sexta-feira, 6 de março de 2009

A cordeira de Deus

Uma menina de 9 anos é uma criança que, certamente, gosta de brincar, tomar sorvete, assistir TV e, talvez, ir à escola.
Uma menina de 9 anos grávida é uma criança violentada.
Uma menina de 9 anos engravidada pelo padrasto é uma vítima atingida justamente onde deveria se sentir protegida.
Uma menina de 9 anos grávida de gêmeos é uma criança morta. Não resistiria ao parto, qualquer pessoa que enxergue o corpo de uma menina de 9 anos pode dizer isso.

O arcebispo de Recife se revolta e aprova a excomunhão dos médicos que realizaram o aborto e dos familiares que apoiaram a decisão.
O arcebispo de Recife é um religioso coerente: defende o dogma de sua igreja contra qualquer evidência de bom senso.
O arcebispo de Recife excomunga os médicos e a mãe da menina - ela, acho, foi poupada da ira divina - e condena o estuprador. Ele cometeu um ato condenável, afirma o padre. Verdade, disso ninguém duvida.

O estuprador é um rapaz de 23 anos - tem a idade de muitos que conhecemos, agora entrando numa faculdade, talvez na segunda faculdade, buscando emprego, namorando sem vontade de casar.
É um jovem, que se sentiu provocado por duas meninas, uma de 9 anos e a outra, uma deficiente mental de 14. Serviu-se das duas, filhas de sua mulher.
A mãe diz que nunca desconfiou. O arcebispo diz que o criminoso merece o perdão da santa madre igreja - o arcebispo é coerente com o dogma.

Personagens de um drama sertanejo, daqueles que nenhum roteirista de Law & Order Special Victms Unit pensou em escrever, porque quem acreditaria numa trama dessas? Quem suportaria assistir sem ânsia de vômitos a representação desse fiapo de história?

Passada a euforia jornalística, a menina voltará para casa e suas bonecas, se tiver. O padrasto, um rapaz de 23 anos, sofrerá na carne o castigo aplicado nas cadeias aos estupradores. Dele, nós não teremos dó. Nem mesmo o arcebispo, que o perdoou, por assim dizer. O arcebispo dormirá na paz de quem tem lugar garantido no céu. Provavelmente ao lado do patriarca Abraão, que se dispôs a sacrificar o filho único para honra e glória de Deus.

Mais felizes dormirão os excomungados dessa história, oficialmente dispensados de seguir louvando uma entidade que se alimenta do sacrifício dos inocentes.

6 comentários:

  1. Mário, sério mesmo. Eu também ia escrever sobre isso. Ontem, ao ver a entrevista do arcebispo do Recife, eu pensei, por um momento, que tivéssemos voltado à Idade Média. Chequei meu apartamento para ver se vivíamos mesmo numa era com luz elétrica, computador e essas coisas. Pois tive medo de olhar pela janela e ver alguém sendo queimado em alguma fogueira....

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  2. Já estão queimando, Serginho. Mas os inquisidores de hoje preferem mendigos e índios. Resistem menos, talvez.

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  3. eu também senti o impulso de escrever sobre essa excomunhão, mas não tive coragem. me deu tanto desalento. que bom que você fez esse texto com toda a carga e energia que o assunto requeria. muito bom. abração! guza

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  4. OI Mário. O pior de tudo é que amanhã, tudo passa, como tudo na vida passa. E a história da menininha de Alagoinha terá sido apenas uma manchete de jornal. Voce diz tudo aí. Como mãe de uma menina, que tem toda a sorte do mundo, e como mulher, não consigo esconder a minha ira desses homens de saia. Abraços, Rachel

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  5. Belíssimo texto, Mário!

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  6. Guza, Rachel, Tato... obrigado pela visita. Voltem sempre.
    E essa história fica cada vez mais revoltante...
    m.v.

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