quinta-feira, 14 de maio de 2009

Quem lê tanta notícia?

A gente ainda agradece a Deus por não ser cego e poder ler certas coisas. Foi julgado nesta quinta-feira o rapaz que esquartejou a inglesinha em Goiânia. Uma das primeiras testemunhas de defesa foi a namorada dele – uma prejudicada cerebralmente de 19 anos, mãe de um filho do sujeito. Diz ela que o rapaz usava crack, cocaína e ainda cheirava gás. E às vezes fazia coisas que ela não entendia. Às vezes. O sujeito cheira gás e esquarteja talvez a única inglesa que pisou em Goiânia nos últimos tempos... e a namorada acha que ele é quase sempre ok.
Mohamed d'Ali dos Santos (esse é o nome dele) foi condenado a 21 anos de prisão. Estavam no tribunal a namorada, o filho (concebido durante uma visita íntima...) e o irmão do assassino, que se chama Bruce Lee dos Santos. Quem batizou os filhos de Mohammed d'Ali e Bruce Lee não sonhava formar uma versão goiana da Noviça Rebelde.
Voltando a Helen, a namorada. O espanto maior é saber que Mohammed conquistou uma namorada. Não que seja novidade: Pimenta Neves, o jornalista que matou a ex-namorada, também encontrou uma companheira depois de baixada a poeira. O que me causa quase um susto é saber que há muitas mulheres dispostas a... A “regenerar” uma alma corrompida pelo crime... Será que essa máxima cristã realmente passa pela cabeça dessas mulheres? Ou será apenas um gesto de desespero de quem já penou muito em busca de um amor e acaba se abrigando debaixo de um telhado, mesmo que muito frágil?
Será que acontece isso com os homens? Alguém imagina um sujeito querendo levar a Lorena Bobbit pra cama? Aliás, alguém lembra da Lorena Bobbit? Era uma equatoriana, que morava em Virgínia (EUA), e que em 1993 decidiu acabar com as puladas de cerca do marido, cortando justamente a varinha que ele usava pra saltar. Ela não só cortou, como jogou num terreno baldio – o que mostrava o pouco apreço que nutria pela parte seccionada. O marido, que se chamava John Wayne Bobbit, teve uma sorte do cão: encontraram o pênis e ele foi reimplantado.
A partir daí, Bobbit-pai casou-se duas vezes (e foi preso por agredir as mulheres), trabalhou como ator de filme pornô, foi garçom de puteiro em Las Vegas e motorista de caminhão. Lorena, para minha surpresa, casou-se um ano depois. Mas atenção para o detalhe: ela e o marido só tiveram a primeira filha há 3 anos – 12 depois do casório. Será que o cara hesitou antes de consumar o casamento? Vai saber.
A outra personagem da semana é a auto-transformada em órfã Suzane Richtoffen. Espertamente, seus advogados deixaram passar o dia das Mães e entraram com pedido de redução da pena. Pra quem não lembra, Suzane foi condenada a 39 anos de prisão por participar do assassinato de seus pais. Ela, que já brigou pela herança deixada por suas vítimas, agora recorre à lei para sair da cadeia. Está no seu direito e é bem capaz de conseguir.
Mas eu fiquei pensando: para essa menina, a lei só lhe serve agora. Por que não serviu antes de bolar o crime com o namorado? Imagino que uma menina bem criada e formada em colégios bacanas tivesse alguma noção básica de vida em sociedade – tipo “é muito feio matar papai e mamãe”. Pelo jeito, ela estava distraída no dia dessa aula, mas agora, que interessa, ela soube apelar para a lei.
Ao mesmo tempo que me espantam essas coisas, me admiro ainda mais de chegar a pensar que certas pessoas não têm certos direitos. É como se a lei que reduz a pena servisse para a moça da cela ao lado, mas não para Suzane. Ou que a alegação de problema mental, mesmo que aplicável ao esquartejador de Goiânia, não deveria eximi-lo da culpa.
Escrevo enquanto penso, portanto, sem lógica cartesiana a me guiar. Certos casos notórios despertam em nós uma espécie de vingança genérica, uma lei do olho por olho particular. Isso deve funcionar bem enquanto somos nós os indignados, sem envolvimento pessoal. Mas e se eu sou o irmão da Suzane? Se eu sou mãe da namorada anencéfala do goiano? Pior, e se eu sou um deles mesmos?
Sei não, tem horas que eu acho que minha visão de mundo seria menos complicada se eu não fosse tão polifônico. Se deixasse de lado a mania de dramaturgo, de pensar por todos os personagens da trama e dar argumentos sólidos a cada um, por menos que eu me identifique com ele...
Ao mesmo tempo (olha aí a polifonia de novo!), que graça tem um mundo em branco e preto? Só no cinema e, ainda assim, se for bem fotografado...

14 comentários:

  1. Você você é polifônico? Eu pensei que você fosse daltônico, seguidor de Danton e Robespierre.

    Mário, agora falando sério: para de ler essas notícias. Isso te faz mal, é notícia policial nos jornais, é Datena. Você vai acabar ficando com o sistema nervoso...

    Agora os dois irmãos Mohamed Ali e Bruce Lee é duca. Melhor ainda se o terceiro irmão fosse o Jackie Chan e o quarto Eder Jofre.

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  2. Pela cronologia, Eder Jofre é o mais velho, depois vem o Mohammed, o Bruce... O caçulinha é o Jackie.

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  3. Por isso que eu sou contra a pena de morte, para qualquer crime que seja.
    O ser humano, desde que o samba é samba, mata, estupra, abusa, esquarteja. Tentar eliminar as provas da nossa mais profunda humanidade é negar a ela própria.
    Que fiquem presos,sejam punidos, mas que continuem vivos, como vitrines de nós mesmos.
    A pena de morte é obra da hipocrisia e do moralismo desumanizante.

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  4. Bem vinda, Maria Ester! Também sou contra pena de morte. Aliás, esta semana descobriram no EUA que um condenado à morte era inocente. Pena que só descobriram 22 anos depois... O cara nao morreu, mas pegou uma paralisia na cadeia...

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  5. Pô, Mario, fico de cara com notícias assim. Primeiro fico de cara com a barbaridade dos fatos. Depois, com a banalidade com que esses fatos são tratados. Pela justiça e pela imprensa. Como o caso dos Nardonis & Jatobas e da menina Eloá. Tudo vira um freak show. Não há dor ou tristesa. Até parece haver, mas não há. Tudo vira uma fast emoção. São fatos descartaveis. Drops de adrenalina para o povão e a imprensa se deliciar por alguns momentos, antes do jantar. Em tempo: o maniaco do parque recebia mais de cem cartas por mes de mulheres carentes. Acabou casando com uma, de Santa Catarina. Tudo tá virado, meu caro, e todo mundo parece querer tirar uma casquinha desse negócio. E o estado parece estar mais preocupado com o cigarrinho no teatro. O trafico tomou de assalto às grandes metrópoles brasileiras e o caros preocupados com o cigarrinho. Grande abraço, Jarbas.

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. Acho que suas dúvidas são as que corroem quase todos nós. Tb fico questionando minha imparcialidade perante casos como estes, se não tivesse diretamente envolvido com os réus. Observe as famílias dos envolvidos: elas estão quase sempre em silêncio. Nardonis, Richtoffen, a do assassino da Eloá. Ou eles silenciam, ou se põem em defesa do parente acusado. Não me lembro de nenhum caso recente, que parentes venham a público, denunciar ou "condenar" o parente. É difícil. É delicado. Existe uma relação de amor com aquele "monstro", que só nós, publico em geral, não enxergamos. Um caso, acontecido em SP há muito tempo, me marcou muito, pois o assassino na época, tinha a mesma idade que eu, 18 anos. E chacinou toda a família, pois a mãe brigou com ele pq ouvia o som muito alto. Na época, quando condenado, ele disse à imprensa: Eu também morri. Lembra deste caso? Os jornais noticiaram que apenas uma de suas avós ainda o visitava na prisão. Será possível amar um monstro? Ou os monstros não o são, tanto assim?! Abraço!!

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  8. Heitor, esse era o Roberto Peukert Valente. Eu era repórter da Folha e fui cobrir o enterro da família, pra tentar levantar um perfil do assassino. O que mais me chocou era todo mundo chamá-lo de "um menino normal, bonzinho, calmo". Ele só estourou uma vez.
    Anos depois, na Vejinha, fui a Tremembé entrevistá-lo. Ele era educado, quase suave e muito inteligente. Toparia dar a entrevista se a revista ajudasse a transferi-lo para Franco da Rocha (de onde fugir era bico).
    Agora, imaginar que alguém do seu sangue tirou a vida de outra pessoa... é forte, né?
    p.s. Jarbas, esses casos provocam uma histeria coletiva e uma vontade louca de aparecer. É a indústria da celebridade instantânea emitindo seus raios gama sobre as margaridas do campo.

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  9. É a sociedade do espetáculo ! Infelizmente.

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  10. Eu também estava pensando nisso esses dias. Aí me lembrei que fez três anos daqueles ataques do PCC a São Paulo, lembra? Que ficou todo mundo com o c* na mão?

    Então, após pensar sobre todos os personagens da trama, me lembrei daqueles que sequer fazem parte da trama. São apenas rubricas, como os tantos inocentes que foram mortos pelos policiais nos dias que se seguiram aos atentados.

    Mas aí já é assunto pra outro post, né? Acabei saindo da temática inicial.

    Abs.

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  11. Cauê, como já cantou o Chico, "a dor da gente não sai no jornal"...

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  12. Provavelmente, tirando o conceito de vida e morte, o resto tudo é julgamento de acordo com tantas circunstâncias e variáveis. Outro dia um amigo reclamava da violência no Rio enquanto vibrava com as cabeças rolando em algum filme sobre a monarquia dos Tudors na Inglaterra. É tudo muito subjetivo, e eu acredito que vitimização e sofrimento são escolhas, delas tento sempre abrir mão.

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  13. Tommie, em parte eu concordo contigo. Tem gente que faz opção existencial pela vitimização. Mas o choque e o sofrimento nos pegam de surpresa e contra isso cada um encontra um jeito de enfrentar. abçs

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  14. O caso do goiano é mais estranho do que eu pensava! Mas realmente é um exercicio interessante ficar pensando sobre o destino destes fascinoras. Nos EUAs parecem fazer mais sucesso do que aqui no Brasil, talvez estejamos importando esta mania deles também. Ou porque há pessoas que realmente são loucas ou necessitadas, ou as duas coisas

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