terça-feira, 5 de outubro de 2010

Urubus, rasguem minhas fantasias...



Essa, acho que só os sócios do Clube do Lípitor vão lembrar : nos anos 60, o folgado papagaio Zé Carioca tinha como companheiro de aventuras nos gibis um simpático e azarado urubu, o Nestor. Depois disso, o urubu só frequentou alguma coluna cultural quando o Premê (outra pro Clube do Lípitor!) fez uma música sobre a ave que se apaixonava por uma asa delta. Ou seja, além de pouco frequente, o urubu só entrava no mundo das artes como um personagem de pouca sorte e inteligência reduzida. Agora, graças ao artista plástico Nuno Ramos, o urubu conquistou um lugar ao sol da cultura oficial.

Convidado para criar uma instalação na Bienal de São Paulo, Nuno apareceu com um projeto esquisito: um viveirão, que ocupa o vão dos três andares do prédio no Ibirapuera. Dentro, umas plataformas, umas carniças e três urubus, que ignoram solenemente os visitantes e dão seus volteios pelo espaço que lhes cabe. Sinceramente, como obra de arte, não achei grande coisa. Como manifestação do artista, também não entendi o que significa. Mas o fato é que a gaiolona está lá, os urubus idem - e toca o barco, porque esta Bienal tem muita coisa pra ver.

Acontece que ecologistas e ministério público se associaram na campanha pela libertação dos urubus. Alegam que as aves estão sendo maltratadas. Não parecia. Nuno - a quem não conheço - disse que os bichos são de laboratório, inaptos para enfrentar a vida como ela é. Os ecologistas e os funcionários do ministério público dizem que isso não se faz com as coitadas das aves, etc etc. Até o momento, parece que a Bienal terá de esvaziar a gaiola e despejar os urubus.

Estaria tudo nos conformes, caso os ecologistas não decidissem partir pra chamada ação armada e invadir a Bienal, sábado passado, munidos de cartazes, correntes e improvisados megafones de cartolina. Armaram um tremendo berreiro na exposição, atrapalhando a vida de quem só queria ver os desenhos "terroristas" do pernambucano Gil Vicente - aqueles que a OAB queria tirar da exibição - ou a excelente sala dedicada a Wesley Duke Lee e outras boas obras.

Não me contive e, no mesmo volume dos manifestantes, gritei que respeitassem o trabalho do Nuno Ramos. "Isso não é arte!", me responderam. "Nem isso que vocês fazem é manifestação decente", respondi, já sem ânimo de continuar o bate-boca. Desanimei de vez, assustado feito uma reginaduarte, quando uma das catifundas ecologistas berrou: "Cadeia pro Nuno Ramos!" Aquilo me chocou. Então, se a obra de arte não agrada os caminhos são proibição e cadeia pro artista? Defendo integralmente o direito dos ecologistas de se manifestar contra o trabalho na Bienal - mas se eles apenas se acorrentassem, com os cartazes (feios), acho que teria um efeito de revolta mais eficiente. Os gritos, francamente, eram muito chatos.

Mas não posso concordar com quem acha que o artista deve ir pra cadeia por causa de um trabalho desagradável. Tenho lá minhas dúvidas se aqueles manifestantes já tinham alguma vez entrado numa bienal. Se tiveram a mínima preocupação em percorrer os andares e ver que há muita bobagem, mas também muita coisa bacana exposta - a melhor, pra mim, é uma casa de favela, com portas e janelas cobertas por capas de livros muito significativos da geração que protestava com causa definida (tem Ana Cristina C., Torquato Neto e outros).

Acho mesmo que os defensores dos urubus - que, repito, não parecem maltratados, mas eu não tenho a menor intimidade com esses bichos, assim como quase todo mundo... - devem dar sua opinião na sociedade. Mas sou totalmente avesso a essas manifestações de fascismo disfarçadas de bom mocismo. Saí da Bienal muito intrigado com os rumos que as pessoas dão ao seu direito de emitir opinião.

7 comentários:

  1. O que é Clube do Lípitor?

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  2. Prezada jovem Eliane, lípitor é um medicamento indicado pra quem tem problemas de colesterol alto. Em geral, é remédio usado por maiores de... hã... enfim, por gente mais experiente. Não é o seu caso.

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  3. Os urubus se foram e eu não vi!!! Pensando bem... Cansei de ver urubus em Little Tower. A única arte deles está no voo. Uma coisa perfeita!! Então não perdi nada. Que inveja desta menina aí de cima. Não tem a menor ideia do que seja líptor!

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  4. É a ditadura do politicamente correto. Tipo um senso-comum elitista. Veja a discussão dos animais proibidos no circo, mas continuam no rodeio, na polícia, na TV, nos filmes.

    Saudades, mestre.

    Abs

    Cauê

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  5. Gran Cauê, nosso posto avançado em San Francisco! E o que dizer das bestas que continuam uivando na política? Ai, J'sus!

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  6. Mário e Ana, em meio a um dia de trabalho no meio do feriadão, foi uma alegria ser chamada de jovens por vocês, embora a verdade, nua e crua, é apenas a de que, apesar da minha idade provecta, eu não tenho colesterol alto...

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  7. Mário:
    Em virtude das filas imensas
    desse final de semana prolongado,
    não tive paciência de entrar na Bienal...
    Mas sei q vc deve ter toda a razão: há
    obras q merecem ser vistas por todos!
    Pena q a do Nuno não terei mais essa chance!
    E sobre o direito das pessoas se manifestar, nesse período de disputa eleitoral, fico enjoado!
    Parece luta livre! Par ou ímpar, cara ou coroa!
    Nossa realidade não se restringe a dois times torcendo/lutando/ digladiando-se!!!!!
    Os excessos dessa disputa polarizada são de todos os lados!
    bjs
    Maurício
    Melllone

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