Em 2003, minutos antes de abrirmos as portas do teatro do Centro Cultural Banco do Brasil para a estreia de "Vestir o Pai", Paulo Autran - que dirigia a peça - olhou a plateia vazia e comentou: "A gente passa meses ensaiando a comédia que você escreveu, mas só vai saber se fez o trabalho direito na hora que escutar a primeira risada do público". Uns 15 minutos depois, ouvíamos a primeira das muitas risadas provocadas em "Vestir o Pai" e relaxamos nas nossas cadeiras. A bola agora estava com Karin Rodrigues, Leona Cavalli e Otávio Martins, em cena. Mas a lição ficou na cabeça: só descobrimos que acertamos quando o público ri. É a agonia de quem faz comédia.
Depois da gestação em nossos cérebros e computadores, a peça chega ao corpo dos atores, mas passa algum tempo - dois, três meses - trancada nas salas de ensaio. Ali, sim, a peça começa a ganhar vida. Mas piada repetida vai perdendo a graça e, depois de dez dias de ensaio, ninguém mais ri do texto. Nos ensaios de "Vamos?", a equipe riu muito - das invenções, cacos, erros, nunca mais do texto. A noção do que é engraçado vai se diluindo com o passar do tempo. E de repente lembramos que a porta vai abrir, o público tomar seus assentos e - torcemos - rir. No fundo do pensamento, como a goteira na pia da área de serviço, surge de mansinho o frio na espinha: e se eles não rirem?
Vão rir, eu sei. Mas o medinho impulsiona a melhorar e aprimorar o trabalho. É a incerteza que me faz caprichar em cada fala. Pelo menos, eu tento. Mas, por mais confiança no taco que se tenha, a gente sempre leva uma surpresa quando a coisa dá certo. Eu, pelo menos, sou assim. Recentemente, fui ao centro de São Paulo assistir ao ensaio aberto de "Rádio Varieté", o novo espetáculo de rua da Cia. La Mínima. Escrevi alguns esquetes pra esse espetáculo e fui lá ver se funcionava - ou seja, fui checar se as pessoas ririam.
Foi a primeira vez que escrevi para uma peça de rua e isso exige uma outra técnica, outra noção de tempo de piada. Pra complicar, me meti a escrever uma cena de ventríloquo e, graças ao Domingos Montagnier e ao Fernando Sampaio, aprendi muita coisa. Vocês já tinham reparado que boneco de ventríloquo fala pouco? Pois é, fala. Mas o pouco que fala tem de ser engraçadíssimo. A cena feita na rua, pela primeira vez, trazia um boneco astrólogo que tentava adivinhar o signo do público. A plateia riu e, juro, eu fiquei arrepiado. O primeiro riso em qualquer espetáculo libera uma adrenalina lascada.
Eu só acredito em teatro feito em conjunto. Não em grupo, como uma noção engessadora, mas em conjunto - autor, diretor, atores, técnicos e público, todos fazem a peça existir. Na falta de qualquer um deles, a coisa não acontece. Não acredito em artista auto-suficiente, que no mesmo espetáculo escreve, dirige, atua, vende ingresso e estoura a pipoca. Pra substituir o público por si mesmo é um passo.
A multiplicidade é que dá a liga. Deve ser por isso que me sinto em casa trabalhando com os Parlapatões e o La Mínima, dois grupos que não exigem fidelidade partidária - a não ser ao trabalho em si, à seriedade com que encaramos o riso alheio. Deve ser por isso que gosto de trabalhar com Jairo Mattos, que tem uma paixão incontrolável, como ele mesmo, pelo teatro . Deve ser por isso que chego no ensaio de "Vamos?" e me atiro nos braços da equipe toda - Dalton Vigh, Rachel Ripani, Alex Gruli, Tânia Khalil, Rafael Maia, Rita Batata, Otavio Martins, Tati, Chico, Ed, Valdir... A gente se juntou e fez um timão.
Deve ser por isso que, neste fim de semana, cinco peças minhas vão ocupar alguns disputados espaços teatrais da minha cidade. Coincidência, ok. Mas também uma alegria imensa e uma ansiedade desmesurada. Minha cabeça entrou em processo de parto de uma peça, de formatura da outra, de festinha da outra... São filhotes, espalhados pelo mundo, e que vieram, vejam vocês, todos me visitar no dia dos pais.
O "Festival Mário Viana de Teatro & Risos" é formado por (na ordem alfabética):
AMANHÃ É NATAL, com Álvaro Gomes, Cinthia Zacariotto e Nana Paquini. Direção de Jairo Mattos. Teatro Paulo Eiró, Av. Adolfo Pinheiro, 765. Sex e sáb, 21 horas. Dom, 19 horas. Ingresso: 10 reais. Até 22 de agosto.
CARRO DE PAULISTA (escrita com Alessandro Marson), com Tadeu Pinheiro, Vinicius Oliveira, Aline Abovski, Fábio Neppo e Rodolfo Valente. Direção de Jairo Mattos. T. Ruth Escobar, R. dos Ingleses, 209. Sáb., 22h30. Ingresso: 30 reais. Até 25 de setembro.
O MÉDICO E OS MONSTROS, adaptação do original de Robert Louis Stevenson, com Cia. La Mínima. Direção de Fernando Neves. Teatro Cleyde Yáconis, Av. do Café, 277, Jabaquara (ao lado do Metrô Conceição). Qui, 21h. Sex, 21h30. Ingresso: 30 reais. Até dia 29.
UM CHOPES, DOIS PASTEL & UMA PORÇÃO DE BOBAGEM, com os Parlapatões. Já faz parte do repertório cult do grupo. Sex, 21h. Sáb, 21h e meia noite, dom. 20h. Ingresso: 15 reais. Até dia 8.
VAMOS?, com Dalton Vigh, Tânia Khalil, Rachel Ripani e Alex Gruli, direção de Otávio Martins. Teatro Imprensa, Rua Jaceguai, 400, Bela Vista. Sex, 21h30, sáb. 21h e dom., 19 horas. Ingressos: 40 reais e 50 reais. Estreia.
Ele merece!! Ele merece!!
ResponderExcluirVida longa ao seu festival e que sua prole aumente sempre!
Abração saudoso,
Flavio G.
GENTE, BLOG CHIQUE É ASSIM, TEM COMENTÁRIO ATÉ DE PARIS. BEIJOS, QUERIDO, E MUITO MERCI.
ResponderExcluirMário que emoção estar ao lado de Paulo Autran, hein! Todo o sucesso do mundo prá vc.
ResponderExcluirGrande abraço e que venha o Passaporte Teatral Mario Viana! rs
abraço
Alessander
Merda, grande Pai!!!! Vida longa à prole!!!
ResponderExcluirQue maravilha, Mario!! Que orgulho, hein? E eu tenho que ir em pelo menos duas delas. E torcer pra conseguir cumprimentar o pai pessoalmente. Parabéns!
ResponderExcluirValeu, Alê dos Cuecas!
ResponderExcluirValeu super, Ana V.!!!!
E Heitor, se conseguir, tem que fotografar e postar... rs rs...
Bom, eu só tenho um fim de semana em São Paulo! Vamos de Vamos?, não é? Mas que fartura, hein? Tô toda orgulhosa de você.
ResponderExcluirbjs
Mário, por que essa opção fundamentalmente pela comédia?
ResponderExcluirDepois de um comentário de Paris, outro do Rio... Esse blog definitivamente não tem mais fronteiras...
ResponderExcluirKiko, não me faça perguntas difíceis... Deixa eu ver... Eu gosto de escrever comédias... É mais difícil que drama, bem mais, a luta com o ritmo da frase é constante, mas o som da risada do público é uma delícia...
Mas eu tenho dramas também: "Natureza Morta", por exemplo, é um dramaço (tem uma boa montagem rolando aí, volta e meia reaparece, com Anna Cecilia Junqueira e direção de Eric Lenate). "Galeria Metrópole" é uma comédia dramática... Nem tudo são risos na minha dramaturgia... rs rs rs....
Mário,que legal,só dá vc.Como eu gostaria de pretigiar esse festival.Estou aqui agora com Linconl tomando um chopp e comemorando seu sucesso.
ResponderExcluirMas eu não tô dizendo? Paris, Rio, Natal... Salve Tetê, magnífica!!!!
ResponderExcluirMario, parabéns.Que seus filhos sejam bem prestigiados e vc, como pai, se encha de orgulho.
ResponderExcluirUm abraço.Maria Shu.PS: Não escrevo de Paris, nem do Rio, muito menos de Natal...mas escrevo do bairro do Jaraguá, longe pacas...serve? rs.
Maria Shu, talento que desabrocha... olha, Jaraguá pra mim é outro país mesmo... kkkkkk... acredita que nunca fui ao pico? e ainda me acho paulistano, vê se pode. bjs
ResponderExcluirMário, querido:
ResponderExcluirQ maravilha todas essas peças (filhos)
em cartaz ao mesmo tempo!!!
Parabéns!
Quero muito assistir "Vamos", depois comento,
Parabéns e força aí! Vc merece todo esse sucesso!
bjs
Maurício