
Há várias hipóteses pra eu não ter embarcado no filme "Goodbye Solo", dirigido por Ramin Bahrani e premiado pela crítica no Festival de Veneza do ano passado. O primeiro, óbvio, é cansaço. Mas há outros. Por princípio, os filmes independentes do cinema americano contam com a simpatia de quem gosta da sétima arte, só pelo fato de tentar quebrar a fórmula que os grandes estúdios usam pra engessar os roteiros. Humor negro, incorreção política e temas mais ousados fazem parte do cardápio indie - mas até isso, vejam só, vira fórmula.
"Goodbye Solo" é independente no tema e nos personagens - um velho derrotado pela vida (derrotados são o grande fantasma do imaginário americano) e um senegalês que trabalha como taxista, mas sonha mesmo é ser comissário de bordo. É no taxista Solo que está o grande problema do filme, na minha opinião. Ele fala pelos cotovelos - e quem pega táxi sabe o quanto isso é desagradável, às vezes. Dono de um otimismo irrefreável, Solo é um mostruário de correção política: honesto, camarada, malandro quando precisa, vive com uma mexicana, que espera um filho dele, e se dá muito bem com a enteada, uma menina esperta e, claro, lúcida como os adultos não são. Todo mundo mora numa cidade perdida nos cafundós americanos e leva uma vida rotineira até a medula.
O filme tem dois excelentes atores, mas como o roteiro é de cineasta indie, não há explicação para a ação que movimenta o filme todo - pra contrariar o manual do bom roteiro, os indies acham que ator com olhar parado é 'profundo' e que todo silêncio é 'pleno de explicações'. Não é. Solo acha que William, o passageiro, vai tomar uma atitude radical e, sem que William peça ou sinalize, entra na vida do outro disposto a fazê-lo mudar de idéia. Pode ser que eu seja mais um urbanóide cioso da própria intimidade, mas o fato de um estranho se instalar em minha casa para me fazer mudar de idéia é apavorante. E, pior, um estranho bonzinho, com intenções divinas e de um servilismo abjeto. Que me desculpe o Alysson, do www.cineweb.com.br, fã do filme, mas Solo é um mala sem alça.
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"Iê Iê Iê", o novo CD do Arnaldo Antunes é uma delícia. O título jamais levaria alguém ao Procon: as músicas parecem ter saído diretamente do programa da Jovem Guarda, o movimento musical capitaneado por Roberto, Erasmo e Wanderléa, recheio de tudo quanto é bailinho da saudade. Desde o tempo dos Titãs, Arnaldo é um letrista de mão cheia. Em uma entrevista dada ao Caderno 2, esta semana, ele se diz um cultuador de palavras - e é mesmo. Como todo artista contemporâneo, Arnaldo é meio pretensioso, mas a maneira como ele junta substantivos e adjetivos num verso é curiosa e instigante. Há sempre alguma isca a nos fisgar nas letras de Arnaldo.
No novo disco, ele pensa sobre a passagem do tempo, em "Envelhecer" ("é ver morrer os amigos e aprender a esquecer"), sobre a solidão, em "A casa é sua" ("já tenho o tapete, só falta o seu pé descalço pra pisar") e outros sentimentos que atingem jovens e velhos sem discriminação. Apesar dos temas duros, ele parece escrever com luz. As letras de Arnaldo nunca me soam depressivas. "Grávida", que Marina Lima gravou no tempo em que ainda tinha voz, é uma louvação. "E vou parir sobre a cidade/ quando a noite contrair/ E quando o sol dilatar / vou dar à luz". Ou em "Alegria", que Bethânia cantou lindamente num show (e alguém conseguiria juntar Arnaldo Antunes a Maria Bethânia? nunca). "Eu vou te dar alegria / eu vou parar de chorar / Eu vou raiar um novo dia...". Eu acho o último verso um arraso: é bom demais raiar um novo dia.
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Mudando de assunto... Essa crise provocada pelo Manuel Zelaya na embaixada brasileira em Honduras tá parecendo um longo episódio de "Alf, o ETeimoso". Lembram? O alien que se instalava na casa de uma família classe média, se pendurava ao telefone e criafa as maiores confusões. Zelaya é o Alf do Lula.