quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Oração pra Santa Apolônia


Só Deus e a Mônica, assistente do meu dentista, sabem o quanto eu peno naquela cadeira - e olha que o Ary é dos bons. Mas não tem jeito: o barulhinho da broca girando dentro da minha cabeça me deixa atordoado. Sentar na cadeira do dentista é o prenúncio de 60 lentíssimos minutos. Confesso tudo isso pra dizer que foi um verdadeiro conto de terror a história do menino de Brasília que teve todos os dentes extraídos por um açougueiro juramentado. Todos!
O rapaz tem problemas mentais, me parece - quer dizer, no fim da história quem tem problema mental mesmo é o dentista, mas continuemos - e, por isso, recebeu anestesia geral antes da extração de dois dentes. O trabalho devia estar uma moleza, porque o chamado profissional de odontologia se entusiasmou e passou a extrair um por um os dentes do menino. Esse cara - que trabalha num hospital público e dá aula em universidade - cometeu uma amputação. Não sei se o termo médico-legal é esse, mas na prática o que aconteceu foi isso: de uma hora pra outra, um menino de Brasília se viu sem nenhum dente. É como dormir bípede e acordar sem uma perna.
A última notícia que consegui do fato dizia que o dentista seria preso e indiciado. Outra, mais cedo, dava conta que o IML de Brasília reconhecia que não havia necessidade da cirurgia radical. Alguém tinha dúvida? E o Conselho Regional de Odontologia pedia pra preservarem o nome do carniceiro. Eu, se fosse dentista, exigiria a identificação do indivíduo - até pra não acharem que ele e eu frequentamos o mesmo clube.
E hoje, nada nos jornais e sites. A história morreu ali mesmo, enquanto o rapaz se esconde em casa, com vergonha dos dentes ausentes. Não sei detalhes, realmente, mas posso concluir que o tal rapaz é pobre. Se fosse, pelo menos, classe média, teria direito a um pouco mais de indignação dos meios de comunicação. Coitado, banguelo e anônimo, sem muitas portas onde bater - a não ser naquelas que querem explorar o sensacionalismo do caso, expondo suas gengivas de maneira pornográfica nos programas de TV. Também anônimo, até agora, continua o dentista - mas vejam como são as coisas: o anonimato protege o criminoso, mas não a vítima.
Graças a tipinhos assim é que a categoria dos dentistas é tão, digamos, temida. Ninguém brinca com dentista, ninguém entra no consultório só pra dar um alô e matar as saudades. Nem na ficção dentista marca muita presença. Você lembra de algum personagem de novela que fosse dentista? Aguardo colaborações, eu não lembro.
Em cinema, teve o dentista nazista vivido pelo Lawrence Olivier em "Maratona da Morte" - a cena em que ele torturava um jovem apavorado Dustin Hoffman é um clássico. Teve o dentista do "Procurando Nemo" e aquele outro, acho que "A Pequena Loja de Horrores", algo assim. Tem o personagem do Diogo Vilela em "Toma lá, dá cá", mas aquele programa é tão ruim, que nem merece ser lembrado.
E nem vou desenvolver minha teoria de que dentistas são péssimos ouvintes. Seja amigo de um dentista e faça o teste. Ele tá tão acostumado a falar para um coitado espremido e boquiaberto que não costuma dar muito espaço para as respostas. Mas isso é uma teoria minha, não tem muita base científica. Aliás, não tem nenhuma.
Só resta mesmo acender uma vela pra Santa Apolônia, que - viva o google - descobri ser a padroeira dos dentistas. Mas daí a retratarem a santa com um boticão é de um tremendo mau gosto. Prefiro continuar achando que Santa Apolônia é apenas o nome da principal estação ferroviária de Lisboa. É bem mais agradável.

8 comentários:

  1. OLÁ MARIO;
    ESTOU INDIGNADA COM O OCORRIDO. Tambem concordo que dentistas fazem perguntas em horam errada, mas preciso defender o seu - ELE SABE OUVIR!
    Um abraco,
    Sueli

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  2. Super Sueli, que prazer tê-la aqui. Ok, vou aceitar sua defesa, porque reconheço que o Ary (ATENÇÃO, PEOPLE) é um ótimo papo, do tipo que pergunta e responde equitativamente.
    (menina, vc é boa nessa coisa de conciliação... com um comentário e fez as coisas entrarem nos eixos... rs) Abraços.

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  3. Acho que você foi injusto com a categoria, Mário, dentista é uma profissão super legal e pode ser uma relação bastante intensa e divertida.
    Fiquei uma década com a Cristina, conversávamos muito sobre tudo, quando tive que deixá-la, há um mês, foi um tanto sofrido.
    Ela foi píorando como profissional e ficando cada vez mais minha amiga, chegou uma hora em que tive escolher entre curar a dor de dente e preservar a amizade. Mas retardei todo o tempo que pude, mesmo sofrendo, porque gostava muito dela. A gente sempre espera que a pessoa mude.
    Agora estou animadíssima com a Valdiria, vou até a Saúde, longe pra burro, mas ela é inteligente, divertida e super profissional. Conversamos muito sobre assuntos super interessantes.
    E eu não tenho medo de dentista, vou na maior boa, acho até divertido.
    Quanto ao monstro de Brasília, acho que é um caso de psicopatia, não dá para generalizar. Tem muito disso na área de saúde, é um espaço propício para o exercício do sadismo e da maldade.
    O que é assustador, dói na alma da gente, é saber que uma violência desse tamanho vai ficar impune, como todos os atos do gênero no Brasil.

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  4. Ah, Ester, eu gosto muito do Ary e na resposta anterior a essa corrigi meu exagero. Mas que tenho medo, tenho. E não acredito que alguém vá com PRAZER ao dentista. Foge à minha terráquea compreensão.
    Mas não fui totalmente injusto, não. O que eu disse do papel do dentista na ficção é, até agora, verdade. Alguém lembrou de mais algum personagem dentista? Gente, o Manoel Carlos lota as novelas dele de médico de tudo quanto é especialidade... "menas" dentista.
    Isso é uma constatação, não é preconceito meu. Acho.

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  5. Pois é, está na hora de colocar um dentista na tela.Ele pode ser bonzinho, sádico, amigo, cruel, se relaciona com crianças, adultos e velhos.
    Minha dentista me conta super historias dos clientes dela, dá conselhos, interfere positivamente na vida das pessoas.
    Acho que essa forma de ver os dentistas ainda é resquicio do tempo em que a água não era fluoretada. Só com o fluor na água, reduziu-se em quase setenta por cento o indice de cáries. Os anestésicos melhoraram, muita coisa mudou,
    Meus filhos. por exemplo,não sabem o que é uma obturação.
    Acho que o medo do dentista permaneceu no imaginário, mas mudou basttante na realide, acho que a ficção é que não acompanhou.
    Acho até que seria uma bela ideia para uma peça de teatro.

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  6. Só se for monólogo. Um fala e o outro só fica de boca aberta. Nem o Nelson Rodrigues - aliás, puta merda, o dentista no teatro brasileiro está em "Boca de Ouro": a pedido do personagem principal, ele arranca todos os dentes do cara e coloca uma dentadura de ouro!!!!
    Em nome da verdade, não sinto (muita) dor, mas é aquele barulhinho do motor que me enlouquece.

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  7. MV, eu DURMO no dentista!!! Nem aquele barulho infernal do motorzinho me desconcentra. Mas eu, como vc, não somos parâmetros para assuntos dentários. Acho que este 'profissional' de BSB deveria ser encarcerado junto com aquela molecada de SBC que acuou a menina, aos gritos de puta! Bando de covardes, os meninos e meninas e o tal dentista.

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  8. É mesmo, né, Ana? Teve essa meninada eufórica de SBC... Ô deus...
    Ana, vc dorme no dentista? Vc e o Tiago Décimo... Eu já dormi de pé em ônibus lotado, mas no dentista, jamé.

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