segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Frases da lua


Concordo com o Aldir Blanc: as frases e as manhãs são espontâneas, levantam do escuro e ninguém pode evitar. Mas tem hora que dá vontade de não ter que ouvir certas coisas... É o preço que se paga por não ser surdo e viver em sociedade, eu sei... Grandes eventos multiplicam por mil alguns chavões que me fazem hesitar entre manter na cara um sorriso de leite morno ou partir pra mais irrestrita ignorância. Um dos terrenos mais férteis é a Mostra de Cinema de São Paulo, com seus 100 filmes diários - cem! alguém consegue imaginar? Pode reparar: você sempre vai encontrar alguém que está saindo do quarto filme do dia a caminho acelerado do quinto... Se você ainda não viu nenhum - "Nenhum? Mas já é o se-gun-do dia!" -, a figura vai fazer questão de recomendar um filme, acrescentando com pausas dramáticas: "É im-per-dí-vel!"

Esse 'imperdível' me mata. Porque, quando você vai procurar na programação, as próximas sessões agendadas são quarta-feira, 13h15, e sexta, duas e meia da madrugada. Como saiu matéria na Folha, no Estadão e em todos os sites, os ingressos estão esgotadíssimos. E você fica com aquela sensação de ter perdido o filme da década, do século, do milênio. O antídoto está na próxima sessão de cinema, quando outro apressado vai recomendar outro filme, obviamente imperdível. Na Mostra de Cinema o adjetivo "imperdível" é que nem o "suculenta" para feijoada. Do botequim mais pé-sujo ao Fasano mais Fasano, toda feijoada é suculenta. Ô saco.

Outra frase que me tira do sério é sempre ouvida em exposição de artista consagrado. "Matisse Hoje", que ocupa a Pinacoteca até 2 de novembro, é uma dessas mostras que valem o sacrifício da fila - não muito demorada, pelo menos. Como atrai muita gente, atrai também muitos experts. Diante do trabalho que ilustra esse post (cujo nome é algo como "Nu cor de rosa", algo assim), dois rapazes de visual antenado lançaram um olhar enfadado: "Acho que vou começar a desenhar", disse um deles - uma frase aparentada de "Esses rabiscos até meu neto faz". Meu impulso foi tocar o ombro do rapaz e esclarecer, educadamente: "Não, não faz" ou "Então por que não faz?"

Também tive vontade de explicar pro rapaz de talento ignorado que Matisse não partiu daqueles traços - ele chegou àqueles traços. O artista que começou a engatinhar influenciado pelos impressionistas foi limpando seu trabalho, foi descobrindo a síntese mais absoluta, até desembarcar nos trabalhos em que tudo é uma silhueta colorida. Parece fácil, não é? Mas só porque o cara era bom.

É essa simplicidade que os artistas de qualquer área parecem buscar quando tateiam seus caminhos - na pintura, na fotografia, na literatura, no teatro... A simplicidade esconde um profundo mistério, justamente porque chega facilmente às pessoas - e esse é seu grande mérito.

É claro que não estraguei meu passeio batendo boca com ninguém. E até sorri de mãe e filha que discutiam diante de uma tela de Juan Gris, na mostra "Cubismo", também na Pinacoteca. Ambas atiraram o pintor espanhol às mais profundas trevas por conta da sombra de uma toalha de mesa, "muito mal feita", segundo elas. Foi engraçado. Dá vontade de parar e explicar, olha, cubismo, assim assado, coisa e tal... Mas, pensando bem, a mostra deveria ter alguns monitores... Deveria, né? Aproveita que a pessoa se dispôs a entrar num museu pra ver quadro pendurado... e dá uns toques. Pode até ser que as duas mulheres se mantivessem firmes em sua demolidora crítica... mas quem sabe elas não sairiam da Pinacoteca com o pobre do Juan Gris um pouquinho só em melhor conta?

8 comentários:

  1. eu preciso dar um jeito de ver matisse, acho que a partir de amanhã começa a conseguir passear. beijos, pedrita

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  2. Aproveite a viagem e veja também a coleção cubista da Telefonica. É bem bacana. Ah! E pode fotografar o Matisse, sem flash.

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  3. Mário,

    Você devia ficar em casa e a arte vir até você: os filmes imperdíveis da Mostra, os quadros da exposição do Matisse. Sei que você sofre ao ouvir esses comentários. E, se um dia eu estiver ao seu lado e ouvir um comentário desses vou dizer: "não fala uma bobagem desssas, porque aqui ao seu lado está o Mário Viana e ele vai criar um personagem inspirado em você e vai metralhá-lo na próxima novela da Record."

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  4. Eu sei o quanto vc enlouquece com esses comentários estúpidos, mas... As bandeirinhas do Volpi até eu faria, se elas não me irritassem tanto! hehehehehe
    Em tempo, que prazer assistir "Bastardos", né não? Cinema puro!

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  5. "Bastardos" é o melhor filme em cartaz atualmente, Ana V. Showzaço!!!!!
    Um dos piores é "Vigaristas". Fuja.
    bjs

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  6. putz... e eu gosto tanto da dupla Adrian & Rufalo...

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  7. Alguém que diz que alguma coisa, no caso um filme, é "imperdível" não merece crédito, logo você não estava perdendo nada.
    E quem tem inveja do talento do artista, aqueles copiam muito mal paisagens bregas e se julgam capazes de fazer critica a obras de arte não merecem ser levados em conta, não poderiam de forma alguma colerizá-lo.
    Já que você infelizmente não é surdo, recomendo protetor auricular nas próximas ocasiões.

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  8. Heitor, eu também acho Adrian e Rufalo dois super-atores. E a Rachel Weiz é uma ótima atriz. E tem uma japonesa divertida no filme. Mas, ai...

    Ester, o extinto Paulo Francis dizia que certas situações ajudam a entender porque somos proibidos de sair armados na rua. Ouvir estupidez em museu é uma delas.

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