sexta-feira, 2 de julho de 2010

A pátria descalça


Acabou nosso carnaval fora de época, nossa micareta uniformizada perdeu o fôlego. As camisetas cor de canário voltam para o fundo das gavetas e as bandeirinhas, penduradas como se vivêssemos numa festa junina ufanista, continuarão balançando até que o sol consuma suas cores e intenções. E do último jogo do Brasil nesta copa sul-africana vai me ficar na memória a expressão agoniada de Daniel Alves segundos antes de cobrar a falta que poderia dar a chance de um empate ao Brasil. Foi o mais lindo e triste olhar de toda a partida. Nos ombros daquele moço escoravam-se as esperanças de toda uma torcida. Não deu.

Curioso país este, que apoia suas alegrias em 11 pares de pés. Toda Copa eu sempre me pego pensando no quanto há de irreverente e infantil em paralizar tudo por causa de um jogo. Não sou contra, não. Pelo contrário. Acho divertido, mais que isso, acho subversivo fechar banco, escola, shopping, tudo aquilo que move a máquina capitalista, apenas para assistir a uma partida de futebol. Trocamos o que se convencionou chamar de sério pelo prazer de poder gritar gol como se aquilo fosse nos salvar a vida, pela alegria de abraçar quem estiver do lado, igualmente feliz por mais um ponto no placar.

Pena que nossa macunaimice seja nosso calcanhar de aquiles. Por essa disposição de trocar tudo por uma tarde de 0lho no jogo ou por três dias de absoluta folia carnavalesca, enfim, por nosso olhar sobranceiro às coisas sem graça da vida, por tudo isso é que nossos colonizadores - de ontem e de hoje - nos convenceram sobre nossa inferioridade nacional. Aos olhos dos países sérios, somos uma imensa taba em constante quarup. Nada mais equivocado do que aceitar passivamente essa opinião eurocentrada.

Nossos problemas não vêm de nossa disposição para a alegria e a exuberância. Nossos problemas vêm justamente dos que nos enxergam como meros espíritos infantis - como se ser infantil fosse defeito e não qualidade. Embora os explorados históricos fôssemos nós, aceitamos a crítica como quem tem uma eterna culpa no cartório. Duvidamos mesmo da sinceridade de nossa tristeza, no momento em que o juiz japonês apitou o fim da partida contra a Holanda.

Assumamos, senhores, que a tristeza foi autêntica. Um pouco histérica, reconheço. Exagerada, sem dúvida. Mas o que faz a infância mais divertida não é justamente a tendência ao exagero? Meio termo e juízo são vícios que adquirimos com o passar do tempo. E dos quais só nos livramos, dizem, quando a velhice chega. Hoje, na Avenida Paulista, as expressões eram de real desamparo. O Brasil tinha perdido um jogo, estava fora da Copa e a vida teria de voltar aos trilhos. De repente, o que seria um quase feriadão transformou-se novamente numa enfadonha tarde de sexta-feira.

O mais irônico é perceber que a tristeza não será dividida com quem perdeu o jogo. Boa parte da seleção do Dunga fica lá pelas Europas mesmo. Da mesma maneira que não despertaram toda nossa empatia, os jogadores parecem lamentar ter perdid o prêmio em dinheiro e não o orgulho de ter bordado mais uma estrela no uniforme. Permanecem distantes de nossa cara de cachorro que caiu da mudança, alheios à nossa fossa. Que logo passará, é verdade, porque crianças não guardam mágoa por muito tempo.



5 comentários:

  1. Passei por aqui mais uma vez. Que prazer te ler, mesmo quando a noticia dói um pouco no calo.
    Um beijo, Mário.

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  2. oi Mário:
    achei muito legal vc ter comentado essa história de nos verem - os eurocentrados, de dentro e de fora do país - como eternos curumins incapazes de livre arbítrio por conta da nossa predisposição para a alegria. Este, aliás, um dos traços mais nobres da nossa gente, que podemos pôr na conta, certamente, dos índios nativos e dos africanos que nos formaram, não dos lusos europeus.

    Nossa alegria é ótima mas somos adultos - e já começamos a fazer piada da nossa última derrota, até porque a goleada nos hermanos foi pior.

    Nosso espírito travesso também é o que nos põe de pé diante dos tropeços e nos leva a não ver a vida pelo avesso, como os tristes habitantes desses países cheios de neve (tô fora!).

    bjs

    Neusa

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  3. Adorei. Vou torcer pra sair a sua versão porteña. Maradona ainda não é o melhor técnico da Argentina, só do mundo. Bjs

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Eu acho que existem brasileiros e existem paulistanos, alguns esquisitos, como eu, que acham bonito, gostam de futebol, mas que, como no carnaval e no Boi de Parintis, sentem-se um tanto alheios, mais assistindo a festa, do que participando.
    Detesto gente histérica gritando quando estou vendo uma partida de futebol, assisto na boa, fazendo as unhas como no jogo com a Holanda. Está certo que troquei quatro vezes a cor do esmalte, sofro, adoro futebol, mas não tenho o espirito verde e amarelo da maioria.
    Para ser sincera já estava com a maior saudade do Brasileirão, da Copa do Brasil, do Paulistão, onde posso assistir qualquer partida na quarta-feira e um classico no domingo sem achar que o mundo vai acabar se meu time perder.
    Mas mesmo do meu jeito de paulsitana mau humarada, do qual tenho o maior orgulho, mantenho a tradição: que venha 2014!

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