Não há na atual programação de cinema em São Paulo dois filmes tão díspares quanto o uruguaio "Gigante" e o multi-europeu "Anticristo". E, no entanto, não há dois filmes tão aparentados no seu tema primal, a solidão a dois. Em "Gigante", um vigilante se apaixona por uma faxineira. Ambos trabalham para um hipermercado de Montevidéu e ele só a vê pelos monitores de segurança. Depois, passa a segui-la como um obstinado.
Um casal que passa o filme inteiro sem trocar um buenos dias - disso é feito o delicado filme uruguaio que, se não chega a ser nenhuma obra prima, também não faz feio. Retrata duas figuras comuns a qualquer grande cidade, dois deslocados no tempo e no espaço, figuras aprisionados nos fones do mp3, ouvindo sabe-se lá o quê... E é nisso que ignoram um do outro que está o motor do filme.
"Anticristo", a mais recente travessura de Lars von Trier, é de outra cepa. É um filme desagradável, incômodo, chocante. E bom. Um casal entra em parafuso depois de perder o filho num acidente doméstico. O marido terapeuta leva a mulher surtada para uma cabana na floresta, pois é ali que parece residir o medo mais profundo dela... Ao contrário dos personagens uruguaios, os de "Anticristo" falam pelos cotovelos, teorizam, barbarizam - e parece que se entendem menos que os outros.
"Anticristo" é um filme sobre sexo - começa com uma belíssima trepada entre Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg, passa por outras transas desesperadas e culmina com mutilações para tudo que é lado. As cenas beirariam o pornográfico, se não fossem tão desprovidas de prazer visual. O sexo tem uma carga de culpa grande, o prazer é passível de castigo, a tragédia ronda aquele casal apaixonado.
A dedicação do marido, a depressão da mulher, o público acompanha todos os passos da queda - e não gosta disso, não... Mesmo assim, acompanha, porque aquele casal é muito parecido com gente que a gente conhece - eles são bacanas, intelectuais... mas estão tão desconectados do mundo em que vivem quanto o vigilante e a faxineira de "Gigante".
Há em "Anticristo" uma incorreção política genial - a culpa da natureza. A fineza atual nos leva sempre a achar que o homem é um virus destruidor da boa e generosa mãe natureza. Pelo jeito, Lars von Trier não acredita muito nisso. No filme, a natureza assusta, o chão forrado de folhas queima os pés e animais fofinhos, como um cervo e uma raposa, aparecem parindo crias mortas... e estão ali para lembrar que tudo é finito. Decididamente, não é um programa legal pra começar o domingo ou terminar o sábado.
Mas é um filme fundamental, desde que você tenha estômago. Perdemos a capacidade de aceitar o incômodo e preferimos muitas vezes a politicamente correto de butique de um filme tonto como "Bruno" a um soco no espírito, como "Anticristo", que toca na ferida da vítima que dispara a bomba. Talvez não precisasse tanta sangreira, podia ter um pouquinho menos de papo cabeça (não é por acaso que o filme é dedicado a Tarkovski...), mas tem dois atores sensacionais (Charlotte Gainsbourg faturou o prêmio de melhor atriz em Cannes, mereceu) e fica na cabeça da gente por um tempão.
com a atual crise ando afastada das salas de cinema. beijos, pedrita
ResponderExcluirAcho que sua critica deve ser melhor do que os filmes, Mário, belo texto.
ResponderExcluirAdorei Anticristo. Uma pancada, um soco na cara. Incômodo. Perverso. Interessantísimo. Mas confesso que dá um certo conforto ver a palavra "epílolgo" estampada na telona. Melhor ainda é sair do cinema e ver a rua cheia de carros, ensolarada (vi o filme à tarde). Um abraço, meu amigo.
ResponderExcluirPois é, dom Ventura! Eu vi o filme à noite, então... Vc sai do Espaço Unibanco e dá de cara com uma tribo emo descendo a Augusta... É trauma pra uma semana.
ResponderExcluirPedrita, às quintas feiras o Espaço Unibanco da Augusta cobra 5 reais de ingresso pra qualquer filme. Cliente Itaú ou Unibanco paga 2,50. Convenhamos, por esse preço não precisa nem ser um bom filme, dá pra encarar até Cinderela Baiana, com a hoje esquecida Carla Perez.
Maria Ester, muito obrigado! Mas os filmes merecem a visita, sim...
O filme é um drama psicológico q mexe com o psicológico de qlquer pessoa, me lembra os torturosos livros de Dostoievski "Crime e Castigo", por exemplo, forte, mas q narra os dramas das pessoas comuns, do dia a dia a realidade!
ResponderExcluirLars Von Trier causou furor no Festival de Cannes com este filme, um jornalista até mandou que ele explicasse o pq de ter feito o filme.
Talvez, por isto muitas pessoas criticam, não gostam ou se assustam, não estão acostumados com a realidade, querem um happy end...
Abraços,
Tati
Legal isso, Tati.
ResponderExcluirNo blog do Marcelo Rubens Paiva, ele conta que os alunos do Colégio Santa Cruz (da elite) têm rejeitado livros baixo-astral, como "Memórias do Subsolo", do Dostô, e - pasmem - "O Apanhador nos Campos de Centeio", do Sallinger. Será isso mesmo? Criamos uma geração despreparada pro 'não'? Há por aí uma leva de gente que não sabe enfrentar as adversidades. É realmente preocupante.
Logo o "Apanhador no Campos de Centeio"?
ResponderExcluirDaqui a pouco reclamam do " A hora da estrela", "Madame Bovary"...
São livros reais, as pessoas sentem medo, não querem encarar a realidade, acho...
Estão acostumado com Crepúsculo, Harry Potter...kkkk
E olha q não são só os adolescentes/jovens, adultos tbm não gostam de filmes/ livros realistas.
Conheço vários.
Tati
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ResponderExcluirQue papo mais careta, gente.
ResponderExcluirFalam como se na nossa geração só houvessem grandes leitores, mentira pura, saudosismo besta.
Alguns poucos liam Dostoiewski.
Para os outros, 90% eu diria, as maiores atividades intelectuais eram assisitir ao Dallas e ler best-seller editado pelo Circulo do Livro. Esse povo inclusive elegeu o Janio Quadros prefeito, uma aberração total, lembram-se?
Não gosto de criticar as novas gerações, me faz lembrar que nós também não estudamos latin e que a escola da geração anterior a nossa era muito, muito melhor. Papo de velho.
Tenho certeza e conheço meninos e maninas super maneiros que leem dostoiewski, como acontecia nas gerações passadas.
Não é crítica às novas gerações, Ester. É uma tendência mundial, a não-aceitação do que contraria. Vou falar do mundo de cinema e TV... Começou com apresentações fechadas pra grupos nos EUA, que "exigiam" a mudança dos finais: personagem não morria, não se matava. etc. No Brasil, virou a praga da pesquisa de público, que pode determinar o destino de um personagem. Eu acompanho o grupo de discussão de Poder Paralelo e me assusto com a caretice, com o conservadorismo furioso. E não acho que sejam pessos da 'nova geração'.
ResponderExcluirAliás, se a 'nova geração' tem esse comportamento é porque é mais fácil pros professores cederem. Assim evitam discussão. Adolescentes são uma delícia, gostosuras, mas quando querem ser chatos... cruz credo...
Mas tanta coisa melhorou, Mario, se você visse a Flora me mostrando os brinquedinhos que ela comprou no sex-shop ou o Leon dormindo no quarto ao lado do meu, com a namorada, e eu adorando ,você teria uma visão diferente do conservadorismo das novas gerações.
ResponderExcluirEu acho que muita coisa está mais avançada, jornal por exemplo deixou de ter tanto poder, olha que coisa sensacional. Muitas estruturas arcaicas estão se desmanchando no ar, com as novas tecnologias e o acesso a informação. Sou profundamente otimista com a geração dos meus filhos, ou os dez porc ento do bem, que ela contempla. O grupo de teatro da Flora é de babar de tanta gente bonita e inteligente. O Leon tb tem uma turma diferente, que faz trilhas e pensa em política, meio ambiente, nas populações tradicionais da amazônia, super do bem.
É muito ruim que nem cheguem a produzir filmes mais complexos e verdadeiros, mas acho que é o capitalismo controlando duramente esse mercado, acho que há espectadores jovens que também se sentem excluidos, com tanto filmo bobo nas telas.
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ResponderExcluirEster, é claro que não estou chamando toda a geração de 20 anos de conservadora, careta... O mundo é vasto e vário, já dizia o Drummond. Mas se vc reler o que escreveu acima, vai ver que a mudança não foi deles - foi da gente. Nós nos abrimos mais e permitimos a eles que avançassem mais. Isso é um sinal ótimo pra todo mundo.
ResponderExcluirConvenhamos, vc não deve ser uma mãe-padrão. Tem mãe que se recusa a falar de certas coisas com a filha, até hoje. Tem pai, idem.
O que eu falei era de outra coisa, era mais relacionado à relação com literatura, cinema, essas coisas.
Enfim, um papo mais longo que isso. E eu nem tive tempo de postar nada novo!
Ola,
ResponderExcluirNotei no blog de vocês que estão falando do filme Anticristo da California Filmes.
Gostaria se possivel de algum contato para que possamos trabalhar sempre juntos.
Podemos fazer variadas parcerias promocionais. O que acham?
Atenciosamente
rodrigo@californiafilmes.com.br
Maravilha esse blog!!! Abs
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