domingo, 2 de maio de 2010

É nóis na fita


"Chico Xavier", também conhecido como "o um espírito baixou em mim do Daniel Filho", é um filme comovente que, em momento algum, questiona seu personagem-título. Quem acredita em espiritismo e seguia o medium mais famoso do Brasil vai ver o filme como uma espécie de atrasada homenagem a uma figura capital de nossa história recente. Quem não acredita na doutrina, nem no medium, não vai entrar no cinema. E quem não for tão radical, nem de um lado nem de outro, deve mesmo entrar no cinema e dar-se a chance de ver um ótimo filme.

É um filme comovente, como eu disse, porque se propõe (e consegue) emocionar a plateia. O roteiro, que até poderia ser um tiquinho mais enxuto, abre espaço para ótimas interpretações. Há cenas arrepiantes ao longo do filme: a conversa do menino com o padre; o enterro do irmão, seguido pelo pai revoltado; o desabafo de Tony Ramos diante da mulher e, depois, do juiz... A gente pode sair de "Chico Xavier" sem abraçar o Espiritismo, mas sai com uma certeza: temos atores de primeiríssima nas telas. Basta seguir a composição que Angelo Antonio, Nelson Xavier, Tony Ramos e Cássia Kiss (numa aparição rápida, mas forte) fazem em cena. Vale o ingresso.

Vale o preço também "As Melhores Coisas do Mundo", o mais recente filme de Laís Bodanski. Laís já tinha acertado a mão em "Bicho de 7 Cabeças" e "Chega de Saudade". Acerta de novo com este filme. O retrato que faz de um bando de adolescentes da classe média paulistana é bem bacana. Não apenas pela qualidade do retrato, mas por não se conformar em ser apenas um documentário. Há uma história boa no filme e é ela, a história, que nos prende, mesmo tropeçando aqui e ali. Há personagens de verdade e não apenas adolescentes: a mãe que se agarra aos conceitos teóricos de ética sem conseguir entender o que se passa com os filhos e com sua própria vida é um ótimo personagem, defendido sem histeria por Denise Fraga.

Mas são os meninos que garantem a força do filme. Já imagino e até ouço gente falando que o filme não retrata o "jovem brasileiro que vive na favela" ou alguma coisa assim. Não, o filme não quer saber de favela. Ele pega justamente a categoria social menos 'homenageada' pelos cineastas brasileiros, a classe média que tantas vezes nos envergonha. Mas a vergonha não deveria ser ser desculpa para afastá-la de nossos roteiros, lentes e focos. A classe média merece um lugar ao sol da arte, não necessariamente no papel de vilã.

Infelizmente, há uma tendência documental em nossos roteiros de cinema. O diretor acha que pelo fato de mostrar como um pobre vive e se vira, ele já está com o filme resolvido. Não tá, não. Muitos filmes das safras recentes do cinema nacional padecem desse mal: bons personagens, vividos por excelentes atores, sem uma trama que se sustente. É um mal que atinge "Sonhos Roubados", de Sandra Werneck. O filme é bacana, as meninas são ótimas e os atores veteranos esquentam a tela. Mas chega-se ao final com a pior pergunta que pode bailar nos lábios de um espectador: "e daí?"

Saber que meninas de comunidades carentes engravidam cedo, vivem sem referência familiar digna do nome, são vítimas de assédio sexual por parte de seus parentes e, muitas vezes, acabam se prostituindo para ter acesso a bens de consumo... Desculpa aí, mas se você dedicar 30 minutos à conversa com a diarista vai descobrir histórias ainda mais cabeludas.
O problema é que nosso cinema é feito por gente que, na infância, comia maçã sem estar doente. Ou pelo menos tenta dar essa impressão, como se não houvesse outra gama de personagens e histórias. Existe, sim. Mas nosso cinema nasceu com alma de classe média e vergonha atávica da miséria social que nos cerca. Daí, sempre achar que personagem bom é sempre pobre-solidário-apesar-da-pobreza. Personagem rico vai pra novela e classe média, pro teatro.
A classe média que se espanta com a humanidade que existe nos pobres é a saúva congênita do nosso cinema.

4 comentários:

  1. Eu também gostei do Chico Xavier, pode ser que ela até fosse um maluco, mas fez coisas boas com sua maluquice e não roubou nem explorou ninguem, era um homem bom, vendo sua vida dá vontade de ser bom também, como comentou a minha filha ao sairmos do cinema.
    E os atores estão muito bem e aquele encerramento com cenas originais da partcicipação de Chiico Xavier no Pinga-Fogo ficaram muito legais.
    Sobre a polêmica do cinema-favela, acho que também já deu de desgraceira, eu não me sinto culpada pela miséria no Brasil, vai ver é que porque demorou para eu ser promovida a classe média.

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  2. Aliás, se o filme Chico Xavier tem um defeito é justamente esse... O jeito de o Chico-real contar a turbulência no vôo é MUITO mais engraçada que a cena do filme...
    Quanto à promoção à classe média, o triste é que quando a gente é promovido acabam com as mordomias... rs rs...

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  3. oi Mário -
    Eu adorei o filme da Laís justamente porque aborda a classe média (até alta, se vc pensar bem) sem medo e sem culpa. Eles (nós) somos gente também, ou não ? Temos direito a existir, inclusive na tela, por que não ?
    E direito a histórias boas como essa, bem-pesquisadas, densas, honestas. Os meninos são ótimos, sem exceção, eu diria. Até as peruinhas, como aquela do blog de fofocas - se eu pegasse, dava uns tapas, o que mostra que a menina atuou bem, ela é odiosa mesmo.
    Filme de favela vai continuar existindo, especialmente enquanto houver favelas - de novo, por que não ? Só que precisam ser outros enfoques, não os que já cansamos de ver.
    Ainda não vi "Chico Xavier", mas vou ver, prometo.
    bjs
    Neusa

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  4. Mário,

    Não vou ver o Chico Xavier no cinema. Vou baixar.
    (por favor, isso é uma piada, deu pra perceber?)

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