Uma menina de 9 anos é uma criança que, certamente, gosta de brincar, tomar sorvete, assistir TV e, talvez, ir à escola.
Uma menina de 9 anos grávida é uma criança violentada.
Uma menina de 9 anos engravidada pelo padrasto é uma vítima atingida justamente onde deveria se sentir protegida.
Uma menina de 9 anos grávida de gêmeos é uma criança morta. Não resistiria ao parto, qualquer pessoa que enxergue o corpo de uma menina de 9 anos pode dizer isso.
O arcebispo de Recife se revolta e aprova a excomunhão dos médicos que realizaram o aborto e dos familiares que apoiaram a decisão.
O arcebispo de Recife é um religioso coerente: defende o dogma de sua igreja contra qualquer evidência de bom senso.
O arcebispo de Recife excomunga os médicos e a mãe da menina - ela, acho, foi poupada da ira divina - e condena o estuprador. Ele cometeu um ato condenável, afirma o padre. Verdade, disso ninguém duvida.
O estuprador é um rapaz de 23 anos - tem a idade de muitos que conhecemos, agora entrando numa faculdade, talvez na segunda faculdade, buscando emprego, namorando sem vontade de casar.
É um jovem, que se sentiu provocado por duas meninas, uma de 9 anos e a outra, uma deficiente mental de 14. Serviu-se das duas, filhas de sua mulher.
A mãe diz que nunca desconfiou. O arcebispo diz que o criminoso merece o perdão da santa madre igreja - o arcebispo é coerente com o dogma.
Personagens de um drama sertanejo, daqueles que nenhum roteirista de Law & Order Special Victms Unit pensou em escrever, porque quem acreditaria numa trama dessas? Quem suportaria assistir sem ânsia de vômitos a representação desse fiapo de história?
Passada a euforia jornalística, a menina voltará para casa e suas bonecas, se tiver. O padrasto, um rapaz de 23 anos, sofrerá na carne o castigo aplicado nas cadeias aos estupradores. Dele, nós não teremos dó. Nem mesmo o arcebispo, que o perdoou, por assim dizer. O arcebispo dormirá na paz de quem tem lugar garantido no céu. Provavelmente ao lado do patriarca Abraão, que se dispôs a sacrificar o filho único para honra e glória de Deus.
Mais felizes dormirão os excomungados dessa história, oficialmente dispensados de seguir louvando uma entidade que se alimenta do sacrifício dos inocentes.
Mário, sério mesmo. Eu também ia escrever sobre isso. Ontem, ao ver a entrevista do arcebispo do Recife, eu pensei, por um momento, que tivéssemos voltado à Idade Média. Chequei meu apartamento para ver se vivíamos mesmo numa era com luz elétrica, computador e essas coisas. Pois tive medo de olhar pela janela e ver alguém sendo queimado em alguma fogueira....
ResponderExcluirJá estão queimando, Serginho. Mas os inquisidores de hoje preferem mendigos e índios. Resistem menos, talvez.
ResponderExcluireu também senti o impulso de escrever sobre essa excomunhão, mas não tive coragem. me deu tanto desalento. que bom que você fez esse texto com toda a carga e energia que o assunto requeria. muito bom. abração! guza
ResponderExcluirOI Mário. O pior de tudo é que amanhã, tudo passa, como tudo na vida passa. E a história da menininha de Alagoinha terá sido apenas uma manchete de jornal. Voce diz tudo aí. Como mãe de uma menina, que tem toda a sorte do mundo, e como mulher, não consigo esconder a minha ira desses homens de saia. Abraços, Rachel
ResponderExcluirBelíssimo texto, Mário!
ResponderExcluirGuza, Rachel, Tato... obrigado pela visita. Voltem sempre.
ResponderExcluirE essa história fica cada vez mais revoltante...
m.v.