quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O Príncipe e o Mendigo


Se a vida fosse uma novela, dessas que a gente assiste (ou, no meu caso, escreve), a coisa já estaria encaminhada. No fim da trama, os maus seriam punidos - alguns até com morte - e os bons se encontrariam, todos se entenderiam e dariam início a uma nova e feliz existência. Infelizmente, a vida teima em não seguir um roteiro. Nós, da grande platéia, só sabemos o que os jornais noticiam. De um lado, um menino norte-americano, filho de mãe brasileira, virou o lencinho no cabo de guerra que seus avós e seu pai travam diante do mundo todo, literalmente. Do outro lado, enfiado numa cama de hospital no interior da Bahia, está o menino cujo padrasto vingou-se da mulher, enfiando 42 agulhas no corpo do garoto de 2 anos.

Um, no Rio de Janeiro, vive cercado de tanto, mas tanto amor, que não tem quem pense nele. O outro, em Ibotirama, vive com a mãe, os cinco irmãos e o padrasto - e não teve ninguém que prestasse atenção nas agressões que seu corpo sofreu ao longo de dois meses. Numa novela, dessas que disputam a audiência ponto a ponto, os dois meninos seriam provavelmente irmãos separados no nascimento. Na vida real - se é que podemos chamar isso tudo de vida - eles nunca vão nem saber da existência um do outro. O mais pobre, talvez, nem sobreviva às agulhas.

O menino rico - deve ser rica a família, para mover com tanta gana a roda implacável da Justiça brasileira - virou alvo de uma disputa insana: os avós querem mais poder que o pai. Não sei se o pai é bacana ou pilantra, mas se fosse pilantra mesmo não estaria brigando tanto pelo moleque. Os avós, com certeza, vêem no menino uma extensão da filha morta. É justo que queiram ficar perto do neto. Mas será que a ponto de separá-lo do pai, apenas por que a filha tinha terminado o casamento? É uma discussão cabeluda, mas o que me chama mais atenção é a sensação de que, em momento algum, as duas partes se sentaram numa mesa para conversar.

Devem ter sentado, é claro, mas com posições já definidas. Delas, nenhum dos dois lados abriu mão. E o resultado é o interminável bate-boca jurídico, envolvendo até mesmo a super-poderosa Hillary Clinton. Ok, exagerei, a simplesmente poderosa Hillary. O pai tem a aura de norte-americano, o que dá a ele certo poder mítico. Os avós brasileiros são de uma família influente e bastante enfronhada nos meios do Judiciário. E nós sabemos o quanto isso pesa na hora de um juiz dar uma sentença.

Do menino baiano, o que sabemos é que a mãe só percebeu que algo estava errado quando o filho começou a vomitar e sentir dores fortes no estômago. Um raio X revelou a brutalidade. Uma criança de 2 anos, normalmente, já é pequena. Uma criança pobre, do interior do nordeste, é menor ainda. Mais frágil ainda. O que passa na cabeça de uma pessoa que, deliberadamente, submete um ser desses a tamanha tortura? Cachaça demais? Não tentem colocar a culpa na coitada da caninha.
Do baianinho quem vai cuidar, além dos médicos, é um delegado de província e um promotor, tomara Deus, bem intencionado. Não haverá roda implacável da Justiça movendo-se a favor do menino. No lugar de uma Hillary Clinton, talvez uma freirinha ou uma militante de ONG, mais ninguém. As mulheres poderosas de nossa terra - a primeira-dama, as ministras, as apresentadoras de TV que derramam lágrimas pelas criancinhas do show da TV - estão ocupadas procurando o marido, cavando uma vaguinha na presidência ou posando pra Caras.
Eu queria ser roteirista da novela dos dois meninos, só pra poder arrumar um fim bem meloso e feliz pros dois. Só pra escrever a cena em que os dois se encontrariam na rua, talvez diante de uma vitrine de doces ou, quem sabe, num play ground de uma praça abandonada. Eles se olhariam, trocariam um brinquedo, falariam de suas vidas - em sua linguagem quebrada de criança - e superariam todas as diferenças. Nos anos 60, Kadu Moliterno trocou de lugar consigo mesmo e o que era príncipe virou mendigo e vice-versa. Na minha novela, não. Nenhum deles seria príncipe, mas nenhum viraria mendigo. Sairiam pela rua, de repente fugindo com um circo, e seriam, talvez não felizes, mas crianças.

11 comentários:

  1. Rapaz, seus textos são um alento.
    Grande abraço.

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  2. Sao duas e meia da manha. Estou fechando meu dia, mas deixa eu dar uma passada no blog do Mario pra ver se ele postou hoje.......... Prometo que vou sonhar alguma coisa boa, ou entrar nesse sonho de praças e crianças que voce começou. Um enorme cansaço disso tudo.............

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  3. acho q a vida não precisava ter tantos vilões como nas novelas, mas q seria ótimo q o bem vencesse o mal sempre, seria. acho q vc tem a mesma fascinação por novela q eu. é muito bom ver a vida de forma mágica e sonhar um pouco de forma utópica. nas novelas uma criança com agulhadas seria vetado, seria invenção demais, sensacionalismo demais, sordidez demais. a vida é triste. q bom q temos as novelas pra pensar q pode ser alegre e fingir. beijos, pedrita

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  4. O menino americano está bem amparado até pelo Judiciário brasileiro, acho melhor mesmo ele ficar com o padrasto e a avó, perto do irmão, está bem onde está, tem de se pensar na criança em primeiro lugar. Acho que esse pai não deve ser boa bisca, para a ex-mulher ter rompido com ele da forma como rompeu.
    Quanto ao menino das agulhas, eu acho que vai se recuperar e ser muito sorridente e feliz pelo resto da vida. Todo o sofrimento que a vida lhe devia ele já pagou aos dois anos. É uma questão de justiça.
    Ou então ele vai-se embora desse mundo mal e vira anjinho do Senhor, a história terminará bem para ele de qualquer forma.
    E o responsável pela ação demoníaca, para quem gosta de vingança, já está marcado para morrer, imagine, na cadeia ele já era.
    O roteiro já está pronto, o que precisava mudar era a diferença de direitos entre ricos e pobres, um super defendido por todos os lados e outro indefeso, nas mãos de perversos e malucos.
    Ninguem pega criança burguesa para fazer ritual de magia negra. Porque será?

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  5. Concordei com você Mario, veja só, acho que é o espírito natalino, mas antes que entre o tema de love story, o mundo é mau e não mal.

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  6. Ester, na dúvida "o mundo é um horror".
    Te corrigindo, o Menino Rico tem uma irmã. Essas coisas de separação não são fáceis de julgar. O tal americano podia ser um marido muito do nheco-nheco, mas gosta do filho, quer ficar com ele, ué. Uma coisa não exclui a outra.
    Tomara que seu otimismo sobre o menininho das agulhas seja o caminho. Mas a experiência mostra que pobre sempre paga uma longa conta...

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  7. ótimo texto, prof, emocionante. Genial essa ideia de histórias paralelas.
    Abs

    Cauê

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  8. "Nenhum deles seria príncipe, mas nenhum viraria mendigo". Sonho? Não, apenas fé na vida. Seus posts me emocionam. Um grande beijo, meu menino.

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  9. pois é, Mario, a história desses dois meninos também tem me incomodado...
    Porque nelas duas a estupidez dos adultos me chama a atenção - com o caso do pobrezinho de dois anos me revoltando bem mais, por razões óbvias.
    No caso do menino disputado pelo pai americano, acho que falta o próprio garoto, que tem 9 anos, dizer alguma coisa. É fato que a mãe dele largou o pai - havia problemas! - e que ele foi criado no Brasil, com esse padrasto, avó, avô e uma irmãzinha.
    De repente, chega o pai (que não sei se esteve tão apaixonado por ele antes, mas sempre é bom acordar, eu concordo). Leva o menino assim, pros EUA, longe de tudo o que ele conheceu, língua e ambiente estranhos. Será que esse pai é idôneo? Tem maturidade emocional? Ou vai cansar do "brinquedinho" e largar o garoto sabe-se lá como? Ele tem meios para sustentar o garoto?
    Tudo isso, eu ainda não ouvi, não quero prejulgar. Me parece impróprio também que a Hillary se meta nisso... Ela que vá cuidar dos problemas da pasta dela, que não são poucos. Muita gente quer aparecer à custa de questões como essa. Mas acho que a palavra final deve ser do menino. E que ele tem que conviver com o pai, claro.
    Quanto ao menino de Ibotirama, espero que ele sobreviva. E encontrem uma família melhor para ele. Se um caso desses não der perda da guarda, não sei o que pode dar...
    Felicidade pra eles... Se for possível, espero que seja.
    bjs

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