
Nos últimos anos de vida, Wilson Simonal (1938-2000) assistia aos shows dos filhos escondido atrás de uma pilastra. Não queria prejudicar a carreira dos meninos. No documentário “Wilson Simonal, Ninguém Sabe o Duro que Dei”, os ‘meninos’ fazem o caminho inverso: aparecem de cara limpa, em close, contando detalhadamente a história do pai. Uma história da qual muitos teriam vergonha, mas que eles enfrentam, sem se esconder atrás das pilastras. Deve ter sido um processo doloroso, esse acerto de contas, principalmente porque não hesita em colocar o dedo nas feridas.
Em tempos de revisionismo politicamente correto, é muito delicado analisar a história de Wilson Simonal sem entender como era o mundo nos anos 70. Mesmo os amigos entrevistados no filme – um documentário excelente, com pegada moderna, atraente – sabem que Simonal pisou na bola. Mais que apoiar o regime militar que dominou o país a partir dos anos 60, Simonal quis usar o sistema a seu favor: fez com que torturassem seu contador, suspeito de desfalque, numa sala do Dops, o órgão mais assustador da repressão.
Ele pode não ter sido o dedo-duro que diziam que era. Pateticamente, exibia em programas de categoria duvidosa os documentos que provavam sua inocência deste crime. Do outro, o de ter autorizado e aprovado a tortura de um homem, ele não se isentou. Para seu espanto, foi condenado.
O filme enquadra-se perfeitamente na tendência de tentarmos entender nossa história recente. Filmes, peças, livros e até novelas juntam cacos do passado, pequenos pedaços de mil histórias, na tentativa de dar às novas gerações (e até a nós, que vivemos o período) uma noção mais completa do que aconteceu neste país. Usam a música como trilho por onde viaja nosso passado e por onde chega nosso presente (tanto que, nos trailers, anuncia-se pelo menos dois documentários curiosos, um sobre Arnaldo Batista e outro sobre Paulo Vanzolini).
Wilson Simonal deve ter morrido sem entender onde errou – ele, que acreditava ser capaz de jogar na Seleção de 70! Ele, que fazia um Maracanã lotado cantar como um jogral ensaiadinho! Ele, que assinava contratos comerciais milionários e sentia prazer em falar de sua negritude em canções de um engajamento quase ingênuo! O menino que comia marmita escondido dos patrões da mãe, que chegou a ter três Mercedes na garagem e que era imitado por Pelé... Ele pisou em falso e despencou no abismo do silêncio.
Virou um fantasma incômodo, um anti-gasparzinho, sem ninguém que quisesse acender uma vela por sua alma. Numa época em que tudo era branco ou preto, pró ou contra, dentro ou fora, ele acreditou que poderia se safar à moda pilantra, como sempre. Dançou. Naqueles anos duros, não havia esquerda, havia oposição. Havia os a favor do regime e os contra.
Mas havia regras em cada um desses mundos. As da oposição poderiam se resumir a uma só: não ao regime, não a tudo que apóie o governo. E as do governo... essas eram mais nebulosas, mas uma coisa é certa: o regime não admitia ser usado por um artista que quisesse esclarecer um caso de roubo. Simonal deu um passo maior que as próprias pernas e aqueles que ele dizia apoiar deixaram-no solto no ar.
A esquerda, que o boicotou nos programas de TV e shows, até reabilita o cantor, mas recusa-se a deixar o crime prescrever. Não faz o mea-culpa de praxe. Da mesma maneira que Chico Anysio pergunta no filme sobre quem teria sido denunciado por Simonal, poderíamos perguntar: quem foram os artistas que boicotaram Simonal? Dos que o condenaram publicamente, só mesmo Jaguar e Ziraldo, que eram do jornal Pasquim, aparecem. Num momento especialmente emocionante, o clarinetista Paulo Moura reconhece que não teve coragem de furar o bloqueio. E o contador torturado, estopim de toda a tragédia, aparece pela primeira vez e aproveita a chance para dizer que nunca perdoou o cantor. Nem ele, nem os outros.
E os outros? Quem foram? Será que se arrependeram ou ainda mantêm o ‘veto’? Elegantemente, Max de Castro e Simoninha deixam o veredito à consciência de cada um. A trajetória de Simonal deu um nó, não apenas em sua carreira vitoriosa, mas no posicionamento de quem viveu a época. Poderia servir de lição pros que acreditam no poder divino dos artistas. Da mesma maneira que a foto de um gordo na porta da geladeira serve de incentivo ao regime, a imagem de Simonal no espelho das celebridades poderia servir de aviso: cuidado com o próximo passo, os degraus da fama são irregulares.
Em tempos de revisionismo politicamente correto, é muito delicado analisar a história de Wilson Simonal sem entender como era o mundo nos anos 70. Mesmo os amigos entrevistados no filme – um documentário excelente, com pegada moderna, atraente – sabem que Simonal pisou na bola. Mais que apoiar o regime militar que dominou o país a partir dos anos 60, Simonal quis usar o sistema a seu favor: fez com que torturassem seu contador, suspeito de desfalque, numa sala do Dops, o órgão mais assustador da repressão.
Ele pode não ter sido o dedo-duro que diziam que era. Pateticamente, exibia em programas de categoria duvidosa os documentos que provavam sua inocência deste crime. Do outro, o de ter autorizado e aprovado a tortura de um homem, ele não se isentou. Para seu espanto, foi condenado.
O filme enquadra-se perfeitamente na tendência de tentarmos entender nossa história recente. Filmes, peças, livros e até novelas juntam cacos do passado, pequenos pedaços de mil histórias, na tentativa de dar às novas gerações (e até a nós, que vivemos o período) uma noção mais completa do que aconteceu neste país. Usam a música como trilho por onde viaja nosso passado e por onde chega nosso presente (tanto que, nos trailers, anuncia-se pelo menos dois documentários curiosos, um sobre Arnaldo Batista e outro sobre Paulo Vanzolini).
Wilson Simonal deve ter morrido sem entender onde errou – ele, que acreditava ser capaz de jogar na Seleção de 70! Ele, que fazia um Maracanã lotado cantar como um jogral ensaiadinho! Ele, que assinava contratos comerciais milionários e sentia prazer em falar de sua negritude em canções de um engajamento quase ingênuo! O menino que comia marmita escondido dos patrões da mãe, que chegou a ter três Mercedes na garagem e que era imitado por Pelé... Ele pisou em falso e despencou no abismo do silêncio.
Virou um fantasma incômodo, um anti-gasparzinho, sem ninguém que quisesse acender uma vela por sua alma. Numa época em que tudo era branco ou preto, pró ou contra, dentro ou fora, ele acreditou que poderia se safar à moda pilantra, como sempre. Dançou. Naqueles anos duros, não havia esquerda, havia oposição. Havia os a favor do regime e os contra.
Mas havia regras em cada um desses mundos. As da oposição poderiam se resumir a uma só: não ao regime, não a tudo que apóie o governo. E as do governo... essas eram mais nebulosas, mas uma coisa é certa: o regime não admitia ser usado por um artista que quisesse esclarecer um caso de roubo. Simonal deu um passo maior que as próprias pernas e aqueles que ele dizia apoiar deixaram-no solto no ar.
A esquerda, que o boicotou nos programas de TV e shows, até reabilita o cantor, mas recusa-se a deixar o crime prescrever. Não faz o mea-culpa de praxe. Da mesma maneira que Chico Anysio pergunta no filme sobre quem teria sido denunciado por Simonal, poderíamos perguntar: quem foram os artistas que boicotaram Simonal? Dos que o condenaram publicamente, só mesmo Jaguar e Ziraldo, que eram do jornal Pasquim, aparecem. Num momento especialmente emocionante, o clarinetista Paulo Moura reconhece que não teve coragem de furar o bloqueio. E o contador torturado, estopim de toda a tragédia, aparece pela primeira vez e aproveita a chance para dizer que nunca perdoou o cantor. Nem ele, nem os outros.
E os outros? Quem foram? Será que se arrependeram ou ainda mantêm o ‘veto’? Elegantemente, Max de Castro e Simoninha deixam o veredito à consciência de cada um. A trajetória de Simonal deu um nó, não apenas em sua carreira vitoriosa, mas no posicionamento de quem viveu a época. Poderia servir de lição pros que acreditam no poder divino dos artistas. Da mesma maneira que a foto de um gordo na porta da geladeira serve de incentivo ao regime, a imagem de Simonal no espelho das celebridades poderia servir de aviso: cuidado com o próximo passo, os degraus da fama são irregulares.
P.S. De onde será aquela cena de Simonal com uma Marília Pêra jovem e loira? Da novela "O cafona" (1971)?