domingo, 1 de novembro de 2009

Dia de todas as santas


Ninguém combinou nada. O documentário "Dzi Croquettes"nem tinha terminado e a platéia inteira começou a aplaudir com intensidade, com emoção. Eram aplausos sinceros, que certamente pareceram música aos ouvidos dos diretores Raphael Alvarez e Tatiana Issa. Eu estava na platéia do Cinesesc e só não aplaudi mais porque precisava enxugar as lágrimas, de vez em quando (no fundo, eu sou um sentimental, como canta Chico Buarque). Mas "Dzi Croquettes", o filme, merece os elogios e prêmios que conquistou no Festival do Rio. Na Mostra de São Paulo, ainda haverá uma sessão, nessa terça, 14 horas. Pena que poucos poderão assistir e entender um pouco mais do Brasil que temos ao nosso redor.

"Dzi Croquettes", o nome já diz, é um documentário sobre o grupo de atores-cantores-bailarinos que tomaram conta dos palcos brasileiros no começo dos anos 70. Estávamos no auge da ditadura militar e, sem que ninguém soubesse explicar como, aquele bando de homens vestidos de mulher, com peitos cabeludos e uma irreverência à toda prova, saíram de uma boatezinha na Zona Sul carioca para teatros do Brasil todo - até chegar em Paris e arrebanhar uma platéia que incluía Mick Jagger, Catherine Deneuve, Omar Shariff e a madrinha-mor do grupo, Liza Minneli (foi ela que conseguiu furar o bloqueio da imprensa francesa, levando uma platéia de celebridades ao show do grupo e dando o estopim da vitoriosa temporada européia).

Do grupo, faziam parte 13 homens - 8 deles já mortos, como o coreógrafo Lennie Dale. Mas Ciro Barcellos e Claudio Tovar continuam na ativa e dão lindos depoimentos. Aliás, os depoimentos são um show à parte no filme. Miele, Marilia e Sandra Pêra, Pedro Cardoso, Jorge Fernando, Ney Matogrsso, Cesar Camargo Mariano, Claudia Raia, um bando de franceses e até Liza Minneli falam de sua relação com o grupo e de como foram influenciados por eles.

Mas o segredo do filme não é enfileirar os depoimentos. É, desde o começo, localizar o surgimento do grupo na história do Brasil. Havia um regime militar, havia os atos institucionais e havia uma censura braba - ainda não havia nem Secos & Molhados, quando as Dzi Croquettes começaram a rebolar suas maquiagens malucas. Essa localização, aparentemente tão óbvia, é uma das pedras de toque do filme. Quem não viveu a época ou não conheceu o grupo - eu só conheci de ouvir falar, por exemplo - entende e se espanta com a ousadia deles.

O outro truque que eleva o filme é a maneira com que a co-diretora Tatiana Issa se coloca na história. Seu pai foi cenógrafo dos Dzi e ela cresceu acompanhando os ensaios dos "palhacinhos", pois era assim que a menina os via. É lindo. Ao partir do geral - a ditadura militar - para o particular - a relação de seu pai com o grupo, Tatiana ajuda o filme a se firmar na nossa mente e na nossa emoção.

A gente sai do cinema espantado com o grupo que não gravou disco, nem deixou DVDs - mas que influenciou toda uma geração que veio depois. E eu, particularmente, ficava espantado ao ver trechos de filmes em que Lennie Dale se apresentava com Elis Regina, sua grande amiga - foi ele, recém-importado de Nova York para as boates do Rio, que ensinou a gaúcha a cantar girando os braços; Lennie deu a Elis uma noção de corpo e de ocupação do palco que poucos artistas tinham. Elis, Ney, as Frenéticas, o besteirol - tudo está interligado, por mais estranho que possa parecer de vez em quando. Entender esse naco da nossa história recente é verdadeiramente emocionante.

E assistir ao filme num domingo de feriadão, dia de todos os santos, não deixou de ser uma homenagem às loucas do grupo, que deram à sexualidade outra pegada. Ô, como faz bem ver filme bom.

17 comentários:

  1. Ótima dica! Tentarei assistir ao documentário na 3a. feira. Será que é o mesmo vídeo que foi veiculado quando da exposição de fotos sobre os Dzi num dos últimos mixbrasil? Me parece que não...
    Sobre os Dzi Croquetes, há uma dissertação muito bacana defendida na Unicamp em 1979 sobre o grupo e que deve ajudar a entender tudo isso. Eu, que não tinha nascido ainda na época dos Dzi, ambém tenho muito interesse. Aí vai a referência:
    BARUE, Rosa Maria Lobert de. A palavra mágica Dzi: uma resposta difícil de se perguntar: a vida cotidiana de um grupo teatral. Campinas, SP, 1979. Dissertação (Mestrado), Unicamp.
    Acho que deve ser editada em livro para breve. Vamos torcer!
    ps.: sempre passo por aqui, gosto muito dos seus textos!

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  2. Opa, Isadobra, obrigado pela visita. Sabe que, quando me propuseram ver o filme ontem, eu brinquei: só vai valer a pena se explicarem porque chamava Dzi Croquettes. Lá pelas tantas, explicam - e a platéia cai na gargalhada, porque é uma explicação hilária.
    Legal essa tese. Vou ficar de olho. Abraços.

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  3. fiquei curiosa pra ver esse filme. beijos, pedrita

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  4. Pedrita, vc vai gostar do filme!
    Ana, não sei se dá pra chamar de saudável um país que vivia sob a ditadura... mas que as ousadias tinham espaço, isso tinham.

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  5. A ditadura era a loucura dos 'outros'. Saudáveis éramos os resistentes, assim como os "Dzi". Os limites eram bem definidos, se me entende...

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  6. Já ouvira sobre o grupo, mas nunca vi nada (infelizmente). Bora ver o filme, ne?! e perae... Tatiana Issa, a loirinha que era atriz???

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  7. A própria, Heitor. Lindinha, sensível, um chuá. A Folha de hj tem uma matéria sobre o filme.

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  8. Ana,
    Gostei de "a ditadura era a loucura dos outros". Vou roubar essa frase. Quem sabe um dia a uso num livro. E te dou o exemplar de presente, autografado.

    beijos

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  9. Ousadia: coragem, arrojo, atrevimento, audácia, segundo o Michaellis.
    "Espaço para ousadia", Mário, no meu entendimento, é um contrasenso, tinha espaço nenhum não, os caras que tiveram coragem de mudar.
    Aquele período no Brasil era punk na política e nos costumes, homem não beijava nem o pai, bunda era palavrão. Havia muitas dúvidas sobre a virgindade e gay não era gente.
    Foram revolucionários, bem como Ney Matogrosso, que você citou, que diz que se tem pagodeiro rebolando hoje em dia é porque ele teve coragem de romper com a caretice dos anos setenta.
    Se esperar autorização ou tempo bom para ser ousado não se sai do lugar.
    Dzi forever, não vi e gostei.

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  10. substitua "revolucionários" por "subversivos", acho que combina melhor com as santas.

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  11. A ameaça do Vita me fez ficar alerta. Vou começar a anotar minhas 'pérolas', quem sabe ainda publico um livro! Antes vou mudar meu nome para Ana Coelho, acho que tem mais pegada.

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  12. Ana,
    Tudo bem, mas "a ditadura era a loucura dos outros" já peguei. Tava dando sopa, fiz usocampião. Ana Coelho não tem boa sonoridade. Tente Ana Lobo, que é um animal mais interessante. A gente lembra do Jack London, Caninos Brancos, o Chamado Selvagem. Vou ser seu writer trainer. Vai por mim.

    Já que você quer escrever um livro, pense num conto de horror: a história de uma personagem que dorme na cadeira do dentista e, quando acorda, descobre que ele trocou seus dentes por dentes de ouro. E, a partir desse momento ela não tem mais sossego, não consegue mais dormir, porque todos a perseguem para tirar seus dentes dourados. Que tal? Pode até ser filmada por Tim Burton, com o Johny Depp no papel do dentista. Puta história!!!!

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  13. Mario querido,
    mais uma dica legal desse blog que virou meu preferido! Meu amigo Raimundo, que não é nem rima muito menos solução, já tinha me falado desse filme. Agora vou conferir com certeza!
    Grande abraço

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  14. Mário,
    Assiti o filme no Bombril e fiquei o tempo todo com lágrimas nos olhos de contentamento, emoção e um monte de coisa mais. Foi a coisa mais original e vibrante que já vi "esses DZI CROQUETTES". Concordo com tudo o que voce diz. Terminando a sessão, fui abraçar ainda chorando a filha-cineasta (que estava na sessão) e agradecê-la por me tornar conhecedor de tão extraordinárias criaturas. Gostei de tudo no filme inclusive de como ela se coloca no filme. O pai dela teria se emocionado com a forma singela e apaixonada da homenagem. Valeu. Um abraço.

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  15. Vim ler seu texto ,do de cara com o comentário da Isa! mundinho minúsculo esse!
    Dizi Croquettes foi o filme mais sensível e bonito que vi nos últimos tempos! adorei seu texto! Tati Groff

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