sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Dona Augusta


Lá pelas tantas, no meio da sessão de "Alô Alô Terezinha", entre uma chacrete decadente e um ex-calouro trelelé, eu me lembrei da Dona Augusta. A Dona Augusta era sogra do meu tio (e padrinho) e já era velha quando eu era criança. Foi a primeira pessoa que eu conheci que falava com sotaque carioca. Mas Dona Augusta tinha um algo a mais: ela era prima do Chacrinha. Aos meus olhos, aquilo fazia dela um ser superior, distinguido, uma sacerdotisa do grande templo que era a televisão - e eu achava que eles até se pareciam... Eu imaginava as conversas da dona Augusta com seu primo famoso, a quem nós - os mortais condenados ao anonimato, o resto da família - jamais veríamos pessoalmente. Nunca tive coragem de perguntar a ela como ele era - eu tinha medo da velhice dela. Provavelmente, as informações que dona Augusta me daria sobre o primo seriam mais consistentes do que as fornecidas pelo documentário de Nelson Hoineff.

Falta inteligência a "Alô alô Terezinha", o que é uma pena. Falta um norte, também. Ao fim de 90 minutos de filme, você sai da sala sem saber se assistiu um documentário sobre o Chacrinha ou sobre as chacretes ou sobre o programa ou sobre a deplorável exploração dos mais fracos no circo eletrônico. "Alô alô" flerta com todos esses temas, sem abraçar nenhum com firmeza. A figura de Chacrinha passa pelo filme, sem explicações sobre sua origem pessoal e profissional.


O filme se detém mais sobre as chacretes e os ex-calouros (parabéns à produção, pela descoberta dessas figuras). Mas é nesse ponto que descobrimos o verdadeiro tema do documentário: a decadência. Quanto mais caído for o entrevistado, mais seu depoimento será estendido. Por isso, as chacretes ocupam a maior parte da projeção. Símbolos sexuais em seus tempos de glória, todas tiveram seu auge no começo dos anos 80, quando a TV podia mostrar bundas e peitos sem que a censura caísse matando. Numa cena do programa feito ainda na TV Tupi, nos anos 70, o figurino das chacretes é de uma inocência quase angelical: blusas sem manga, saias compridas. Nos anos 80, os maiôs entravam pela bunda e os closes beiravam o ginecológico.

Mas 30 anos se passaram e atire a primeira pedra quem não sofreu no corpo as influências do tempo. As gostosas envelheceram e a sensação é que o filme as culpa por isso, pelas celulites e estrias, pelas barrigas avançadas e pelos peitos caídos. Condenadas pela falta de glamour, elas aparecem fazendo sermões religiosos, fritando coxinha de galinha ou vendendo hot dog em quermesse. Uma chora por que é desprezada por um médico gay, a quem ama de paixão. A outra reencarna a índia sensual e mergulha sem roupa na fonte da cidade. É como se o cineasta tratasse seus entrevistados com o mesmo "desrespeito" que Chacrinha devotava aos calouros: são pessoas desvalidas, com a auto-estima no porão, mas ainda nostálgicas do sucesso que um dia tiveram e do desejo que um dia despertaram. A única que está melhorzinha - inclusive fisicamente, estrelando filmes pornôs hardcore - é Rita Cadillac, que aparece pouco.

Os calouros, parece, têm tratamento melhor pouquinha coisa. A produção foi atrás dos gongados, dos que levaram o troféu abacaxi (a exceção é uma garota, que ganhou, mas cuja carreira não decolou, restando a ela cantar em karaokês - olha a decadência de novo). Os números musicais são extensos, desnecessariamente longos e parecem querer dar ao ex-calouro a chance de provar seu talento, um talento que eles não têm. A crueldade é tirar deles justamente o que deu sentido às suas vidas: eles foram gongados. A razão do seu 'sucesso' é um fracasso. Tentar 'minimizar' seu fracasso acaba por reduzir a biografia deles, acho eu.
Contraditoriamente, o filme merece ser visto. Uma série de depoimentos e trechos restaurados mostram que o Velho Guerreiro era um anarquista à toda prova. Seus figurinos irreverentes e absurdos combinavam direitinho com o time que se apresentava no programa. Simplesmente, todo mundo passou pelo Cassino do Chacrinha: de Roberto Carlos a Cazuza, de Alcione a Baby Consuelo, de Jerry Adriani a Ney Matogrosso. O filme faz de conta que Chacrinha não cobrava por essas apresentações - ele é tido como o criador do jabaculê, o 'extra' que gravadoras pagavam pra divulgar seu elenco. Falta expor as contradições do apresentador e até mesmo seus casos extra-conjugais passam batido, deixando no ar uma 'acusação' contra Clara Nunes.
Chacrinha misturava tudo, exibia o brega e o sofisticado de nossa música. Azucrinava os calouros desdentados, elegia o homem mais feio do Brasil (e os finalistas sorriam orgulhosos para as câmeras!) e bagunçava o coreto de qualquer artista. Num artigo para a Ilustrada, Hugo Possolo lembrou que o Chacrinha de ontem é o Faustão de hoje e definiu genialmente a diferença: Chacrinha era feira livre, Faustão é shopping center. A cirurgia plástica dos corpos chegou às idéias e a gente tem vergonha de mostrar as mil faces do Brasil - só vale a baiana gostosa e a pujança paulista... Por mais defeitos que o documentário de Nelson Hoineff tenha, merece ser visto - até porque desperta justamente essas discussões. Ou seja, perda de tempo não é.
Pra quem se interessou em ver "Dzi Croquettes", a Mostra vai reapresentá-lo esta semana. Consulte o site www.mostra.org.br.

16 comentários:

  1. oi Mário - achei ótimo que vc comentou este documentário do Hoineff, que perde uma ótima oportunidade de lançar alguma luz em tantos temas interessantes - a nossa televisão, o Chacrinha, as chacretes, a decadência, o sonho de sucesso, o Brasil, o mau gosto... O que vc quiser.
    Mas ele prefere parar no grotesco de ficar insistindo na decadência física das chacretes - como se isso fosse crime, dada a falta total de respeito que tem com elas - e de saber com quem foram para a cama. Parece programa da Luciana Gimenez, só que ela é mais engraçada...
    Acho o filme um horror, me ofende como ser humano, como mulher, como tudo. Não aceito a postura (???) de um documentarista assim...Eu escrevi na minha crítica que o Hoineff é o anti-Eduardo Coutinho. Tudo que o Coutinho tem de ética, de respeito pelo outro, ele dispensa. E não é por inocência...
    O filme vale pelo que não sabe, não mostra, não pesquisa, não discute. É a sua própria negação.
    Não tenho paciência também com esse cara, porque ele é reincidente... Vi um outro filme dele sobre o Paulo Francis, chamado "Caro Francis", que ainda não entrou em circuito.
    Aquele Paulo Francis que vc e eu, aliás, conhecemos pessoalmente. E que o Hoineff, amigão dele, não coloca devidamente em relevo. O Francis quase vira santo...
    É bem menos tenebroso do que "Alô, alô Terezinha", mas é ruim demais. Falta de ética também tem - um exemplo: o Hoineff grava, sem autorização, uma fala daquele diretor da Petrobras que processou o Francis (porque o Francis o tinha acusado de coisas gravíssimas sem provas). E deixa isso no filme...
    Enfim, o cinema brasileiro dispensa um cineasta assim leviano, irresponsável, sensacionalista, eu acho.
    Mas as pessoas devem ver o filme sim. Sempre serve como parâmetro, até do que não se deve fazer. Nesse sentido, é educativo.
    bj

    ResponderExcluir
  2. Depois dos comentários seu e da Neusa, nem morta que eu vou perder meu tempo assistindo um filme desses.
    O critico de cinema que participa do "Todo Seu", do Ronnie Von - não lembro o nome- fez o mesmo comentário que vocês, lamentou o desrepeito às chacretes.
    Eu nunca gostei do Chacrinha, não o considero um gênio, mas tem gente que acha e ele era muito amado pelo povo, era o porquê disso acontecer que o cara tinha a obrigação de mostrar e pelo visto não o fez.

    ResponderExcluir
  3. Menina, tem uma apresentação do Cauby Peixoto no programa, no tempo da Band... aparece no filme... eu acho q tava na platéia, tinha faltado na faculdade pra ir ver o Chacrinha... Fiquei morrendo de medo de mostrarem a platéia e aparecer eu lá... cantando "Bastidores" junto com o Cauby... rs rs...
    Ester, de repente na segunda, dia do cinema a 2 reais, vale a pena ver, sim. De repente, vc lança uma coisa nova na discussão.
    A propósito, a melhor coisa do filme é a explicação do Alceu Valença pro Chacrinha: o velho do pastoril transplantado pra TV. Tava na cara e eu não tinha sacado.

    ResponderExcluir
  4. Mariozito, querido, eu não vi o filme (nem vou ver) mas não esperava outra coisa desse cara... Já tive o desprazer de trabalhar com o Hoineff e o que eu vi de perto... só conto sob tortura ou com várias taças de vinho.

    Beijos

    ResponderExcluir
  5. Conhecendo o seu apreço por Baco, já sei que não vou precisar dar um tapinha... rs.

    ResponderExcluir
  6. Hahahaha! Eu sempre dou duas opções, uma boa outra não... Sabendo que um interlocutor faz qualquer coisa por uma boa fofoca...

    ResponderExcluir
  7. Depois de vc, Maria Neusa e Rosani... Não darei o meu suado dinheirinho para um 'cafa' deste! Mas topo o tal vinho (já me convidei, Rosani!) para ouvir TODAS as fofcas. hehehe

    ResponderExcluir
  8. Vcs vão adorar a Rosani! O problema é que ela é muito fofoqueira, especialmente quando bebe.

    ResponderExcluir
  9. rsrs... Você perde o amigo, mas...

    Ana e quem mais quiser: vamos ao vinho!

    O Mariozito está convidando.

    Bjs

    ResponderExcluir
  10. Rosani, vc vai gostar da tchurma. Especialmente com vinho. Eles são da fuzarca.

    ResponderExcluir
  11. Depois de derrubarmos oito garrafas de vinho da adega do Vanderlei, vamos atacar a adega do Mário. E leva a Rosani para nos contar essas histórias. Em troca contamos algumas que sabemos, inclusive sobre um possível candidato à presidência da república, ciotado no livro da Anne Rice.... hehehe

    ResponderExcluir
  12. hehehe... Adoramos um bastidor!

    E eu não dispenso uma história de (o) vampiro.

    ResponderExcluir
  13. Vixi, minha adega é muito humilde. Quer dizer, melhor que muito botequim por aí, mas... rs... Tá liberado. É só acabar a novela.

    ResponderExcluir
  14. Caros -
    eu pago quantas garrafas de vinho a Rosani quiser pra saber mais algumas do Hoineff...
    eu mesma tenho algumas pra contar do Festival de Paulínia - onde ele levou o "Caro Francis" e ganhou um prêmio de público altamente suspeito.
    Só conto mais numa mesa de bar, aqui não, que eu não sou besta, eh eh
    bjs

    ResponderExcluir
  15. Estou começando a ficar com pena do cineasta. Sou contra a violência, pelos direitos humanos, não acho justo tirarem o escalpo do rapaz, assim entre uma taça e outra.
    Não vai sobrar sequer uma pena dessa vítima. Melhor você intervir, Mario, diplomaticamente, para que não venha a ocorrer um banho de sangue.
    É capaz até de rolara vodu e alguem incorporar o Francis para fazer parte da cerimônia. Ai,que medo.

    ResponderExcluir
  16. Ah, Ester, se a gente só falasse bem uns dos outros, as mesas de bar viveriam às moscas.

    Mas o sujeito parece que é unanimidade... rs.

    ResponderExcluir