segunda-feira, 4 de maio de 2009

De cultural virado pra lua

Gilberto, o Alcaide, deve ter acordado radiante nesta segunda-feira. Nem mesmo o mau cheiro que tomou conta do centro de São Paulo - caso tenha chegado ao seu gabinete ou mesmo ao seu carro - tiraria de Gilberto a sensação de vingança bem realizada... A Virada Cultural deu certo.

Mais uma vez, a longe noite de shows e performances tomou conta das ruas paulistanas e atraiu uma multidão muito alegre e nada ordeira, como são todas as multidões. O noticiário, normalmente mais simpático às canetadas serristas, chegou a reclamar da redução de verbas e, por extensão, de atrações. Realmente, fez falta um palco como o que havia perto do Copan, em 2008, ocupado pelas novas cantoras em shows quase intimistas, se é que o termo é possível.

2009 teve menos atrações, havia um intervalo muito grande entre uma e outra - e o número de banheiros foi pequeno para tanta gente descarregando cerveja, vinho e até água. Tava difícil, realmente, mas vamos e venhamos. Nem na Dinamarca você consegue reunir 4 milhões de almas, boa parte delas aditivada a álcool, e as ruas permanecerem com cheiro de perfume francês. Podia haver um esquema mais ágil de limpeza, quem sabe, nem sei se é viável.

Reina um silêncio sobre algumas atrações - Marcelo Camala, digo, Camelo, fez seu show? Parece que não, pelo vácuo da imprensa - mas eu tentei me aproximar da Avenida São João pela Rua Vitória e a multidão não deixou... Reginaldo Rossi fez um megashow. Falou mais que a pretinha do leite, mas quando cantava, arrasava. Reginaldo transformou o centro de São Paulo num terreirão nordestino, daqueles onde se chora dor de corno, se dança agarradinho e se ri da cara do artista. Fez o mesmo show que roda o Brasil inteiro, antes mesmo de a Globo reconhecer sua popularidade e levá-lo para dançar no Faustão. Colocou Frank Sinatra, Beatles e Waldik Soriano na mesma bacia e ainda homenageou a tradição gay do Arouche, cantando uma versão de "I will survive" que deixou muita drag no chinelo.

Havia gente de todas as tribos, idades e origens espalhadas pelo centro. Turistas daqui mesmo, garotos em sua primeira incursão madrugada adentro, meninas habituadas aos corredores de shoppings ou, no máximo, às escadas rolantes da Galeria do Rock, desdobravam o mapa e tentavam localizar-se. "Onde fica essa parada da Rua 15 de novembro?" Fãs de Odair José cruzavam-se com os roqueiros mais radicais, paqueravam a tribo eletrônica e cantarolavam preta preta pretinha nas esquinas.

As turmas que nunca saem do centro - os gays sessentões do Caneco de Prata, na Vieira de Carvalho; os autores, atores e groupies da Praça Roosevelt; os garçons e cumins que lotam o Terraço's na Praça 14 Bis - continuavam por lá. O movimento tinha aumentado, mas era como um dia normal pra eles... Exceto os crakeiros e os michês da Rua do Arouche, acho que pouca gente precisou se deslocar. Apenas foram mais pro ladinho e receberam os visitantes.

De novo, a Virada mostrou que São Paulo é viável. A Parada Gay já provou e comprovou que conseguimos reunir multidões sem causar maiores danos - a não ser ao trânsito. A São Silvestre e a Marcha dos Evangélicos também acontecem e só tornam as ruas mais agradáveis, com as pessoas ocupando seus espaços. Na Virada, talvez por que role à noite, o risco parece maior. Também por ser quase que confinada ao centro, onde reina um clima permanente de caos e insegurança, a Virada poderia descambar pro vandalismo.

Poderia - e esse risco parece que paira sobre as cabeças de todos. Ao mesmo tempo, cada um que sai de casa, toma o metrô, o ônibus ou vai a pé até seu palco preferido, quer que tudo dê certo. Quer que a cerveja esteja gelada, que a menina ou menino corresponda à paquera, que o som esteja impecável e que o artista esteja inspirado. E que se volte para casa, com o corpo moído e a alma lavada.

Para tornar tudo mais chique e até justificar a ida à região dos menos favorecidos, uma certa parcela da imprensa e a prefeitura buscam nas Noites Brancas parisienses o modelo inspirador da Virada Cultural. Tem a ver, claro. Mas Recife também realiza algo parecido durante o carnaval: em seu bairro histórico e restaurado, o Recife Antigo, a cidade espalha diversos palcos durante a folia. À noite toda, pode-se ouvir frevo tradicional ou pular ao som do mangue beat mais arretado, tudo na mesma caminhada.

É a convivência colocada em prática, ao ritmo de todas as músicas. Quando aceitamos o som do outro e vemos a alegria com que ele/a deixa a música tomar conta de seu corpo, entendemos que é possível, sim, viver em meio a tantos milhões de pessoas. Quando isso acontece em São Paulo, tão grandona e tão feinha, eu acordo no dia seguinte com a esperança renovada.

p.s. E quando o Corinthians solta o grito de "É campeão", a coisa fica melhor ainda! É nóis na fita, mano!

6 comentários:

  1. Delícia de texto, Mário!
    Visão impressionante essa, a sua.
    E muitos parabéns ao time do Ronaldo!

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  2. Márcio,
    Dessa vez eu não fui à virada.... Acho que tou ficando MAIS velho.... sei não... Mas fiquei vendo o Timão. Foi bonita a festa pá....

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  3. Eu gosto da Virada, mas me cansa um pouco. Esse ano eu só fui pra trabalhar e vou dizer que foi duca. Lá no Aspargos eu falei sobre.

    Espero que eu vá pra trabalhar nas próximas também, hahaha.

    abração.

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  4. mário, que texto massa!
    e, é claro, que a virada foi toda do timão!!!
    abraço.

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  5. Pô, Mário, gostei da virada. Assisti o Odair José (na íntegra) e Os Novos Baianos. Muito bom. Na noite de sábado fiquei pouco. A Silvia não tava legal e tivemos que voltar pra casa. Mas o que eu não gostei foi: a sujeira e o mal cheiro, e (quem diria!) um certo receio pela falta de um maior policiamento (tô ficando um velho reacuionário?)Explico: se saísse uma treta ali quem ia segurar? O povo tava bem louco e era muito povo muito louco. Uma faísca e já viu, né brother? Acho que falta um pouco mais de gerenciamento (pra variar) organização (Já ouviu isso em algum lugar, velhão) Grande abraço. Puta texto. Jarbas

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  6. É isso, pessoas. Quem foi à virada, como o Big Jarbas C., sentiu aperto, medo e, ao mesmo tempo, curtiu. (Jarbas,querer um mínimo de segurança não é ser reacionário, não!). Quem não foi... não foi. Perdeu uns shows, mas ganhou outras coisas. Espero. Agora, se não foi, nem aproveitou... aí a coisa complica...

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