segunda-feira, 20 de abril de 2009

3 1/2, o Music Hall

Consegui uma brechinha, corri até o Teatro Sergio Cardoso pra ver "Sete, o Musical", que estreou esses dias. Espetáculo do Moeller e do Botelho, elogiadíssimo por meu amigo Dirceu, Zezé Motta no elenco, trama 100 por cento brasileira... Fui. Vi o primeiro ato e agradeci aos deuses do teatro a existência do intervalo. O elenco ainda devia estar na fila do xixi nos camarins quando eu pisei de volta a Rua Rui Barbosa.

"Sete" é muito bem produzido. Elenco grandioso e afinado, bons músicos no fosso ao vivo. Mas é um monumental erro de press-release (que a imprensa deu pra repetir, sem questionar) dizer que se trata de um musical brasileiro. Não é, não. Só porque a história diz se passar no Rio de Janeiro, isso não faz do espetáculo um produto verde-amarelo.
De tanto traduzir musicais da Broadway, Moeller & Botelho aprenderam todos os truques e tiques. "Sete" é um musical americano, todo escrito em português. Poderiam dizer que é um musica londrino, com aquele clima de Sweeney Todd que, declaradamente, inspirou o compositor Ed Mota. Pode até ser australiano, com o figurino soturno de Mad Max 25. Mas de brasileiro-brasileiro, "Sete" tem apenas a voz quente e sempre sensual de Zezé Motta e a perfomance rouba-cena de Rogéria.

Só mesmo Rogéria e Zezé quebram o gesso. Alessandra Maestrini canta muito bem, tem uma voz cristalina - mas parece que vai a qualquer momento soltar um "lá em Pato Branco, marido não larga a mulher assim, daí". Quando canta - bem - ela lembra a meiga Sandy ou qualquer outra americana de voz cristalina e candidata ao Oscar. Falta o que os antigos chamariam de "it".

E nem vou falar da 'trama" que costura o primeiro ato. Tem Branca de Neve, sete anões altos, casa de tolerância, mulher abandonada, madrinha boazinha e bruxa malvada. Ai, que preguiça. Nada, fio nenhum me interessou minimamente. E isso foi me deixando triste, porque eu adoro teatro, gosto de musicais e sinto imenso prazer vendo a platéia se divertir em conjunto.

Mas algo me incomoda nesta onda atual de musicais... Os importados - trazidos da Broadway, montados em São Paulo - têm o gritante defeito de serem encenados em série. Ali, pouco importa quem seja o artista, desde que ele se encaixe no molde estabelecido. Por isso, me encantei sinceramente por "Sweet Charity" e "My Fair Lady". A gente assistia e via os atores-cantores suando em cena, deixando sua marca. Claudia Raia, Marcelo Medici, Amanda Acosta... Eles faziam esses musicais. Agora exercite a memória: além do Saulo Vasconcelos e do Daniel Boaventura, você lembra quem esteve em cena no Fantasma da Ópera ou nos Miseráveis? As pessoas uivavam quando Saulo cantava, mas não o reconheciam na calçada do teatro. Isso é muito triste para quem, como eu, gosta de ver gente em cena!

Já os musicais cariocas só sabem contar biografias de artistas famosos. Se ainda contassem bem as histórias, vá lá, mas as tramas são fiapos, a qualidade dos diálogos é menos que pífia - e certas peças não mereceriam um mísero aplauso se não fossem as performances de seus protagonistas: "Cauby", com Diogo Vilela, e "Orlando Silva", com Tuca Andrada, são exemplares disso.

O Rio é e sempre foi uma cidade auto-centrada e os dois musicais de maior sucesso recente provam a tese. "Sassaricando", o delicioso ajuntamento de marchinhas de carnaval, remete aos tempos do Rio camarada, malicioso, brejeiro. "Sete" é o Rio de hoje, embora sua trama se passe em algum ponto indefinido do passado. "Sete" é o Rio soturno, ameaçador, com perigos ocultos em becos e vielas. E acaba aí seu interesse.

"Sete" é, acima de tudo, pretensioso. As músicas de Ed Mota, o menos brasileiro dos compositores, não são ruins - mas são composições de Ed Mota: trazem embutido em seus acordes um certo ar de "notem que genial" que tempera tudo o que o sobrinho de Tim Maia faz. E as letras (do Moeller ou do Botelho, eu sempre confundo e não vou parar pra pesquisar) exprimem claramente o desejo de parecer uma "letra do Chico".

Estão ali certas figuras de linguagem, certos jogos de palavras, que remetem muito de longe ao autor de "Calabar" e "Ópera do Malandro" - tanto que na cena em que a dona do puteiro (Rogéria) vai explicar o trabalho para a moça de Pato Branco, eu me admirei de ela não cantar "Uma canção desnaturada" (aquela da curuminha...).

De todo modo, é bom ver que - esbarrando aqui, copiando ali - o teatro musical brasileiro se firma. Eu não vejo a hora de poder ver em cena os que escrevi... e poder ser chacoalhado pelos comentários ranzinzas de algum blogueiro perdido...

2 comentários:

  1. Coitado de você Mário. Devia ter assistido Corinthians e SP pela TV. Aquilo sim foi um show..... Com direito ao bis do replay!!!

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  2. Podia ser pior, Vita. O Corinhians podia ter perdido e eu poderia ter assistido o segundo ato. Pela descrição de um amigo, que assistiu, eu teria ficado muuuuuuito... hã... decepcionado com a espécie humana. rs.

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