Se o noticiário deixava dúvida, a capa da Veja acaba com os questionamentos. Neste exato momento, no subsolo do Chile, 33 homens estão trancafiados numa mina que desabou. Muitos artigos - inclusive do Luiz Zanin, no Estadão - lembraram a trama do filme "A Montanha dos Sete Abutres", dirigido por Billy Wilder. Eu mesmo pensei logo no filme quando li a primeira notícia: na trama, um homem fica soterrado e um repórter sensacionalista transforma o caso numa histeria nacional. Acho mesmo que o filme tem um título opcional, "O Grande Circo". E é daqueles filmes que todo aluno de jornalismo deveria ser obrigado a assistir durante a faculdade. Mas se nem língua portuguesa ensinam direito nos cursos de Jornalismo, que dirá Ética...
Voltando ao caso dos mineiros do Chile. Mais que a obra-prima de Hollywood, o drama atual me lembra muito os reality shows que, há algum tempo, garantem a audiência das emissoras de TV. Já se tornou hábito esperar a escalação dos estranhos que vão coabitar juntos, exibindo corpos sarados e personalidades deturpadas em rede nacional. Com o trabalho primoroso dos editores - os verdadeiros gênios dos reality shows - essa convivência logo vira uma novela, que a maioria das pessoas acompanha como se daquilo dependesse a sua própria felicidade. Mistura-se dramalhão com comédia, vulgaridade com vilania e o circo está armado.
No Chile, o confinamento é real. Ali, sim, aplica-se o termo reality. Em torno dos 33 homens soterrados, circulam suas famílias, os funcionários de uma mineradora que descuidou acintosamente da segurança de seus funcionários e um sem-fim de funcionários públicos que não fez o que deveria ter feito. E enquanto profissionais discutem até que ponto os mineiros confinados devem ser informados da real gravidade da situação, a mineradora ameaça não pagar os salários dos homens presos na terra, alegando falta de dinheiro. Arma-se, dia a dia, um circo de horrores tristemente verdadeiros.
E o medo, o meu medo, é que esse horror aumente ao longo dos próximos 100 dias - prazo que, acredita-se, vai levar para ser cavado o túnel de saída. Se um dos homens enlouquecer, ficar doente, cair em depressão, poderemos assistir - de mãos atadas - à agonia pública. Há suspense pior: se um deles não emagrecer o suficiente - e atingir os 90 cm de cintura - poderá ficar entalado no túnel. Como será isso? El Gordo vai por último?
Será que - além das famílias - haverá muita gente interessada nos destinos desses homens daqui a 100 dias? E se for ao ar um novo reality show, desta vez com gente mais bonita, mais sarada e mais vulgar? A audiência volúvel mudará de canal? São muitas perguntas, mas a premissa, acho eu, é uma só. É preciso muito sangue de barata para levar ao ar um reality show programado quando a vida de verdade informa que homens iguais a nós padecem num confinamento cruel e de final imprevisto.
Eu já não assistia reality show antes. Agora, piorou.
Oi,Mario! "A montanha dos sete abutres" foi uma referência perfeita para o drama vivido chilenos.Excelente matéria.Um abração.Maria Shu.
ResponderExcluira mídia parece q adorou ter esse assunto pra bombar no ibope. espero q não demorem pra agir como o jornalista fez no filme dos abutres. beijos, pedrita
ResponderExcluirMario:
ResponderExcluirO soterramento da mina com os chilenos
é tão assustador, que parece realmente
roteiro. Certamente haverá filme com esse
tema.
O q se espera é um final digno e a contento para
todos aqueles trabalhadores, que além da
exploração e condições sub-humanas, podem estar
sendo dublamente explorados, como vc disse, com a
a falta de salários!
Rezemos por esses chilenos!
Maurício Mellone
Quando falam do trabalho em minas e em mineiros eu me lembro do Germinal, do Zola. A descrição que ele faz do sofrimento e da fome daqueles trabalhadores, nunca me saiu da memória.
ResponderExcluirLembra também algo mais leve, mas super politizado, aquele filme inglês, do menino bailarino, cujo o pai era mineiro.
Mineiro tem um quê de estilo de vida, tem fama de guerreiro, de bravo, corajoso.
E sina de injustiçado, mina perigosa é quase redundância.
Eu acho que sobreviver foi o máximo, alimentam o mito, com muita dignidade por sinal, o resto não tem a menor importância.
Estão todos comentando isso aí, né? Deve ter um prêmio milionário no final; deveria ter. Mas, sei lá, não acompanho. Você ganha qualidade de vida quando não sabe o que tá acontecendo no mundo. Sabe livros e filmes? Então. Pra mim já bastam.
ResponderExcluirSabe o que é, Guy? Tudo bem, eu sei que é uma enxurrada de notícia ruim, de baixo astral, mas... o mundo não se resume ao meio metro quadrado que cerca o nosso umbigo. Aliás, há uma tremenda relação entre o que se passa no Chile, na Tailândia, no Vietnã, em Nova York e aí, no espaço que existe entre vc e seu computador. Pelo menos eu penso assim. Se um dia eu esquecer que há outros homens no mundo, a coisa toda perde o sentido. O que me diz?
ResponderExcluirFaço Letras e minha professora de Língua Portuguesa comentou sobre essa notícia justamente relacionando-a ao filme A Montanha dos Sete Abutres, que pretendo assistir no próximo feriado... Dá impressão de que ela leu sua matéria antes de dar a aula, hehe
ResponderExcluirSe eu ficasse trancafiado com dezenas de homens rústicos sob toneladas de terra, atenderia horrores! Só desejaria que fosse o único dos 33 com o mesmo intuito. Ui! ;-)
ResponderExcluirMário,
ResponderExcluirEu também tenho horror aos relaties shows. Já tentei ver Big Brother mas passei a me sentir mal tanto com o tédio das situações de ociosidade como com as baixarias competitivas. E o pior é que Pedro Bial tenta dar um ar de épico ( "o herói resistiu mas sai da casa...." e coisas do gênero)ao que é pura banalidade. Já este caso real do Chile realmente tem que ter muito sangue de barata, pra dizer o mínimo,para acompanhar como se fosse reality show comum.Os abutres da montanha agora são muito mais do que sete..São milhares ( ou milhões?) via TV.
Tenho um blog, http://pelaluzdosmeusolhos.blogspot.com/,
onde já comentei os realities shows e as "celebridades" instantâneas que geram no Post
QUINTA-FEIRA, 2 DE SETEMBRO DE 2010
"A Vida Alheia"- “É Mais Interessante Que a Sua”: O Sorrateiro Encanto das Serpentes
Quando tiver um tempinho leia e se tiver vontade comente.Gostando recomende aos amigos. O mesmo digo aos seus leitores.
Seu blog está entre meus favoritos. Gosto muito do seu estilo aparentemente leve mas no fundo incisivo, tocando feridas.
Abraços,
Nelson
olá Mário, estou sempre lendo seus artigos aqui, são sempre precisos. Esse trabalho nas minas, em qualquer lugar do mundo é um horror, esse sim, deveria ser um trabalho feito por robôs e não por seres humanos. Desde Germinal que o mundo vem conhecendo esse terrível sofrimento dos mineiros. Como atinge muita gente em muitos paises, a ONU já deferia ter feito alguma coisa. Parabéns pelo texto. Edi
ResponderExcluirEdi, sempre fiel!
ResponderExcluirNelson, eu li e gostei bastante do seu blog, rapaz! Recomendo aos seguidores deste modesto olharesloiros uma visita ao pelaluzdosmeusolhos...
Caí aqui porque fiz uma pesquisa rápida sobre Paulo Autran (deu saudade depois de vê-lo na reprise de Hilda Furacão, no Viva). Imagino quanto deve se sentir abençoado por ter trabalhado com ele.
ResponderExcluirOi, Robson. Bem vindo aos olhares loiros. Pois é, rapaz, o Paulo dirigiu um texto meu! Acho que foi o último trabalho dele como diretor - e até hoje não me conformo pq os críticos não deram prêmio de melhor atriz de 2003 pra Karin Rodrigues. Ela estava ótima, assombrosa. Mas como era uma comédia... já viu...
ResponderExcluirO trabalho do Paulo Autran em Hilda Furacão é um show à parte. Ele tem cenas maravilhosas com o Rodrigo Santoro.
Abraços, volte sempre.