segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Um presente pra SP


Entre trabalhos e chuvas, rola o feriado pelo aniversário de São Paulo. Se o clima der um tempo, vai ter show de MPB no Ipiranga, apresentações disso e daquilo no Anhangabaú, não haverá engarrafamento e quem chegar pela primeira vez hoje a esta cidade, vai achar que São Paulo é suave e acolhedora. Acolhedora, ela é, recebe todo mundo, abre espaço e adota. Mas não é fácil, nem a recepção é das mais calorosas. Imagino que São Paulo fascine e assuste.

Quem nasceu no pós-rio, que nem eu, em bairros que até hoje são distantes, São Paulo era isso, misturava fascínio e temor na mesma figurinha. Seduzia e apavorava, com seus códigos, sinais, atalhos. "A cidade", era assim que falávamos, "a cidade engolia". Mudei de margem no rio, estou a dois passos da Paulista e a cidade continua me seduzindo. Casamento antigo, de amantes que se conhecem, enjoadinhos, mas sempre gostam de se encontrar. Outras paixões cruzam pelo caminho - de Recife a Istambul - mas sempre se volta para os braços abertos do velho lar. Aqui é o berço e o mapa do meu entendimento.

Acordei pensando que era aniversário de São Paulo e eu não tinha comprado nada pra dar de presente. Que presente dar a uma cidade? À minha cidade? Um prefeito melhor, talvez. Mas prefeitos passam - e, no fim das contas, ele foi escolhido pela maioria dos moradores da cidade. Um povo que escolha melhor, pode alguém dizer, mas não sei. É esse povo, que desentende, que erra e suja, que briga e afaga, que corre de um lado pra outro, é esse povo que dá liga à cidade. Deixa o povo.

Podia melhorar o trânsito e o transporte público, mas a foto de 1937, feita na Praça da Sé, mostra que esse problema é antigo... Podia melhorar o clima, deixar tudo mais iluminado, mais limpo, mais sem enchentes, mais... Há tanto pra fazer aqui. Cansa, mas estimula. Não fechamos a conta, manda vir mais uma. A festa segue.


Descobri que São Paulo era definitiva em mim quando fui a Palmas, Tocantins. Na época, uns 20 anos atrás, Palma era um arruamento de barro vermelho, com um palácio do governo no centro. Quem morava lá tinha ido pra ganhar dinheiro. Fazer a vida. A ligação entre eles e entre eles e a cidade recém-nascida era mínima, zero. Entendi ali que as pessoas de uma ou duas gerações anteriores à minha sentiam por São Paulo.

Aqui era o terreno pra fazer a vida, criar família, crescer os filhos. Não era lugar de se gostar. Acho que o amor pela cidade - em linhas gerais, obviamente - nasceu a partir da minha geração. Hoje, é mais fácil encontrar quem goste de verdade desta cidade. Que reconheça os defeitos e problemas, mas nem por isso a abandone.

Sem essa de "I love SP", a coisa é à vera. São Paulo é mais São Paulo quando mistura tudo: o sushi man é do Crato, o evangélico faz marcha pra Cristo no mesmo dia que os gays invadem a Paulista, o palmeirense fanático faz uma serenata pra corintiana roxa... São Paulo faz aniversário e a essa altura do dia já deve ter rolado a cena vexatória do bolo gigante desfeito em minutos por uma multidão de famintos e mal-educados. São Paulo é mais que isso: São Paulo sou eu e é você que me lê, em qualquer canto do país. São Paulo é um estado de espírito.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Panorama Teatral -

www.panoramatapa.blogspot.com

Grupo TAPA lança PANORAMA DO TEATRO BRASILEIRO - 2º Geração
Em 35 dias serão apresentadas 7 peças da dramaturgia nacional em 41 sessões
Em 2009 o Grupo Tapa completou 30 anos de história. E além de continuar produzindo novas montagens e revisitando seu repertório, também fomenta grupos e artistas que desenvolveram trabalhos próprios a partir de sua vivência no grupo, formando assim uma 2ª geração.
Depois de 15 anos da primeira edição do Panorama do Teatro Brasileiro (projeto vencedor do Grande Prêmio da Critica da Associação Paulista de Críticos de Arte -APCA- em 1995), o grupo retoma a proposta realizando uma mostra com sete peças de grandes nomes da dramaturgia nacional: Artur Azevedo, Jorge Andrade, Mário Viana, Nélson Rodrigues e Oduvaldo Vianna Filho (Vianinha).

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Dona Lindu e as nuvens


Fui ao cinema assistir à história de um nordestino que saiu de seu sertão natal, veio pro Sul Maravilha, venceu na vida e ganhou o mundo. Forçando um pouquinho, a sinopse poderia servir tanto a "Lula, o Filho do Brasil" quanto a "O homem que engarrafava nuvens". O primeiro é uma ficção biográfica com ares de documentário e o segundo, um documentário editado com criatividade de uma boa ficção. A diferença é que o segundo emociona.

Pra alegria da imprensa que cria aves de bico comprido, "Lula" está fazendo água nas bilheterias, pelo menos nas salas de público classe média, o mais avesso ao personagem do título. O filme ainda não chegou às camadas populares, com ingressos subsidiados, mas já animou s camelôs piratas. Mesmo assim, está longe de ser 'acusado' de ter caído nas graças da platéia.

Os anti-lula comemoram, como se o filme fosse um veículo de propaganda da candidatura Dilma. Afinal, até o New York Times afirmou isso outro dia. Isso não é dar poder demais a um filme, não? Será que alguém vai sair do cinema tão fascinado pelo que assistiu que mudará os destinos do país através do voto direto? Gente, eu adoro cinema, mas não acho que a sétima arte tenha essa bateria toda, não. Uma novela, que está todo santo dia martelando na cabeça do indivíduo, tem mais chance de 'fazer a cabeça'. E mesmo assim...

"Lula", o filme, está fazendo água porque é ruim. É fraco. Tem um personagem com uma trajetória fascinante nas mãos, mas desvia o foco, disfarça a direção do tiro e acaba acertando o vazio. O filme começou errado pela escolha do diretor. Fábio Barreto não deixa sua marca, não conduz os atores, não dá personalidade ao filme. E, pior, não salva - ou quem sabe, até sublinha - os pontos fracos do roteiro.

A idéia por trás de "Lula" é clara: ganhar dinheiro. Isso não é pecado, nem feio. E justiça seja feita, os Barreto não negam intimidade com o cinema. A produção é caprichada, há ótimos atores em cena, alguns atuando muito bem, como Gloria Pires. Mas falta alma ao filme. Se a ideia foi misturar a trajetória biográfica de Lula (admirável, sob vários aspectos, independente do que se ache dele como político) ao poder emocionante de "Dois filhos de Francisco", lamento informar, mas a receita desandou.

Não é preciso ser Einstein pra saber o motivo. Há sérios problemas de dramaturgia no roteiro de "Lula" - e, os gênios da direção que me perdoem, mas um bom roteiro é fundamental. "Francisco" tinha seu eixo na luta de um pai para transformar os filhos em cantores de sucesso. Há uma saga, há um objetivo, a platéia acompanha aquilo passo a passo. Em "Lula", pra não contar diretamente a história interessante do presidente, optou-se por uma via alternativa, a luta de dona Lindu, sua mãe. Com isso, o personagem Lula esvaziou-se, ficou frouxo na tela... e a mãe não cresceu.
Sertaneja, mãe de uma penca de filhos, maltratada pelo marido alcoólatra, dona Lindu era antes de tudo uma forte. E passou essa determinação para o filho, com diálogos edificantes no leito de morte... Ok. Mas no filme, em nenhum momento, dona Lindu arregaça as mangas e diz: "Luís, agora tu vai ser torneiro mecânico... depois, tu vai ser deputado... oxente, menino, já pensasse em ser presidente?"

Não, não. Dona Lindu apenas queria criar os filhos com honestidade e decência, como boa parte das mães. Dar-se bem, pra ela, poderia ser ver o filho com casa própria, telefone e família encaminhada. O resto seria lucro. Talvez até ela nem quisesse que o menino se metesse nessas confusões de política... No filme, Lula cresce bom rapaz, tem uma noitada de bebedeira (que poderia render uma ótima discussão, já que traria de volta a imagem do pai pinguço, mas não...) e logo vira sindicalista e, dali a pouco, presidente. Dona Lindu, a protagonista, morreu antes disso. Não há saga, não há herói, o filme perde o eixo...

É preciso entender que o público consagrou "Dois filhos de Francisco" não somente porque era a história de uma dupla sertaneja de sucesso, mas porque havia uma história mesmo a ser contada no filme. Em nenhum momento, há cenas embaraçosas como os diálogos românticos de Lula com suas duas mulheres ou nas últimas palavras do pai, correndo mar adentro, "não me deixa, Lindu". Constrangedor.

"O homem que engarrafava nuvens", se peca pela duração um tanto extensa, se consagra pela sinceridade. É a história de um personagem pouco conhecido, o letrista Humberto Teixeira, parceiro de Luiz Gonzaga em diversos clássicos da música brasileira. É também uma maneira da filha do personagem (a atriz Denise Dummont, que produziu o filme) tentar descobrir algo mais sobre o próprio pai. Acompanhamos Denise nas entrevistas e nas descobertas. Descobrimos junto com ela. Há uma trajetória ali, uma revelação - ah, o velho Aristóteles tinha razão, quando escreveu "Poética"...

Assim como "Dzi Croquettes", "O homem" é um filme feito por uma filha a propósito do pai. É uma aula prática de história do Brasil, da relação da segunda guerra com o baião, e de como a asa branca levou à tropicália... Há um momento genial no filme, quando revela-se a teoria de Raul Seixas: Bob Marley criou o reggae, na Jamaica, depois de ouvir um disco de Luiz Gonzaga. Viagem total, claro, mas muito divertida.
Não bastasse o bom personagem, o documentário tem números musicais esplêndidos. Chico Buarque canta Kalu... Gal e Sivuca... Mutantes... Ouve-se Miriam Makeba cantando um baião... e uma japonesinha cantando uma versão de Paraíba, sensacional. Lenine, Caetano (que não precisava cantar "Terra", mas...), Bebel Gilberto... O filme mostra que a música brasileira é mais que trilha sonora de nossas vidas, ela retrata e conduz, integra-se ao momento e avança. Em suma, "O homem que engarrafava nuvens", o título de filme brasileiro mais poético dos últimos anos, merece muito ser visto.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Dona Zilda


Por um instante, tive a impressão que o Luiz Megale, da Band News FM, estava com a dicção péssima. Zilda Arns, vítima do terremoto no Haiti? Zilda Arns vivia batendo perna por aí, eu sei, agitando a Pastoral da Criança, pintando e bordando pra ajudar as pessoas carentes, fazendo aquele tipo de ação que tá meio fora de moda e não rende foto em revista de celebridade. Mas... Haiti? Tirando os soldados, que são obrigados, e o Nelson Jobim, que é exibido, quem mais vai pro Haiti por vontade própria? Acho que nem o Caetano foi, quando compôs aquela música dele... "Haiti", ora pois.

Zilda Arns foi. Estava lá a trabalho. Pouco antes do terremoto, estava na embaixada - que sofreu com a tragédia, mas não ruiu. A morte de dona Zilda choca, chateia e nos deixa assim com uma cara de quem - caso encontre Deus no elevador ou na padaria - vai dizer umas boas verdades. Se bem que Ele já deve estar ouvindo umas e outras da própria Zilda - sem arroubos, sem escândalo, mas direta. "Francamente, Deus, isso lá é hora?"

Nunca encontrei dona Zilda nem tenho experiências edificantes pra relatar sobre ela. Uma vez, em 2002, quase a entrevistei, mas o frila rodou e a entrevista foi pro espaço. Tinha dela a mesma boa impressão que todos os brasileiros - livres de qualquer amarra ideológica nessa hora. Zilda era do bem, se podemos resumir assim tão brevemente.

Devia ter seus defeitos, ai dela se não os tivesse. Seus momentos de impaciência e suas teimosias. E daí? Nós também temos as nossas e não saímos fazendo boas ações pra deus e o mundo. Na minha cabeça, dona Zilda era e sempre foi a irmã do dom Paulo Evaristo. Da família, foi ele quem eu 'conheci' primeiro, pelos noticiários e pela admiração crescente. Junto com o rabino Henry Sobel e com o reverendo James Wright, dom Paulo foi o lastro de moralidade cívica que nos manteve à tona nos anos do regime militar.

No tempo de dom Paulo - que pertencia à hoje atacada e ridicularizada corrente da Teologia da Libertação - a Igreja desceu do pedestal, Jesus veio à Terra e Nossa Senhora catou lixo com os pobres. Era uma igreja crível, mas as forças da repressão - abençoadas pelo papa, aliás - mandaram brasa. Dom Paulo foi aposentado e calou-se. Contestar saiu de moda. E o homem, na necessidade brutal de algo que explique o inexplicável, preferiu apelar para um Deus etéreo, transfigurado em livros de auto-ajuda e padres-orelhudos-cantores.

De certa maneira, dona Zilda era a memória viva do tempo em que Paulo Evaristo botava pra quebrar. Mas ela só começou a aparecer depois, bem depois... Dela, sabia-se pouco. Ou eu sabia pouco. Sempre achei que fosse freira. Tinha carinha de freira. Não era. Parece que teve 3 filhos. Que importa o que eu sabia ou não de Zilda Arns? Vou ficar sabendo agora, com os noticiários infinitos. Talvez até a Caras publique alguma coisa sobre ela, numa página que sobrou entre o câncer da apresentadora e o novo namorado gay da atriz lésbica.

Zilda Arns parecia decidida, determinada e coerente. Tão coerente, que não morreu em Paris ou a caminho de uma convenção sobre miseráveis em alguma capital da Europa rica. Estava em Porto Príncipe, sujando o pé na lama e vendo o miserê que reina no país mais pobre das Américas.

País maroto, meia ilha (dividida em condomínio com a República Dominicana), o Haiti roubou a cena de Los Angeles: enquanto todo mundo esperava o Big One, o terremoto que vai transformar a Califórnia num poeirão só, Haiti veio pelo acostamento e entrou de sola na desgraceira. Destruiu o que nem construído estava. Matou quem já vivia abaixo da linha da miséria. Oficializou-se a ruína que o país tinha virado muito antes que qualquer pedacinho de terra tremesse.

Zilda Arns estava lá, viu tudo isso e levou, para uma hipotética vida eterna, a imagem dos pobres que ela passou a vida tentando ajudar.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

A dor na contramão


Existe algo de subversivo em sofrer no momento que todos comemoram. Ou melhor: instala-se um terrorista dentro de nós, uma dor-bomba que ameaça explodir tudo que seja sinônimo de alegria ao redor. Sempre pensei nisso quando passava em frente a um cemitério em dia de feriado. Senti na pele, quando caminhava para a igreja, para a missa de sétimo dia de minha mãe, em meio ao foguetório pela vitória da Seleção numa semifinal da Copa. A imagem da jovem negra, circulando perdida entre os caixões da família no enterro coletivo realizado em Angra dos Reis, no primeiro dia do ano, foi chocante o suficiente para trazer de volta essas imagens à mente.

As tragédias de Angra, de Ilha Grande e São Luiz do Paraitinga seriam terríveis em qualquer época do ano. Mas ocorreram em pleno réveillon e, com isso, parecem atirar em nossa cara o quanto tudo é efêmero. Nós, os contentes, é que desafinamos. O champanhe da véspera amarga na boca, a comida que sobrou parece desperdício e o branco da roupa encarde. A dor alheia, no momento da nossa festa, nos faz solidários - mesmo que a culpa cristã esteja fora do cardápio. Somos feitos de carne e sangue, o sofrimento de quem nem conhecemos nos lembra disso.

Por alguns instantes, pensamos que aquelas pessoas soterradas na Ilha Grande estiveram, três horas antes da tragédia, abraçando-se e desejando feliz ano novo uns aos outros. Talvez tenham ido dormir tontinhos de bebida, talvez tenham deixado pra amanhã um telefonema (as linhas estavam ocupadas...). Alguns talvez até estivessem ainda com a roupa usada na passagem de ano. Um casal morreu abraçado. A família jovem do interior, todos gordinhos - marido, mulher e filho - sucumbiu à avalanche sem ter tempo de aproveitar 2010. O ano foi curto demais para eles.
Não demorou para as autoridades comparecerem ao local das tragédias. Rapidamente surgiram os votos de pesar e as promessas de melhoria. Como se a ocupação irregular dos morros não fosse um problema de muito tempo atrás. Como se a culpa de ter morrido fosse dos pobres que escolheram as encostas para se arranchar. Agora, vem à tona que o governador Sergio Cabral havia autorizado uma ocupação ainda maior das encostas - pensando certamente na construção de condomínios de alto padrão, não em residências populares. O descaso com a natureza leva de roldão as dezenas de vidas humanas, mas a culpa será sempre da gestão passada.

Enquanto isso, fazemos correntes de solidariedade, catamos roupas, águas e alimentos não perecíveis, porque somos solidários. E queremos dizer, de algum modo, que as pessoas que perderam toda a família não estão sós. Pode até ser que a família da jovem negra que vagava entre caixões não fosse a família das propagandas de margarina. Uns podiam estar de mal de outros, acontece. Laço de sangue não obriga ninguém a se amar. Mas eram referências. Essas personagens, como a jovem negra, terão de partir do zero sem nascer de novo. Pelo contrário: renascem da morte, fênix forçadas, e seguirão, sabe-se lá como. Uma espécie de amnésia às avessas, porque terão de apagar tudo o que servia de baliza, bem ou mal. A própria reconstrução, difícil mas não impossível, acontecerá. É da nossa natureza seguir em frente assim que as águas abaixam.