quinta-feira, 9 de abril de 2009

Aplausos roubados


A notícia da morte do ator Francarlos Reis, ontem, demorou algumas horas pra chegar aos sites dos jornais. Demorou bastante mesmo. Eu até pensei que se fosse a morte de um figurante que ficou na lista de espera pra entrar no forno da Lista de Schindler, do Spielberg, a notícia teria sido mais rápida. Talvez. Não sei.

Só percebi que um ator que dedicou sua vida ao teatro conseguiu espaço bacana no Caderno 2, mas não chegou a tempo de ocupar uma notinha que fosse na Ilustrada. Saiu algo na Mônica Bérgamo, sim, mas uma nota certamente divulgada pela assessoria do espetáculo "A Noviça Rebelde", informando que o show não pode mesmo parar e que outro ator já estava escalado para a substituição. O tema da nota não era a morte. Houve mesmo espaço pra contar que uma das atrizes da peça prepara um livro sobre técnicas de canto...

Francarlos fez muito teatro - e nos últimos anos vinha conseguindo com regularidade aquilo que todo ator secretamente sonha: um caloroso aplauso em cena aberta, por justo merecimento. Suas intervenções em "My fair lady" eram deliciosas. Disseram que também roubava a cena em "A Noviça Rebelde". Em "A Cabra", era o amigo fofoqueiro do protagonista. Não chegava a brilhar em cena, mas a força da peça é mesmo o texto primoroso de Edward Albee. Ele dividia o palco com José Wilker, Denise del Vecchio e Gustavo Machado, como se vê na foto.

Não éramos amigos. Mas nos conhecíamos, nos cumprimentávamos, trocávamos uma frase aqui, outra ali. Ele fez minha peça "Galeria Metrópole", substituindo o ator Fernando Neves no papel de Nenzinho, a bicha fantasma ainda apaixonada pelo personagem do Rubens de Falco. Fernandinho dava um tom divertido e patético, Francarlos acrescentou uma amargura - ah, eu gosto disso em teatro! Francarlos entrou na peça por amizade ao Rubens e ao Zé Renato, que dirigia o projeto (a peça era dirigida pelo Paulinho Capovilla) e certamente não ganhou o suficiente para pagar o táxi. Mas fez com carinho, com dedicação. Um dia, no Luna di Capri (claro), ele me parou e perguntou se eu não topava escrever um pequeno monólogo. Era pra se juntar a outros pequenos monólogos de autores contemporâneos, espetáculo pra ser feito pelo prazer de atuar - ele já tinha feito algo assim, com o Bortolotto e outros autores. Topei - mas não escrevi nada, nem ele me cobrou. Os musicais conquistaram o ator.

No jornal hoje, li que ele fez uma novela. "Venha ver o sol na estrada", na Record, em 1973. Parece que foi sua única experiência no gênero. Engraçado, porque essa novela de título hippie foi também a experiência única da autora, a dramaturga Leilah Assumpção, e - salvo engano - do diretor Antunes Filho. Imaginem o público, então...

Francarlos ficará mesmo nas coxias dos teatros e nas conversas dos restaurantes onde a classe artística divide um prato na madrugada. Os aplausos roubados, ele os levou na memória.

4 comentários:

  1. E vc ainda fica surpreso com a inanição editorial da Ilusrada???

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  2. Doi ver tanto descaso com um artista da grandeza do Sr. Francarlos. Um artista na essência do ser.

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  3. A gente sempre nutre a esperança de alguma coisinha tome jeito... não precisa ser tudo, não... uma coisinha aqui, a outra ali...

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  4. Lindíssimo texto, amarguinha mesmo a vida, e incrível a história da novela... A vida é surreal. :))

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