sábado, 1 de janeiro de 2011

Feliz, ano ou novo?

Há um toque de extrema singeleza nos dias que cercam a passagem de 31 de dezembro para 1º de janeiro: as pessoas parecem momentaneamente sinceras ao desejar feliz ano novo ao interlocutor. Nem pelas costas, alguém vira a cara e sussurra "espero que você perca o emprego, fique doente e que sua família te abandone numa estrada deserta, à noite, debaixo da chuva". Feliz ano novo é o chavão que nos redime e nos mergulha na cordialidade universal. Nem que seja nos poucos segundos que dura a frase em nossa boca.
Parece que a origem desse otimismo está na velha Europa, a mesma que espalhou seus genes colonizadores por todo o mundo. No hemisfério norte, a mudança de ano acontece com o inverno atingindo seu ápice (pelo menos, antes das mudanças climáticas todas). Era neve por todo canto, árvores ressecadas, terra morta. Quando desejavam feliz ano novo, os homens daquela época (ou seja, os antigos), estavam sintetizando augúrios do tipo "que sua plantação de cenouras renda bastante, que seu gado procrie, que os pés de couve se multipliquem infinitamente e que você faça um bom pé de meia pro próximo inverno". Porque todos sabiam que, depois do frio rigoroso, viria a primavera esfuziante e, por isso mesmo, antecedida pelo carnaval, que era a morte do triste e a possibilidade de reconstruir o mundo de outra maneira. Durava só 3 dias, ok, mas que era bacana, era.
Desse passado agrário, herdamos a vontade de que o ano que vem seja melhor. Que a nossa próxima "colheita" - seja na vida, no amor, no trabalho ou no conjunto da obra - nos possibilite a sensação fugaz de felicidade. E carregamos a data de simpatias e superstições: roupa nova, calcinha usada, cueca amarela, doze sementes de romã... Minha mãe recomendava bons pensamentos: "O ano vai ser do jeito que você fizer hoje". Tinha lá sua poesia.
Mas há que se conscientizar que nenhuma colheita se dá sem que a terra seja arada antes. Entre o primeiro verde e o primeiro floco de neve, havia que se cuidar muito da roça, semear, regar, podar, zelar. A gente, que hoje deseja tanto um ano novo melhor e tudo, precisa partir pro roçado assim que o ano começa e semear o que pode vir a ser o ano que vem. Estamos cada vez mais imediatistas e a velocidade da conexão banda larga é que marca o nosso ritmo. Que seja. Mas que não deixemos de lado a semeadura. Cuidar do amor, do amigo, da vida em si. Sem isso, não há champanhe atrás da orelha que dê jeito.
Aproveitemos o ritmo lento desse primeiro de janeiro, felizmente sem deslizamentos de terra nem barcos naufragados. Tem posse em Brasília, tem posse em vários Estados - e gostemos ou não de quem assume o poder, não vale torcer contra. Vale ser crítico, sim, sempre. Mas não quero falar de política, essa paixão passageira que nos toma periodicamente.
Quero só pensar que tenho 364 dias pela frente, tempo insuficiente pra tornar real tanto desejo de feliz ano novo. Mas farei o possível. Feliz ano novo pra cada um.

4 comentários:

  1. Parabéns... suas palavras refletem a realidade com precisão. É isso mesmo: mecanicamente nossos lábios se movem para dizer sempre as mesmas palavras - e não fazemos nada para que alguma coisa seja melhor num ano que se inicia. Isso me faz lembrar de uma tirinha da Mafalda, do Quino. Ela acordava no primeiro dia do ano e saía correndo, perguntando aos pais se as guerras no mundo já haviam terminado, se a fome já havia acabado, se a pobreza já não mais existia... e ante a resposta negativa, se pergunta, cabisbaixa: "então, pra quê mudamos de ano?".

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  2. Eu lembro dessa tira, Reinaldo. Aliás, lembro de tanta coisa da Mafalda...

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  3. A Mafalda sendo lembrada!! Quino é espetacular. Gostei muito da referência ao ano-novo na Europa. AS memsagens são sempre boas pq, fossem elas ruim poderiam voltar contra nós mesmos!

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  4. Mario Viana, vá escrever bem assim lá na porra, meu chester amado! Só me resta desejar feliz ano novo. Da semeadura, tenho certeza, você já cuidou. beijos mis

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