quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Votos válidos


Deve ser por causa do facebook. Ou do twitter. Mas que tem influência das redes sociais nisso, tem. Há vários pleitos não se via um pessoal tão engajado na campanha eleitoral. Tiro isso por meus amigos - de todos os credos políticos. Estão todos empenhadíssimos na torcida por seus candidatos, a quem defendem com zelo de mãe italiana. Eu mesmo preciso me controlar pra não entrar em todas as discussões políticas, pra não correr o risco de perder um ou outro amigo - nem todo mundo leva na esportiva frases mais empolgadas como "por que você não enfia esse seu candidato no rabo?".

Acho que minha última participação efervescente numa campanha foi em 89, quando Fernando Collor disputou e levou a taça ambicionada por Lula. Lembro que, no dia seguinte à eleição, já com a apuração dando a vitória de Collor, fui trabalhar todo vestido de preto, luto total , fossa absoluta, meu mundo caiu, etc etc. Com o tempo, a euforia foi cedendo lugar ao comodismo e, se tenho meu candidato, o amigo tem outro, e assim se leva a vida.

Mas confesso que fazia falta um frissonzinho. É muito triste quando as pessoas decidem o rumo que o país vai tomar nos próximos anos com o mesmo frêmito de quem opta por água com gás ou sem no restaurante self-service. Vejam, não estou dizendo que Dilma é melhor que Serra ou que Marina dá de dez nos dois. O que digo é: vale a pena ver os olhos brilhando tanto nos dilmistas quanto nos serristas - e até nos marinistas, quando eles param de olhar embevecidos pra plantação de alface.

Só não acho legal neguinho colocar tudo em risco - amores, amigos - por causa de um voto. Tudo na vida é possível de discussão sensata, sem precisar partir pras ignorâncias. Muitas vezes senti-me colocado à parte em algumas listas de candidatos com quem não me filio... e confesso que já bloqueei um ou outro mais radical, pelo menos por meia hora. Depois volto atrás e desbloqueio a figura. Mas decidi que só estico a conversa política com quem tem bom senso: fulana é lésbica, sicrano roubou a avó, quem não vota em beltrano é uma anta leprosa... Se houver sombra de argumento assim, eu pego meu chapéu e me retiro. Paro de ler as bobagens e dou finalidade mais útil ao meu tempo.

Domingo vai rolar mais uma eleição. Festa da democracia, como diz a nada democrática Rede Globo. Pra mim, que acho muito legal votar e detesto viajar em feriadão, vai ser dia de festa mesmo. Depois, serão 1.460 dias torcendo pra termos um bom governo, pra rolar um festival de ética, pra finalmente a coisa ter o jeito que ainda não teve como devia.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Dois irmãos de elite 2



Reconheço que foram experiências bem distintas diante da tela: o filme argentino "Dois Irmãos", de Daniel Burmán, e "Tropa de Elite 2", do José Padilha (vi também "Eu matei minha mãe", de um garoto canadense bem talentoso, mas não entra nesta análise). Enquanto o dos argentinos toca uma espécie de opereta bufa e, ao mesmo tempo, carinhosa com seus personagens, o arrasa-quarteirão brasileiro é puro rock'n roll.


Poderíamos retomar a ladainha que tenta explicar o sucesso dos filmes argentinos, usando um argumento que eu mesmo defendo: os filmes dos portenhos tratam de pequenos dramas cotidianos, retratam personagens comuns, de uma classe média esmagada entre o sonho inalcançado de uma vida mansa e as mordidas no calcanhar dadas pelos cães da pobreza.


O diretor Ricardo P. Silva me alertou pra um dado: nós também temos nossos filmes sobre a classe média. O problema é que e eles raramente atingem um grande público, a não ser quando ancorados numa produção da Globo Filmes - caso de "Se eu fosse você" e outros dirigidos por Daniel Filho. Pode haver exceções, como os trabalhos de Laís Bodansky ("Chega de saudade", "As Melhores Coisas do Mundo"), mas geral os filmes brasileiros sobre a classe média só fazem sucesso mesmo na televisão.


Isso, acho eu, tem uma explicação histórica. Desde o Cinema Novo, sofremos no Brasil de um Complexo de Glauber Rocha. Todo cineasta brazuca quer ser genial, definitivo, épico. Pode reparar, primeiro filme de um cara tem uma avalanche de histórias. Em entrevista, Daniel Burmán disse que uma de suas influências é o francês François Truffaut, mestre do filme que se prendia em detalhes deliciosos e, de lá, construía um mundo. O cinema brasileiro parece ter optado pelo mega-evento e acostumou o público a isso.


Brasileiro que gosta de histórias sobre a classe média recorre à televisão. Ela, sim, em seu caminhar histórico, desenvolveu uma excelente técnica narrativa voltada toda em torno da classe média. Nossas novelas desbancaram o receituário cubano de melodramas, aproximou o telespectador, soube retratá-lo com primor. É bem verdade que, de uns tempos pra cá, algum iluminado das altas cúpulas televisivas decidiu que o bom mesmo é fazer novela à mexicana, mas isso é outra história. Pensando nas qualidades de nossa teledramaturgia, abordamos assuntos contemporâneos - de homossexualismo a doação de órgãos -sem deixar o romance de lado. Avançamos tecnicamente também, criamos narrativas mais ousadas - os tempos misturados de "O Casarão", a novela inteira passada em uma só noite de "O Rebu", o realismo fantástico de "Saramandaia". Seja nas caretas ou nas ousadas, o personagem que conduz a trama é sempre saído da classe média.


Cinema brasileiro é outra pegada. Cinema brasileiro que atrai públicp é o que trata de grandes eventos. Caso de "Tropa de Elite 2". José Padilha é um ótimo diretor, daqueles que procura bons parceiros para se apoiar. O roteiro desse filme tem o luxuoso nome de Braulio Mantovani e o elenco só traz feras dispostas a fazer o melhor possível. É um filme tenso, bem feito, firme e que consegue uma façanha rara: aprofunda ainda mais os personagens do primeiro filme. Em quase todas as sessões, os ingressos se esgotaram. Entusiasmado, o público aplaude no final, como se aprovasse a lavagem de roupa suja exibida na tela. "É um filme que mostra a realidade", foi o comentário de muita gente . Nesse ponto, o espectador do filme distancia-se do que vai ao teatro e opta por comédias. "Não vou pagar pra sofrer", dizem. No cinema, eles pagam, sofrem, vingam-se e aplaudem no final. Mas há outros filmes que retratam a realidade e que caíram no vazio. O que agrada em "Tropa" é o super-espetáculo.

Os vários exemplos de filmes argentinos que chegam até nós mostram uma tendência oposta no país vizinho. Interessante, também, é notar que o cinema argentino toca em feridas que os brasileiros já deixaram de lado, como os efeitos da repressão política sobre a vida dos cidadãos. Mas até mesmo nisso, eles apostam na tendência da 'história mínima': em vez de grandes reconstituições históricas, mostram o que aconteceu com quem viveu a época dura da repressão. Tivemos nossos bons exemplos, também, mas a 'moda' no cinema nacional é mesmo retratar os pobres do sertão, muitas vezes de uma maneira admirada por eles serem tão éticos e bacanas. Ou então reunir meia dúzia de atores da TV e refazerem histórias que a própria TV levou de melhor forma - "Quincas Berro d'Água" e "Primo Basílio" são dois exemplos.

Seja como for, "Dois irmãos" e "Tropa de Elite 2" são dois ótimos filmes, que merecem ser vistos. E jamais comparados... (Mas quem for ao argentino, diga se estou errado: o casal protagonista é a cara de Gloria Menezes e Ary Fontoura!)

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Urubus, rasguem minhas fantasias...



Essa, acho que só os sócios do Clube do Lípitor vão lembrar : nos anos 60, o folgado papagaio Zé Carioca tinha como companheiro de aventuras nos gibis um simpático e azarado urubu, o Nestor. Depois disso, o urubu só frequentou alguma coluna cultural quando o Premê (outra pro Clube do Lípitor!) fez uma música sobre a ave que se apaixonava por uma asa delta. Ou seja, além de pouco frequente, o urubu só entrava no mundo das artes como um personagem de pouca sorte e inteligência reduzida. Agora, graças ao artista plástico Nuno Ramos, o urubu conquistou um lugar ao sol da cultura oficial.

Convidado para criar uma instalação na Bienal de São Paulo, Nuno apareceu com um projeto esquisito: um viveirão, que ocupa o vão dos três andares do prédio no Ibirapuera. Dentro, umas plataformas, umas carniças e três urubus, que ignoram solenemente os visitantes e dão seus volteios pelo espaço que lhes cabe. Sinceramente, como obra de arte, não achei grande coisa. Como manifestação do artista, também não entendi o que significa. Mas o fato é que a gaiolona está lá, os urubus idem - e toca o barco, porque esta Bienal tem muita coisa pra ver.

Acontece que ecologistas e ministério público se associaram na campanha pela libertação dos urubus. Alegam que as aves estão sendo maltratadas. Não parecia. Nuno - a quem não conheço - disse que os bichos são de laboratório, inaptos para enfrentar a vida como ela é. Os ecologistas e os funcionários do ministério público dizem que isso não se faz com as coitadas das aves, etc etc. Até o momento, parece que a Bienal terá de esvaziar a gaiola e despejar os urubus.

Estaria tudo nos conformes, caso os ecologistas não decidissem partir pra chamada ação armada e invadir a Bienal, sábado passado, munidos de cartazes, correntes e improvisados megafones de cartolina. Armaram um tremendo berreiro na exposição, atrapalhando a vida de quem só queria ver os desenhos "terroristas" do pernambucano Gil Vicente - aqueles que a OAB queria tirar da exibição - ou a excelente sala dedicada a Wesley Duke Lee e outras boas obras.

Não me contive e, no mesmo volume dos manifestantes, gritei que respeitassem o trabalho do Nuno Ramos. "Isso não é arte!", me responderam. "Nem isso que vocês fazem é manifestação decente", respondi, já sem ânimo de continuar o bate-boca. Desanimei de vez, assustado feito uma reginaduarte, quando uma das catifundas ecologistas berrou: "Cadeia pro Nuno Ramos!" Aquilo me chocou. Então, se a obra de arte não agrada os caminhos são proibição e cadeia pro artista? Defendo integralmente o direito dos ecologistas de se manifestar contra o trabalho na Bienal - mas se eles apenas se acorrentassem, com os cartazes (feios), acho que teria um efeito de revolta mais eficiente. Os gritos, francamente, eram muito chatos.

Mas não posso concordar com quem acha que o artista deve ir pra cadeia por causa de um trabalho desagradável. Tenho lá minhas dúvidas se aqueles manifestantes já tinham alguma vez entrado numa bienal. Se tiveram a mínima preocupação em percorrer os andares e ver que há muita bobagem, mas também muita coisa bacana exposta - a melhor, pra mim, é uma casa de favela, com portas e janelas cobertas por capas de livros muito significativos da geração que protestava com causa definida (tem Ana Cristina C., Torquato Neto e outros).

Acho mesmo que os defensores dos urubus - que, repito, não parecem maltratados, mas eu não tenho a menor intimidade com esses bichos, assim como quase todo mundo... - devem dar sua opinião na sociedade. Mas sou totalmente avesso a essas manifestações de fascismo disfarçadas de bom mocismo. Saí da Bienal muito intrigado com os rumos que as pessoas dão ao seu direito de emitir opinião.