quarta-feira, 4 de março de 2009

Um alemão e seus quadrados




Termina neste domingo, no Instituto Tomie Ohtake, uma exposição surpreendente. "Cor e Luz - Homenagem ao Quadrado", do alemão Josef Albers (1888-1976). Confesso a loirice, nunca tinha ouvido falar nele. Foi uma bela surpresa. Quando saí da exposição, saí diferente. Mexeu e fez pensar. Não é sempre que isso acontece. Especialmente, quando a obra do artista tem um só tema: quadrados.



Albers pintava quadrados, dezenas, centenas deles. Num determinado instante, vendo aquele defile de quadrados de todas as cores, eu comecei a me sentir incomodado. O sujeito era um obcecado, um compulsivo, como deve ter sido a casa dele, será que ele odiava ervilhas... Passou tudo pela minha cabeça, enquanto prestava atenção no jogo de cores, nas combinações, nos detalhes - os quadrados eram os mesmos, mas há um movimento que vai se revelando aos poucos, vai se desnudando. Os mesmos quadrados eram outros, sempre outros e sempre os mesmos.



No dia seguinte, corri à Pinacoteca, onde está em cartaz - também até domingo - uma segunda exposição de Josef Albers (com sua mulher, Anni). Desta vez, há menos quadrados, há retângulos, linhas, etc. Complementa a grande exposição do Tomie Ohtake e, não sei de que jeito, ilumina algumas coisas .



Entre um quadrado e outro, uma linha e uma curva, me dei conta do que me atraía e, ao mesmo tempo, me assustava nos trabalhos do alemão. Ele fez uma dramaturgia nas telas. Da mesma maneira que ele, nós - que escrevemos - lidamos com nossos quadrados, jogamos cores, experimentamos combinações inusuais, mas não deixamos de fazer quadrados. Ou triângulos ou círculos.

Albers colocou ali, nas paredes, um fantasma que sempre me persegue. "Estou re-escrevendo a mesma peça?" "Estou ressuscitando personagens, lázaros, fantasmas, gasparzinhos?"

Isso não é uma busca de defeitos na própria obra. É aprender a localizar a marca de cada um. De repente, entendi que descobrir os quadrados deve ter sido uma grande alegria pro Albers. Não uma alegria preguiçosa, "agora vou amarrar meu burro na sombra", nada disso. Pelo contrário, era a alegria de quem descobre uma estrada e segue por ela, escalando as montanhas e despencando para os rios que correm lá embaixo.

No fundo, acho que fiquei com inveja do Josef Albers, um camarada que gostava muito do México - alguém que goste do México colorido tem sempre um lado bom.



3 comentários:

  1. belo texto sobre uma exposição instigante. seja muito bem vindo à esta terra estranha e perigosa. o começo do blog já promete muito. grande abraço. guza

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  2. O Pavão
    Rubem Braga

    Eu considerei a glória de um pavão ostentando o esplendor de suas cores; é um luxo imperial. Mas andei lendo livros, e descobri que aquelas cores todas não existem na pena do pavão. Não há pigmentos. O que há são minúsculas bolhas d'água em que a luz se fragmenta, como em um prisma. O pavão é um arco-íris de plumas.

    Eu considerei que este é o luxo do grande artista, atingir o máximo de matizes com o mínimo de elementos. De água e luz ele faz seu esplendor; seu grande mistério é a simplicidade.

    Considerei, por fim, que assim é o amor, oh! minha amada; de tudo que ele suscita e esplende e estremece e delira em mim existem apenas meus olhos recebendo a luz de teu olhar. Ele me cobre de glórias e me faz magnífico.

    Rio, novembro, 1958

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  3. Albers era um cara que adorava pães de forma.

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