Não, não se trata de um post sobre o apagão que deixou mais da metade do país tateando armários e gavetas à procura da vela perdida. Nem - apesar da foto - de algum comentário sobre o bordão de Bianca, um dos personagens mais populares da novela "Caras & Bocas", vivida pela atriz Isabelle Drummond (salvo engano, a primeira menina a interpretar a Emília no "Sítio do Picapau Amarelo). O post é mesmo sobre o tempo que vivemos.
Posso estar enganado - aliás, espero mesmo estar bastante enganado -, mas há algum tempo sinto no ar um certo clima de revanche, de vingança do bastardo, da volta do trogloditismo. O caso da Menina da Minissaia foi exemplar, mas não foi o primeiro, nem único e, infelizmente, não tem pinta de ser o último. As forças conservadoras reconquistam o terreno perdido. E não estou me referindo apenas aos aspectos político-partidários. Penso no conservadorismo de comportamento, de ações, de gestos.
Alguns são até inocentes, como a volta do noivado. Aquele período que separava o namoro do casamento e servia pro futuro casal ter mais liberdades perdeu o sentido nos anos 60-70, quando se ia pra cama antes mesmo de saber com quem... O test-drive sexual funcionou muito bem e, pelo jeito, funciona até hoje. Mas a rapaziada tem organizado almoços de noivado e festas de casamento grandiosas, resgatando uma formalidade que eu acreditava extinta.
Ao avanço das conquistas sexuais de gays e lésbicas, segue-se um recrudescimento de punks e anarquistas, provocando agressões e assassinatos no rastro da última Parada Gay de São Paulo. É como se o clima de democracia e direito à expressão que marcou as conquistas homossexuais também servisse de veículo para os conservadores emitirem a sua opinião. Não haveria nada mais democrático: a convivência de opostos. Mas não é o que temos visto, apesar de um inegável avanço: hoje, não se apanha calado. Vítimas e militantes, quando atingidos, gritam e exigem providências legais - e isso é um avanço fenomenal, apesar de óbvio. Mas o fato é que veados continuam apanhando e morrendo apenas porque são veados.
Mulheres também pagam sua cota. Do ponto de vista capitalista, elas conquistaram muita coisa nos últimos 40 anos (menos igualdade de salário). Conquistaram o direito a ser mães sem a presença do pai-marido e, em nossa sociedade, o direito de ir e vir - a não ser que usem roupas provocantes demais. A única explicação que encontrei até agora para o comportamento dos estudantes da Uniban que cercaram a Menina da Minissaia foi esse xarope de conservadorismo que nos cerca.
Provavelmente, pela idade que têm, muitos desses jovens (a maioria) são filhos de mulheres que trabalham fora. Certamente têm irmãs e primas que estudam para ter uma profissão e que não conseguem, nem podem, separar trabalho e casamento: o salário de um casal é sempre mais garantido que o de um só. Ao mesmo tempo, esses meninos e homens saboreiam as mulheres-fruta, cujos apelidos por si só já indicam o caráter consumista que aplicam às fêmeas. Ninguém respeita uma jaboticaba ou uma melancia.
Da mesma maneira que invadem as ladeiras de Olinda no carnaval, beijando toda menina que passa no caminho, às vezes à força, esses meninos viram na minissaia da colega de faculdade um motivo para chacota. Assoviar, chamar de galinha e passar cantadas grosseiras virou coisa do passado. A onda é responder à altura. Por algum motivo que me escapa, eles se sentiram agredidos pelas coxas da Menina - mas aplaudiram, vejam só, as coxas famosas de Sabrina Sato, que apareceu na Uniban embrulhada num minivestido cor-de-rosa. Foi uma grande sacada do "Pânico" e revelou parte do pensamento desses meninos: as coxas da Sabrina Sato são um tesão (e são), mas a carne das 'nossas' não é pra ser exposta. É a volta triunfal da "mina pra casar".
É uma pena que nada, nem mesmo a entrada de Sabina Sato, ajude a refletir sobre o assunto. A agressão vira piada. A bicha que apanhou dos punks engole o choro. E o fato de alguém se vestir de maneira apenas inadequada rende, no máximo, uma corrida das revistas de mulher nua pelo direito às coxas da estudante. Sai a mulher melancia e entra a mulher judas.
É isso mesmo Mário. Tenho pensando muito sobre isso que vc abordou no seu post. Vivemos tempos sombrios, mesmo. Os jovens hoje são mais conservadores (para não dizer reacionários) que seus pais. Vejo como as crianças de hoje em dia são "educadas" e tenho medo do futuro. Se o Brasil é o país do futuro, estamos lascados pois são eles que nos dirigirão. Só espero não estar vivo para ver a tomada de poder por essas "crianças".
ResponderExcluirEm tempo: bonitinha essa Drummond. Deve inspirar muito soneto...
ResponderExcluirVita, acho que o problema é maior que o geracional. A onda do pensamento conservador engloba todo mundo, da jovem geração aos que já contam a aposentadoria, mesmo tendo vivido os anos loucos...
ResponderExcluirMeu querido!!Nada mudou!!O mundo conservador dos anos 70 não ficou velho!!!Nós ficamos e é só!!!
ResponderExcluirpô, mas peraí, o anarquismo não tem nada a ver com discriminação contra gays e lésbicas, pelo contrário.
ResponderExcluire os punks organizados marcaram presença nas primeiras paradas todas, apoiando os lgbt.
o que tem hoje é um bando de moleque de gangue que usa essas nomenclaturas sem nem saber do que está falando, são esses os violentos, mas não dá pra jogar o bebê junto com a água. conheço um monte de punks e anarquistas que são pró-lgbt, contra racismo, etc.
de resto, concordo, é duro mesmo, pra cada avanço, um retrocesso! talvez seja mais uma reação dos conservadores.
abraço!
Tô ponderando aqui... A direita (ô termo antigo!) sempre se reinventa. O nazifascismo se camufla, vez por outra, e nos engana. A luta pela liberdade, meus caros, será eterna.
ResponderExcluirEm tempo: enqto geração 'aposentadoria' não concordo com sua colocação (o tal problema geracional). Posso escorregar de vez em qdo, mas JAMAIS gritaria puta! para quem quer que usasse uma saia mais curta. No máximo, BREGA! hehehe
Isadora, obrigado pelo toque das tribos... Mas os caras se apresentam assim, né?
ResponderExcluirAna, não entendi, vc não concorda com quem? Comigo? Ah, não é todo jovem que é reaça, assim como nem todo cinquentão é um eterno esquerdinha. O que eu disse é que o espírito conservador paira e contamina gente das mais variadas idades - o que não quer dizer que atinge todo mundo. Ainda bem.
Mario, eu tento não me espantar com as coisas que já sei que fazem parte da nossa miséria brasileira, mas o caso dessa menina conseguiu me deixar boquiaberto. Não só pelo fato em si e pela sequência de absurdos, sintetizados no expulsa-não expulsa, mas pelo foco que a maior parte da nossa grande imprensa deu ao assunto: quiseram saber se de fato a saia era curta, se ela provocou, a Globo pediu a opinião da Gloria Khalil (pra que Casseta e Planeta, se o noticiario já é humorístico?) e ninguém caiu de porrada nos 700 brucutus que provocaram a confusão, nenhuma emissora tentou entrevistar um desses idiotas e entender como aquilo foi possível, como esses linchamentos podem acontecer com tanta frequência em universidades (já houve o caso da moça filmada fazendo sexo e por aí vai...). Acho que ainda falta um desses grandes intérpretes do Brasil, algum sucessor de Gilberto Freyre e Sergio Buarque, escrever sobre o peso que o machismo tem para a sociedade brasileira e como isso nos impede de avançar em tanta coisa (inclusive na política, fato que não muda com o fato de algumas mulheres alcançarem alguma projeção). É uma dessas âncoras (racismo é outra) que a gente ainda não conseguiu levantar... abraços aos milhares, Flávio G.
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ResponderExcluirO problema não é exatamente as pessoas terem sentimentos retrógrados. o que pega é terem espaço para expressar e agir em prol de suas ideias toscas, você tem razão.
ResponderExcluirSempre houve e acho que sempre haverá, pessoas com sentimentos tenebrosos, tem esquisito de todo o tipo nesse mundo, o que não pode haver é espaço para eles agirem e legislarem para discriminar e agredir.
Penso que as meninas poderiam se morder de inveja da colega do microvestido da Uniban, os homens poderiam julgá-la, o que eles, e muito menos a direção da universidade não poderiam ter feito é expressado isso em ofensas, discriminação e agressão.
De fato, esse controle que nuca foi grande coisa, vem se afrouxando nos últimos anos.
Quanto ao noivado e outras cerimônias, Mario, eu acho que as novas gerações recuperaram alguns rituais, que são importantes para servir de marco nas transformações da vida. Desde que não sejam impostos, não vejo mal nisso.
E concordo que o conservadorismo e a caretice não são prilégios dos jovens.
E chama atenção a inversão no discuso.
Na nossa juventude, os velhos é que eram acusados de reaças e caretas,as novas gerações eram acusadas de serem progressitas demais.
Pois é, Ester, há algum tempo se delineia isso. Pais revolucionários e maconheiros puxando um fuminho escondido dos filhos, totalmente contrários a drogas... esse tipo de coisa.
ResponderExcluirNoivado, em si, é uma coisa que eu acho careta. Tinha uma função histórica, de permitir algo além da mão na mão, mas não sou eu quem vai ter um xilique se meus sobrinhos me convidarem pro almoço de noivado deles. Eu vou e ainda levo presente.
Flávio G., meu querido, vc lembrou bem. O caso da menina filmada fazendo sexo, cujas imagens correram a internet. Ao contrário do que tentou se explicar no caso da Uniban (faculdade de pobre...), a história da menina que transava se passou entre alunos da Fundação Getúlio Vargas, uma das mais caras e elitistas do país.
É foda, virou, mexeu, a gente cai no preconceito da imprensa contra pobre. Talvez por isso não tenham corrido atrás dos brucutus da Uniban: porque pobre é assim mesmo.
tem horas q realmente parece q retrocedemos. como disse uma amiga, na década de 60, 70, as pessoas tinham orgulho de dizer q liam, q eram informadas, cultas. hj já vi muita gente ridicularizar a informação. ler pra q? triste triste. beijos, pedrita
ResponderExcluirFoda Marião, concordo bastante com você. Acho que o moralismo é uma coisa rançosa pela dificuldade que as pessoas têm de lidar com elas mesmas. Tem muito filme de homofóbico que bate em gay porque não aceita esse tipo de coisa dentro de si mesmo. Dá pra fazer uma lista de filmes. E convenhamos, esses 20 anos de democracia parece que não serviram tanto assim pra aprofundar debates civilizados sobre as diferenças. Continua sendo um país massificado pela mídia que generaliza preconceitos e valores e não valoriza o pensamento individual. Punk é só um cara que anda de cabelo espetado, menina de mini saia é puta. Hoje em dia é mais conveniente pensar como todo mundo. E isso, afeta ricos e pobres, velhos e moços. É uma coisa de período mesmo... Muito estranho... Boa constatação. Já tinha percebido isso, mas achava que tava louco, e era melhor ficar quieto como todo mundo. Beijão, Pedro Guilherme.
ResponderExcluiroi märio -
ResponderExcluircomo vc e os colegas aqui, também me assusto com reacionarismo sendo visto como "natural"- talvez há alguns anos os jovens tivessem vergonha de mostrar essas reações por conta daquelas famosas "patrulhas ideológicas".
Hoje, zerou o placar, eles retomam seus rituais - como o noivado - e recuperam também o moralismo que está por trás deles, incluindo-se aí a diferença entre "moças pra casar" e "moças pra desfrutar" que nós, iludidas pós-feminismo achávamos que tinham sido extintas para sempre.
Não adianta chorar. Mãos à obra, porque,como vc bem lembra, hoje ninguém apanha calado.
Nossa Menina da Minissaia conseguiu mesmo angariar alguma solidariedade e escapar. E está esperneando...
Talvez seja um fenômeno maior. Cada geração tem que percorrer o percurso das mesmas questões por si mesma, quem sabe. Mas a gente, que já viu esse filme velho e feio antes, não vai esperar sentado.
Memória aí, gente! Afinal, Google e Youtube servem também para a gente olhar cenas de um passado diferente. Se foi melhor em tudo, acho que não. Mas serve de parâmetro.
Olá, tudo bem? Agradeço pelo toque! Foi erro de digitação hehe.. A TV Globo divulga o sobrenome "Ripani".. Abraços, Fabio www.fabiotv.zip.net
ResponderExcluirAlém dos amigos de costume, sempre bem-vindíssimos, visitas novas e ilustres. FábioTV e o meu ator-fetiche Pedro Guilherme (com todo o respeito, Bebel... rs... quer dizer, mais ou menos... rs rs).
ResponderExcluirÉ bom levantar discussão. E mais ainda olhar pra gente mesmo, tentando descobrir quando estamos agindo de maneira tacanha. Acontece, é chato, mas reconhecer e trabalhar isso é que nos faz avançar.
p.s. Na estréia do reality da Record tinha duas participantes com minivestidos cor-de-rosa. Não sei se foi homenagem, se rosa tá na moda - mas ninguém correu atrás delas chamando de puta.