terça-feira, 29 de setembro de 2009

O taxista e o poeta




Há várias hipóteses pra eu não ter embarcado no filme "Goodbye Solo", dirigido por Ramin Bahrani e premiado pela crítica no Festival de Veneza do ano passado. O primeiro, óbvio, é cansaço. Mas há outros. Por princípio, os filmes independentes do cinema americano contam com a simpatia de quem gosta da sétima arte, só pelo fato de tentar quebrar a fórmula que os grandes estúdios usam pra engessar os roteiros. Humor negro, incorreção política e temas mais ousados fazem parte do cardápio indie - mas até isso, vejam só, vira fórmula.

"Goodbye Solo" é independente no tema e nos personagens - um velho derrotado pela vida (derrotados são o grande fantasma do imaginário americano) e um senegalês que trabalha como taxista, mas sonha mesmo é ser comissário de bordo. É no taxista Solo que está o grande problema do filme, na minha opinião. Ele fala pelos cotovelos - e quem pega táxi sabe o quanto isso é desagradável, às vezes. Dono de um otimismo irrefreável, Solo é um mostruário de correção política: honesto, camarada, malandro quando precisa, vive com uma mexicana, que espera um filho dele, e se dá muito bem com a enteada, uma menina esperta e, claro, lúcida como os adultos não são. Todo mundo mora numa cidade perdida nos cafundós americanos e leva uma vida rotineira até a medula.

O filme tem dois excelentes atores, mas como o roteiro é de cineasta indie, não há explicação para a ação que movimenta o filme todo - pra contrariar o manual do bom roteiro, os indies acham que ator com olhar parado é 'profundo' e que todo silêncio é 'pleno de explicações'. Não é. Solo acha que William, o passageiro, vai tomar uma atitude radical e, sem que William peça ou sinalize, entra na vida do outro disposto a fazê-lo mudar de idéia. Pode ser que eu seja mais um urbanóide cioso da própria intimidade, mas o fato de um estranho se instalar em minha casa para me fazer mudar de idéia é apavorante. E, pior, um estranho bonzinho, com intenções divinas e de um servilismo abjeto. Que me desculpe o Alysson, do www.cineweb.com.br, fã do filme, mas Solo é um mala sem alça.

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"Iê Iê Iê", o novo CD do Arnaldo Antunes é uma delícia. O título jamais levaria alguém ao Procon: as músicas parecem ter saído diretamente do programa da Jovem Guarda, o movimento musical capitaneado por Roberto, Erasmo e Wanderléa, recheio de tudo quanto é bailinho da saudade. Desde o tempo dos Titãs, Arnaldo é um letrista de mão cheia. Em uma entrevista dada ao Caderno 2, esta semana, ele se diz um cultuador de palavras - e é mesmo. Como todo artista contemporâneo, Arnaldo é meio pretensioso, mas a maneira como ele junta substantivos e adjetivos num verso é curiosa e instigante. Há sempre alguma isca a nos fisgar nas letras de Arnaldo.
No novo disco, ele pensa sobre a passagem do tempo, em "Envelhecer" ("é ver morrer os amigos e aprender a esquecer"), sobre a solidão, em "A casa é sua" ("já tenho o tapete, só falta o seu pé descalço pra pisar") e outros sentimentos que atingem jovens e velhos sem discriminação. Apesar dos temas duros, ele parece escrever com luz. As letras de Arnaldo nunca me soam depressivas. "Grávida", que Marina Lima gravou no tempo em que ainda tinha voz, é uma louvação. "E vou parir sobre a cidade/ quando a noite contrair/ E quando o sol dilatar / vou dar à luz". Ou em "Alegria", que Bethânia cantou lindamente num show (e alguém conseguiria juntar Arnaldo Antunes a Maria Bethânia? nunca). "Eu vou te dar alegria / eu vou parar de chorar / Eu vou raiar um novo dia...". Eu acho o último verso um arraso: é bom demais raiar um novo dia.
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Mudando de assunto... Essa crise provocada pelo Manuel Zelaya na embaixada brasileira em Honduras tá parecendo um longo episódio de "Alf, o ETeimoso". Lembram? O alien que se instalava na casa de uma família classe média, se pendurava ao telefone e criafa as maiores confusões. Zelaya é o Alf do Lula.

6 comentários:

  1. Acho que eu não ia gostar desse filme também, Mário, tenho uma raiva de gente otimista, acho tão irritante. E Conduzindo Miss Dayse, de novo? Americano não consegue expiar a culpa da escravidão e do aparteid, tentam consertar e fica pior. Não vi e não gostei.
    Não gosto do Arnaldo Antunes. Ele recitanto, então é um horror, excelente para fundo de propaganda do Pão Açucar: O que faz você feliz...
    E eu estou na campanha do Zé Simão de levar quentinha e desodorante para o Zelaya. O Michelleti se ferrou, vai sair humilhado do poder e não vai demorar muito tempo. Mas digamos que houve algo de barberagem no trato da coisa. Agora que o governo poderia faturar com o fim da crise economica, deu capa para Honduras. Desse jeito a dilma não sai do lugar.

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  2. Mário,
    Você estava cansado, claro. E é desculpável, porque você tem trabalhado muito. O filme é muito bom. É como um conto do Dalton Trevisan, em que todos os homens chamam João e todas as mulheres chamam Maria. E todas as histórias são de pessoas infelizes. É uma história completa que pode ser contada em um parágrafo, em uma linha, em um close da câmera.

    Quanto a sua comparação do Zalaya com o Alf, é a melhor coisa que já li. Realmente é um ET atrapalhado que enche o saco da pobre família....

    Tô curtindo acompanhar a história por meio da rádio que foi fechada e agora transmite clandestinamente pela internet. Jornalismo puro, de trincheira, com os repórteres escondidos e os ouvintes telefonando e dando sua opinião. Saudades do tempo em que eu era jornalista e quando ainda existiam jornais no Brasil.... Mas faz tempo que eles acabaram, você sabe.

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  3. Pois é, Luiz. O filme não me convenceu - e eu tava numa seca de cinema, era capaz de gostar até do Tarkovski. Eu não acreditei naqueles personagens, só isso - aliás, acreditei um pouco no velho e na menina.

    Ester, não é um Miss Daysi 2, não. É melhor. Não tira conclusões pra vc, nada disso. Como eu disse pro Vita, eu só não gostei.

    E o Arnaldo Antunes não recita, ele canta com uma voz surpreendentemente parecida com a do Fagner... mas o resultado é bom!

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  4. Mário,
    o motorista acaba aparecendo aquele burrinho do Sherek (duplado pelo Eddy Murphy) que fala pelos cotovelos... Mas é um mala simpático.

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  5. Não vi o filme, mas pelas descrições, sua e do Vita, acho que o motorista é tão mala quanto o escoteiro de "Up"!! Que, aliás, é um desenho bem do bacaninha...

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  6. Do Sherek, Vita, eu prefiro o gato, fazendo cara de bonzinho, de acordo com as conveniências.
    Não adianta, Mário, você já me influenciou, só vou ao cinema pelo que minha intuição manda e com boas recomendações Você levantou suspeitas ineguivocas sobre essa película. Vou deixar para o telecine.

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