terça-feira, 2 de junho de 2009

Paris, dois tempos

Há vários dias me entusiasmei com a leitura de “Os exilados de Montparnasse”, do jornalista e pesquisador Jean-Paul Caracalla. O livro faz um apanhado histórico do que era Paris nas quatro primeiras décadas do século 20 – a capital do mundo. Londres tinha mais dinheiro, mas Paris tinha o glamour, a liberdade, a efervescência. E dentro de Paris, nada era mais fervido que o bairro de Montparnasse, na margem esquerda do Rio Sena. Todo mundo que um dia viraria verbete bem recheado de enciclopédia circulava por ali.
Pela descrição de Caracalla, era praticamente impossível pisar em qualquer rua de Montparnasse sem tropeçar em Picasso, Hemingway, Gertrude Stein, Erik Tatie, James Joyce, Scott & Zelda Fitzgerald, além de outros que entraram no papel de “grande elenco”. Cafés e restaurantes que, hoje, têm as mesas disputadas a tapa por turistas de camisa florida e sacola de compras, eram os templos onde imperavam escritores, editores, poetas, fotógrafos e atores.
Eu ia mesmo escrever sobre o livro, mas aí acordei na segunda-feira com a notícia do acidente com o avião da Air France. Não tinha clima pra falar de uma cidade que fervia de intelectuais quando tudo que envolvesse o nome de Paris fosse uma grande nuvem de lágrimas. Além do óbvio – compaixão humana, solidariedade, etc – o que teve esse acidente que mexeu com todos nós?
A localização, talvez. Desaparecer no ar, sobre o Oceano Atlântico, tem algo de ficção científica, de “triângulo das Bermudas” ou “Lost”. Da mesma maneira torta que o rapaz da zona sul paulistana jogou o carro sobre três pessoas na rua, matando um, nós também poderíamos ver o acidente como um episódio de seriado que terminasse com o avião pousando em algum recanto perdido nas costas da África.
Como a vida não é roteirizada em Los Angeles, o Airbus sumiu mesmo, por razões até agora desconhecidas. Aos familiares das 200 e tantas vítimas não será dada sequer a oportunidade de deixar uma flor no local da morte. Onde foi? Em suas casas, eles devem olhar o mapa-mundi com a perplexidade dos perdidos. Na segunda à noite, o pai de um passageiro ainda dizia – mais para si mesmo – que tinha esperanças de encontrar o filho vivo. Inútil esperança.
Nosso mal-estar também se mistura ao destino do vôo: Paris. Paris não é lugar de sofrimento, de dor ou punição. Quantos, dentre aqueles passageiros, não acordaram no domingo com um brilho excitado nos olhos: “Hoje eu vou pra Paris”? E os amigos, parentes, colegas sorriam de inveja, mesmo de quem fosse a trabalho. Não se chora em Paris – só nos filmes franceses. O acidente do Airbus traiu as expectativas de seus passageiros. Negou-lhes Paris e imprimiu, nos corações de quem sobreviveu, a imagem de uma dor que parece sem cura.

5 comentários:

  1. Voce está absolutamente certo...A gente espera noticias trágicas de quem vai para lugares ditos perigosos como Iraque...Mas Paris?! Não, em Paris só nos seria permitido sofrer de amor;...

    ResponderExcluir
  2. Putz... Hoje eu pensava sobre essa minha tristeza qdo pensava nessa tragédia. Tudo bem, morro de medo de avião, sou uma pessoa sensível, solidária, etc. Mas alguma coisa me cutucava lá no fundo da alma. Agora já sei! Paris não pode ser um destino trágico! E ninguém merece sumir no ar... Meu guru!

    ResponderExcluir
  3. Morrer é uma merda, tragicamente é pior. Como dizia Darcy Ribeiro, fiquem muitos tristes quando eu morrer, porque eu com certeza estarei.

    ResponderExcluir
  4. "Paris é para sempre", belo título de um romance do espanhol Vila-Matas... Já leu, Mani?

    Ana, Ana... nós, que nos conhecemos em Paris (pois é, meu povo...), só guardamos boas lembranças da velha capital...

    Grande Darcy! Boa lembrança, Ester.

    ResponderExcluir
  5. Pois é, querido Mario, eu já estava até com um livraço de história de Paris, do Colin Jones, na cabeceira, mas agora vou dar um tempo. Brincadeira, Paris não tem nada a ver com isso. Belo blog. Voltarei. Abraços. Zanin

    ResponderExcluir