quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Elegância anônima


Por alguns breves segundos, aquele pedacinho obscuro da Rua da Consolação transformou-se na passarela do samba. O velho negro, com mais de 65 anos aparentes, caminhava pela calçada exibindo o porte orgulhoso de anônimo Jamelão, vestindo um antigo terno azul-marinho e levando na cabeça um inesperado chapéu de paetê dourado. Como se fosse um componente da velha guarda de qualquer escola de samba, ele expunha sua elegante desarmonia certo de que ela fazia todo o sentido ali, naquele instante.

O que eu vinha pensando em escrever, talvez sobre o show da Amy Winehouse ou mais algum descalabro da gestão de Gilberto, o Alcaide, virou fumaça diante do chapéu de paetê dourado. O sol ainda disputava espaço com nuvens de chuva, mas o brilho do paetê iluminou de maneira fugaz aqueles poucos metros de calçada. O velho negro de chapéu de ouro abriu meus olhos para o recado das ruas.
Acostumados a ver jogadores de futebol erguerem a camisa do time para comemorar um gol - e sob ela, alguma mensagem do tipo edificante - nem percebemos que isso já vinha sendo feito nas ruas há muitos anos e sem gol nenhum pra festejar. O migrante esquálido e quase iletrado passa com a camiseta da Universidade da Califórnia. A gordinha sacode o meio ambiente a bordo de uma miniblusa que ficaria apertada até pra Shakira. Frases em inglês, francês ou até idiomas nada cristãos colorem nossas cidades e enviam mensagens muitas vezes contraditórias. Lembro do atendente do Serviço Funerário que foi trabalhar usando uma camiseta onde estava escrito "Be happy".
No exterior, é comum ver meninos pobres usando a colorida camiseta da Seleção Brasileira, em especial a número 9, do Ronaldo. Para eles, é uma conquista e um orgulho sair disfarçado de canário e eu sempre me pergunto como aquela roupa chegou àquele corpo.

É bem verdade que muitas vezes as pessoas se vestem com o que têm à mão - ou com o que ganham de alguma entidade beneficente. Mas é verdade também que, por mais pobre que seja, a pessoa faz daquela roupa doada o seu Dior, o seu Versace ou Armani. Arrumam-se de maneira cuidadosa para ir ao banco, à igreja ou ao médico. Capricham e injetam harmonia numa rotina de tom pastel.
É essa a mensagem que mandam aos destinatários desconhecidos - a de que é possível, sim, encontrar um pouco de brilho depois de tanto temporal. A prova é o chapéu de paetê dourado daquele preto velho do centro de São Paulo.

3 comentários:

  1. Acende uma vela aí Mário, pois Rubem Braga deve ter passado ao seu lado! Que crônica gostosa de ler, de visualizar. Reparar nas ações dos transeuntes e relatar suas ações na suavidade de suas linhas nos insere, a todos os leitores, no texto.

    ResponderExcluir
  2. Uau! Obrigado, Thiago! Agora eu pasmei...

    ResponderExcluir
  3. Mário, ótima ideia deixar de lado a mediocridade extorsiva de Gilberto Taxab, o alcaide batedor de carteiras, e falar da criatividade anônima desse preto velho, orgulho e dignidade humanas miúdas que vc, atentamente, imortalizou.

    Muito paetê cotidiano e inesperado pra todos na Pauliceia sempre desvairada.

    Salve ele, salve nós!

    bjs

    Neusa

    ResponderExcluir