segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Salvos do dilúvio


Dias chuvosos sempre nos fazem pensar na existência. Ninguém filosofa direito em dia ensolarado. Na última semana, São Paulo tem estimulado muita reflexão. Depois do aguaceiro de terça-feira, qualquer chuveiro mal fechado já desperta em nós o medo do trecho intransitável. Hoje foi assim: segunda-feira, chuvinha besta, trânsito ruim... Cadê a coleção dos Pensadores?


Na falta do Kierkgaard ou dos pré-socráticos, o jeito foi apelar para meu eu interior mesmo. Enquanto fazia a série de exercícios na academia, ouvindo as músicas mais variadas no i-pod, me peguei fazendo a listinha do que eu salvaria do dilúvio universal. Algo parecido com "quem você levaria pra uma ilha deserta?", que as meninas costumavam perguntar nos cadernos de questionários dos anos 70. Mas em vez de "quem", fui para o "quê" mesmo. Que músicas fariam minha trilha sonora depois que tudo ficasse "soterrado pelas águas", como costuma se escrever nas redações de vestibular.


Aí começam as sub-questões, as mais difíceis de responder. Levo no atacado ou no varejo tá valendo? Levo tudo da Ella Fitzgerald? Ou da Dinah Washington? Depende, é claro, do tempo disponível. Se der pra fazer listinha, beleza - solta um Ella cantando "Honeysuckle Rose" e "I love Paris"... Uma Dinah mandando brasa em "I've got you under my skin". Quero também umas coisinhas do Jamie Collum, a Lizz Wright arrasando em "Come rain or come shine" e várias da Amy Winehouse e do Mika - não dá pra passar o apocalipse sem "Rehab", "Grace Kelly" ou "Big girl", dá?


Obra completa, mesmo, talvez só a do Chico Buarque. E da Nara, que já tá em duas caixas bastante práticas. Muita, mas muita coisa mesmo da Elis - eu esqueceria uns discos do final dos anos 60, quando ela fazia discurso contra guitarra. Ah, "Elis & Tom", aquele disco que ela canta "Na Batucada da Vida" e "Conversando no Bar"... "Falso Brilhante"... Tem coisa obrigatória. Da Gal levo muita coisa - menos aquela fase Sullivan e Massadas. E os últimos, também, muito frouxos. Bethânia, quase tudo. Não esquecer "Brasileirinho", "Drama Terceiro Ato" e "A Cena Muda". Xi, o Caetano. Esse, vai no varejo - não quero "Eu sou neguinha" nem pintado de ouro. Nem aquela que ele fez pro Lobão.


Tem que sobrar espaço pra João Gilberto, Pedro Luis & A Parede, Roberta Sá, Beth Carvalho, Nana Caymmi, Cassia Eller, Zé Renato, Rita Lee e umas coisas da Simone. Muitos do Ney Matogrosso, outros da Rita Lee. Aracy de Almeida, com certeza. Depois eu penso nos clássicos.


Na bagagem dos DVDS... vixi, vai muita coisa. "Noites de Cabíria" e "Quanto mais quente melhor", com toda certeza do mundo. "Casanova e a revolução", do Ettore Scola. Uns filmes do Truffaut - "A mulher do lado" e "O último metrô", meu Deus, não posso esquecer. Woody Allen, completo, mesmo os fraquinhos (porque o Woody Allen fraco é melhor que muita besteira que o celulóide registra). "Toda Nudez será castigada" e "Tudo bem", do Jabor, especialmente se ele não vier junto. Todo o "Seinfeld", os "Soprano" e "Two and Half Men". "House", sem dúvida.

"Cantando na Chuva" e qualquer filme que tenha o Gene Kelly cantando e dançando, só pra eu continuar acreditando que a humanidade tem esperança de salvação. Vários filmes do Johnny Depp, pelo mesmo motivo.

Tem mais coisa por aí, preciso pensar. E olha que nem comecei a empacotar os livros...


Mas uma coisa é certa: todo mundo tem sua listinha guardada no fundo do baú. Faz parte dela toda obra artística que nos atinge a alma, nem que seja por uma fração de segundo. Aquela obra que nos deixa contentes por estar vivo e vendo aquilo acontecendo - porque, não importa o tempo de existência, toda obra de arte acontece (no presente) no momento em que mexe no espírito de alguém. É quando o ciclo se completa. Sempre.

24 comentários:

  1. Bela lista, excelente reflexão. Edi

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  2. Tô nessa Arca! MV, cada dia dia vc se supera. Besotess Ana V.

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  3. MInha lista musical para enfrentar as longas horas que minha embarcação passará boiando nas águas sujas que cobrirão esta cidade:

    Miles Davis - Tudo, com cinco cópias de Kind Of blue para o caso de algumas delas riscar ou se perder na água.

    Milton Nascimento - Tudo, com cinco cópias de clube da Esquina 1 e 2 (pelo mesmo motivo anterior)

    Elis Regina - Tudo (com cico cópias de Ela, Falso Brilhante, Elis e Tom)

    João Gilberto - Tudo (com cinco cópias de tudo)

    Caetano Veloso - Todos do início de carreira (cinco daquele que ele gravou em Londres).

    Ella Fitzgerald - Tudo

    Chico Buarque - Tudo

    John Coltrane - Tudo

    Chet Baker - Tudo

    Duke Ellington Tudo.

    Ella Fitzgerald - Tudo

    Nina Simone - Tudo

    Cassandra Wilson - Tudo (e um álbum com fotos dela, pois ela é lindissima).

    Beatles - Tudo....

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  4. Lista de DVDS para a viagem fatídica, na pororoca de encontro das águas do Tietê com o Tamanduateí:

    Fellini - Todos
    Woody Allen - Todos
    Almodóvar - Todos
    Neorealistas italianos - todos
    François Truffault - todos
    Chaplin - Todos
    Pornôs (os clássicos do gênero Atrás da Porta Verde, o Diabo na Carne de Miss Jones e Garganta Profunda).
    Brasileiros - Todos incluindo Mazzaroppi, Derci Gonçalves, Oscarito e Grande Otelo, Ankito, Zé Trindade, Zé do Caixão (Ok, tirem todos os da Xuxa, da Mara Mourão, dos Trapalhões e do padre Marcelo Rossi).
    Bergman - Todos
    Japoneses´- Todos, até os samurais de quinta categoria e National Kid.
    Faroeste - Todos, principalmente os western spaguetti com o Clint. Já que falamos do Clint, todos dele, inclusive aqueles ultraviolentos da série Dirty harry.

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  5. Vita, que lista boa. Na parte musical, eu acrescentaria umas coisinhas dançantes e outras meio tecno, pras aulas de ginástica.
    E como eu pude esquecer "O homem do sputinik" e "Uma pulga na balança" - acho que as duas melhores comédias nacionais, fora as do Mazzaroppi...
    Vc colocou duas vezes a Ella. E esqueceu a Billie Holiday, o que pode te criar problemas domésticos... rs.

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  6. Mário,

    Verdade eu errei. Onde se lê Ella 2 leia-se Billie. Só não coloquei música dançante, porque o barco pode virar, né não? E, no caso as aulas de ginástica teriam de ser de hidroginástica. Mas naquelas águas sujas e gilbertinas não me arriscaria, poderia pegar uma serrose, digo verminose....

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  7. Lista de livros (meu barco vai ficar pesado, mas posso ir descartando os livros à medida que forem lidos, para serevirem de alimento para os peixes mutantes que nadam no Tietê):

    Machado de Assis - Todos
    Italo Calvino - Todos
    Patricia Highsmith - Todos
    Marçal Aquino - Todos
    Italianos do pós-guerra - Todos
    Russos - Todos.
    Shakespeare - Todos, claro.
    Hemingway - Todos
    John Updike - Todos
    Peças do Mário Viana - Todas, menos as cômicas, porque eu poderia rir muito e virar a embarcação.

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  11. Ah, Ester, vc protesta da boca da fora. Pelo menos um livrinho vc há de levar. Duvido que seu ideal de apocalipse seja ficar recolhendo cocô de cachorro enquanto o mundo se derrete.
    A jovenzinha que me deu "Poesia Completa", do Drummond, nos idos de 78, ainda vive nesse coração empedernido... rs rs...

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  13. "Carregar tanto passado"... que horror, Ester, eu não tô falando de trauma, tô falando de arte, de coisa que ilumina a alma, que faz a gente avançar como ser humano.
    Pra mim, as lembranças das músicas, dos livros e filmes - e das viagens - são o que empurram a gente pra frente.
    Sem passado a gente é apenas um cocô de cachorro que alguém esqueceu de catar, por higiene e respeito ao próximo.

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  15. Ditadura da sensibilidade e do conhecimento! Parece a ditabranda da Folha...
    Mas, como diria o por nós dois citado Carlos Drummond, o mundo é vasto e só rima com raimundo.
    Neste blog, todos têm garantido o direito de discutir e discordar, não é preciso cota.

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  17. Ester, discordar não é nem tentar convencer nem comprar briga. É só ter opiniões diferentes. Simples assim.
    Relaxa e coma seu pão com ovo em paz.

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  18. Pão com ovo... Passado interiorizado... tsc, tsc, tsc... Não tem como fugir, viu Ester?
    Aliás, me senti uma ogra (existe isso?); com todo o respeito ao Drummond, no me gusta mucho la poesía. Ando mais para Tarantino!

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  20. Ela sempre quer ter a última palavra... rs... Deixa quieto.

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  22. Estou chocada com a segte notícia: menino de 4 anos morre ao mascar ciclete! A mãe o levou ao CS, que não tinha um médico, e a enfermeira não conseguiu salvar o moleque. A mãe vai processar o CS pelo mau atendimento. PÉRA LÁ. Esta sujeita em momento algum pensou que é CRIME dar ciclete para uma criança tão nova????
    Comment para justificar minha fase Tarantino...

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  23. Ana,

    Hoje em dia é dificil segurar os petizes. Por mim eu amarrava na coleira, no meu jeito terno de criar seres que um humorista americano mal humorado chamou de anões maus. Claro que a mãe deveria ser mãe e não permitir que a besta da criança mascasse chiclete. Mas hoje em dia mãe é sinônimo de mulher que cede o útero para gerar anões maus. Não é mais aquele ser que educa, que dá amor e nos coloca nos trilhos dessa imensa ferrovia que é a vida. Mãe mesmo, só a minha, a sua e uma meia duzia por aí (incluindo a do Mário Viana, claro).

    Hoje também estou tarantiniano, mas sem a espada de samurai... Saudades da Uma Turman....

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