Uns meses depois daquele 12 de junho, eu caminhava sozinho por Lisboa, acho que pelo Rocio, no centro. Era noite e eu ia pro metrô, quando resolvi subir a pé a Avenida da Liberdade, olhando os turistas que tomavam seus drinques nos bares do passeio público. E eu sem um puto no bolso, a não ser o bilhete do metro. Havia muita estrela no céu - o céu de Lisboa é uma coisa inesquecível, de dia ou de noite, o motivo eu não sei, só sei que é. E eu, sozinho ali, cantarolando "Mamãe coragem", do Caetano. "A vida é assim mesmo, eu fui embora" e andava. "Eu vim, eu quis, eu fiz, seja feliz, mamãe, não chore". E eu chorei. A gente sempre chora no próprio parto.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

O Simba Safári da Paulista




E eis que rolou mais uma parada ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUWVXZ (eu sempre erro a sigla, então já tasco o alfabeto inteiro, vocês escolhem). A Paulista e a Consolação ficaram tomadas, gente de todos os sexos se beijava adoidado - houve alguns casos até de beijos em trios e quartetos, e a música eletrônica mandou ver o tempo todo. Aprendi a lição do ano passado e desta vez fui totalmente franciscano: grana espalhada por vários bolsos, o celular guardado em casa e radar ligado pra qualquer aperto mais forte que algum amasso por interesse. Deu certo.




Desta vez, fiquei também mais ligado nos trios elétricos. Alguns, como o do Casarão, mereciam um prêmio: todos os participantes estavam animadíssimos e fantasiados de lordes franceses ou algo que o valha, tudo branco. Dava um efeito legal na avenida, à luz do sol que se mostrou um simpatizante de primeira. O segundo carro a merecer aplausos foi o da drag Saletti Campari, a eterna Marilyn Monroe de Campina Grande. Agitada e agitadora, Saletti arregimentou a ex-prefeita Marta Suplicy, o apresentador Leão Lobo e atrizes do elenco de "Viver a Vida". Acho que foi o único carro (dos que eu vi) que tinha celebridade no topo. Os outros transportaram anônimos mesmo - e isso sempre foi o grande barato da parada paulistana: a festa é dos desconhecidos, dos comuns, dos eus e vocês.


O problema é quando os comuns são mal escolhidos. Vamos combinar uma coisa. O nego ganha um passe livre pra acompanhar a parada do alto de um trio elétrico e desfila pela avenida Paulista com expressão de quem está assistindo um torneio de gamão em Helsinque. Nem um sorriso, uma requebradinha que seja. Nada. O popular olhar de peixe morto, vocês lembram? Eu fico impressionado com isso.


Não acho que todo mundo deva sair pulando feito uma minhoca epilética a cada Lady Gaga ou Madonna... mas caramba, nem I Will Survive anima esse povo do alto dos carros. Em geral, são passageiros de carros bancados pela iniciativa pública - prefeitura, sindicato... São pessoas que parecem estar lá porque foram obrigadas. Será que alguém é obrigado a subir em trio elétrico?


Mas isso nem é o pior. O desagradável mesmo é quando o peixe-mortismo do olhar é substituído por uma certa abordagem antropológica. Lá do alto, eles olham a patuléia que - no asfalto - dança, canta, se beija e se embebeda de vinho Sangue de Uva (eu reparei no rótulo), enfim, a turma do trio olha a galera do asfalto como se visse uma manada de seres exóticos. Agem como se estivessem no Simba Safári, percorrendo devagar o reino das suricatas. Destinam aos anônimos pedestres um olhar de desdém, com se estranhos fossem os que vão à parada para se divertir.


Se alguém tiver acesso à organização da parada, pede pra eles serem mais seletivos na hora de distribuir o bilhete único dos trios. Quem quer fazer carão e pose de esnobe, que fique em casa. Ou no mesmo andar que a patuléia. Quem sabe a alegria contagie.