sexta-feira, 20 de março de 2009

When I'm 64

Não tenho a menor idéia de quando Lennon e McCartney compuseram "When I'm 64", mas esta é uma das canções dos Beatles que mais me 'pegam'. Tornou-se também uma das mais 'datadas'. Nos anos 60, alguém de 64 anos era um genérico de dinossauro. Uma carta fora do baralho, um peso morto. "Será que você ainda vai me alimentar? Será que ainda vai precisar de mim?", perguntava a música. A resposta para essas perguntas mudou bastante ao longo das últimas décadas.
Basta pensar no rumo que artistas como Maria Bethânia e Ney Matogrosso deram a suas carreiras depois de apagar 60 velinhas. Bethânia tem realizado projetos cada vez mais vigorosos, como "Brasileirinho", "Que falta você me faz" e "Dentro do mar tem rio". Continua melodramática, dando corridinhas pelo palco e recitando poemas de Fernando Pessoa. Mas a cada vez que faz isso joga uma nova luz na mesma estrofe. Quem viu o documentário "Palavra (en)cantada" percebeu isso.
Exagerado, muitas vezes com uma maneira afetada de cantar, Ney poderia ter ficado como um exemplo da glam-mpb, uma mistura de David Bowie com Carmem Miranda. Poderia, não ficou. Há poucos anos juntou-se com Pedro Luís & A Parede e gravou "Vagabundo", um dos discos mais instigantes da música brasileira. Atualmente, circula por aí com o show "Inclassificáveis", onde canta novos e velhos autores com muita inteligência: atualiza "Divino Maravilhoso", renova a força de Cazuza e ainda mostra o que existe de Reginaldo Rossi em Marcelo Camelo.
Vivemos uma época em que fazer 100 anos deixou de ser um milagre de Santo Expedito - Oscar Niemeyer faz projetos, dona Canô puxa o terço em Santo Amaro da Purificação e o povo só acredita que Dercy morreu porque ela permanece onde foi enterrada.
Em tempos assim, fazer 60 e poucos anos só serve mesmo para pagar meia entrada em teatro e furar fila no cinema sem precisar pedir licença ou ser educado. Não é preciso apelar para truques de botox. Bethânia exibe os cabelos grisalhos em cena, Ney mal consegue esconder a calvície - eles têm 60 e poucos anos e não se acanham com isso (penso no Guzik que, aos 60 e poucos, parece se divertir como nunca nas coisas que faz).
Será que existe nisso alguma lição de moral? Não da minha parte. Falei desses artistas, porque me emocionam a cada aparição. E vejam: emocionam não por serem "velhinhos que têm o que dizer". Se fosse isso, seria muito rasteiro. São artistas que recolhem o que viveram, acrescentam o que estão vivendo e olham ao redor. Talvez seja essa a diferença: não é preciso olhar o futuro, como um sábio da aldeia. "Basta" olhar ao redor e reconhecer a vida em pleno gerúndio.

P.S. Ontem, quinta-feira, acordei com a música dos Beatles na cabeça, ouvi várias e várias vezes, na versão deliciosa de John Pizzarelli. E à noite, um especial da Cultura, me lembrou que seria aniversário de Elis Regina. Adivinhem: ela estaria fazendo 64...

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