quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Luzes da cidade


Muitas pessoas que lêem esse blog - sim, no plural! - têm urticária quando passam pela Avenida Paulista em dezembro. Bancos e prédios investem pesado em luzes, neve artificial, renas de pelúcia e pacotes de presente exagerados... É Natal na Paulista e isso já virou programa de família aos domingos. No último, eram quase onze da noite, uma multidão se espalhava pelas calçadas da avenida e o trânsito estava caótico - as pessoas simplesmente param o carro onde quer que estejam e fazem fotos com seus celulares ultra-mega-super modernos, comprados com o décimo terceiro.

É um caos? É. Aqueles enfeites são bregas? Demais da conta. Só mesmo uma cabeça formada pra considerar o Hemisfério Norte como modelo a ser copiado é que vai achar natural um velhote coberto de peles, sob neve, iluminado por um sol de quase 35 graus. Nesse ponto, continuamos iguais aos ingleses que vieram para o Brasil com a corte de d. João VI, em 1808, e abriram no Rio de Janeiro diversas lojas importadoras de lareiras e esquis. A suadeira tropical levou muito comerciante à merecida falência.

Pois eu acho lindo - apesar de todos os defeitos - aquele festival de sinos e ho-ho-hos. Tudo bem, não passo de carro por ali, nem paro a todo instante pra ver o anãozinho tocar o sino (do jeito que ele está pendurado, mais parece um baixinho se enforcando...), mas acho um tremendo barato aquelas famílias colocarem suas melhores roupas, tomarem um ou dois ou três ônibus e descerem do metrô na Paulista. São turistas daqui mesmo. Gente que vem do caixa-prego. Pessoas que vivem a galáxias de distância da Paulista, dos shoppings e de todos os ícones que nossa "paulistanice" elegeu como links da modernidade (palavras em inglês são essenciais pra ser moderno). Não é a breguice que incomoda, mas a invasão dos 'de fora'.

Aqueles meninos que caminham excitados pela avenida, os olhos fascinados com os prédios tão altos e tão coloridos, lembram o meu encanto pela "cidade". Era assim: um dia, meu pai chegava do trabalho e avisava: "Hoje nós vamos na cidade". Morávamos num bairro da zona norte e tínhamos de tomar um ônibus até o centro - devia ser uma viagenzinha de uma hora, algo assim, naquela época crianças não tinham nem precisavam de relógio.

Mas era sempre época de Natal e pros meus olhos acostumados às ruas do bairro os prédios e ruas enfeitados eram um mundo mágico, uma caverna de ali babá, com seus ouros e brilhos noturnos. Íamos ao Mappin, ganhávamos um presente, também uma roupa e, no fim, dividíamos um misto quente na Leiteria Americana, ao lado do Mappin. Com guaraná champanhe! Não há Fasano que chegue aos pés desse misto quente - e não estou desmerecendo o restaurante mil estrelas dos Jardins, longe disso.

Pode ser bobeira minha. Mas as famílias que hoje circulam pela Paulista atraídas por um enfeite luminoso brega e efêmero são desdobramentos, cópias, continuações da mesma família que éramos nos anos 60. Mudou a economia, hoje os meninos correm pela avenida com o celular do pai - comprado em prestações, muitas vezes - pra fazer uma foto que prove sua passagem pelo mundo mágico. É essa magia que me interessa, é esse fascínio que me comove. É bom demais prestar atenção no olhar dessas crianças, que não vão passar férias na Disney nem em acampamentos de verão, mas também não vão cair no lodaçal do crack e do crime. São crianças que crescerão, trabalharão e terão seus filhos, a quem levarão no Natal em algum lugar bem iluminado e mágico.

Há comércio demais, marketing demais, bom gosto de menos. O trânsito piora, parece uma invasão bárbara. Danem-se. Pelo menos durante um mês as luzes natalinas compensam a péssima iluiminação pública e o risco da ameaça de assalto nas esquinas afasta-se, expulso pelos cascos das renas de pelúcia. Por alguns instantes, haverá um reino mágico no olhar da criançada. Se isso não valer a pena, apaguem a luz, fechem a porteira e vamos todos viver no fundo da mata escura.


p.s. Momento deduragem carinhosa. Uma de nossas frequentadoras assíduas, com cartão de milhagem e tudo, faz aniversário neste dia 24. Beijos, Ana.


10 comentários:

  1. Meu doce Mário... É o que dá para escrever, já que estou em lágrimas aqui! Beijãooooo

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  3. No jardim do prédio ao lado do meu, o "Joy Pompéia", tem plaquinhas "let's snow" nas mãos de bonecos de neve. Eu sinto vergonha alheia, toda vez que passo em frente.
    E a Paulista está horrenda, colocaram luminárias pesadas, não se sabe a intenção, se antigas ou de jardim, destruindo a beleza dos seus postes longos com luminárias em formato de trevo, modernas, lindas.
    Isso sem falar das guirlandas horrendas com a logomarca do banco patrocinador da feiúra, no meio.
    Não compartilho de seus bons sentimento pelo espirito natalino do povo paulistano.
    Quero minha cidade de volta, sem enfeite nenhum para enfeiá-la, nem gente ignorante babando no mau gosto europeu e americano, que governantes e empresários sem o menor refinamento, nos impõem guela abaixo.

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  4. Ester, vc não embarcou na minha viagem mesmo. Bom, eu também achei aquelas coisas do Itaú medonhas - com exceção à lembrança dos antigos postes do centro, aquilo é bonitinho. Volte no post e perceba: eu acho aqueles enfeites bregas pra caralho, mas seria mentira negar que me remetem a muitas outras coisas.
    Eu sei que é difícil de acreditar, mas por trás dessa minha requintada intelectualidade sobrevive um provinciano do Parque Edu Chaves...

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  5. É Mário, você tem razão. Não é só em São Paulo que rola esse clima e esses enfeites, imagine isso aqui no cerradão goiano com sol a quase 30º, mas, afinal, é Natal e todos vibram com a magia que foi construida sobre ele. Boas festas pra você e 2010 cheio de alegrias e muitos posts sensíveis, como sempre, para nós lermos. Abraço, Edi

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  6. eu moro entre as luzes da paulista e a árvore do ibira. pra chegar ou sair de casa nessa época do ano eu enfrento o fato de que meu lar é o epicentro do transito. eu xingo a decoraçao, o exagero, a falta do que fazer do pobre paulistano... mas olha... confesso que ver a carinha das pessoas na frente das luzes amolece meu coração (às vezes quase muito cínico). sorte de quem tem família e tem a chance de criar essas memórias. isso daí salva a gente de achar que a vida é uma correria de gente sozinha no mundo...

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  7. Mais uma vez adorei o seu post, Mariosito. Esse modo louro de olhar, de ver por dentro, por cima, sei la, traz sempre um refresco pro comentario obvio e que primeiro vem a mente. Mas nao posso deixar de escrever o que me veio a mente assim que li sobre as viagens pra chegar ao centro: "dentro de pouco tempo, com a inauguraçao das novas estaçoes do metro de SP, as familias vao demorar bem menos pra chegar a Paulista. Mais e mais pessoas terao acesso ao espetaculo de luzes da capital". rsrsrs

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  8. Sei lá, Adelia, o tempo é tão relativo. Cada vez mais as pessoas são levadas a ficar no seu reduto, seu bairro, não 'invadirem' os outros cantos...

    Silvinha, lindo! Sacou tudo!

    bjs

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  9. Querido Mario

    As pessoas hoje chegam mais nos lugares, o transporte é melhor e sair do Edu Chaves ou da Jaçanã ficou bem mais fácil do que na nossa juventude. Nos bairros, as luzes também estão brilhando, coisa que antes não acontecia. Ontem passei em frente a uma favela na Imigrantes e tinha muita "casa iluminada". O tempo mudou e nós mudamos, apenas um pouco, acho que a vida melhorou e nossos sentimentos e olhares para as coisas também. Lindo texto!!!
    Um 2010 prá lá de bom!!!

    Ângela: sua companheira do Jaçanã

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  10. Angelita Bacana da Martinica, que honra!

    Vc tem certeza que não confundiu iluminação na favela com incêndio? Favelado adora tacar fogo em barraco, é uma coisa.

    Meu anjo armênio, mil beijos!!!!! Sempre Jaçanã! É nóis (aqui) e o Jaçanã lá... rs

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