segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Encruzilhadas masculinas


Meus combalidos neurônios viveram um domingo de montanha russa... Uma linda exposição de gravuras do Oswaldo Goeldi na galeria da CEF na Paulista... No começo da noite, uma ótima peça: "Cloaca", com o grupo Tapa, no Shopping Frei Caneca (na foto, o afinadíssimo elenco: Dalton Vigh, Brian Penido Ross, André Garolli e Tony Giusti). Antes de dormir, juntei-me à massa que deu um recorde de ibope ao final de "A Fazenda". Foi ou não foi uma montanha-russa intelectual?


Por acaso, os programas tiveram algo em comum: o Homem. Na exposição de Goeldi, que viveu entre 1895 e 1961, chama a atenção a forma como o gravurista registrou a solidão que marcou sua vida. As figuras que aparecem em suas obras, lindas obras, são quase sempre solitárias, flagradas à noite, no desvio... Não há casais em encontros amorosos, nem suspiros românticos. Há ladrões, pescadores, bêbados e putas, todos solitários, mesmo quando em grupo. Goeldi, que viveu e morreu sozinho, deixou uma obra marcante e que merece ser vista na pequena galeria do Conjunto Nacional. Melhor ainda, é de graça. E apesar do tema, não é depressivo: é a arte a serviço de um sentimento possível.


No teatro Nair Bello, "Cloaca", primeira peça da holandesa Maria Gloos encenada no Brasil, coloca em cena quatro amigos quarentões: um funcionário público gay, um advogado cocainômano, um político do baixo clero e um diretor de teatro pretensioso. O político, com olhos numa indicação para o ministério, rompe o casamento e se refugia na casa do amigo gay - que tirou do acervo da prefeitura oito telas de um pintor pouco conhecido, cujo trabalho ganha uma super-valorização inesperada. Acuado, o rapaz pede a ajuda do advogado viciado, um surtado total, dado a ataques de agressividade. O político tem medo que a história vaze e prejudique sua indicação para o ministério, já que ele está hospedado na casa do funcionário ladrão. Para piorar a situação, o diretor de teatro vem anunciar a estréia de sua próxima peça de vanguarda, estrelada pela filha adolescente (e nua) do político, com quem ele vem tendo um affair.


Os quatro homens em cena falam pelos cotovelos, numa visão bastante feminina do que é um homem. Maria Gloos, no entanto, escapa da armadilha de considerar seus meninos um bando de porcos machistas, que oprimem mulheres e passam por cima de qualquer gentileza. Os personagens de "Cloaca" estão em pânico: já não são meninos, insistem em gritar a senha do clubinho (a tal Cloaca - uma palavra latina, que define um órgão ligado a excrementos) e, na única vez em que aparece uma mulher em cena, eles não se entendem por uma razão bastante prática: ela é russa e só fala russo. O público sabe o que ela está falando, mas o homem diante dela, não. É uma linda cena, em que os dois se expõem, não se acusam, pedem ajuda - mas é tudo inútil.


Por fim, acabei a noite vendo Dado Dollabela ganhar 1 milhão de reais na grande final do reality show "A Fazenda". À parte o fato que qualquer reality show, pra mim, é dirigido a Q.I.s de ameba com soluço, este de ontem teve um detalhe curioso. Quase no fim do programa, esticado até a exaustão por Brito Júnior, Dado saiu da casa e encontrou a família que o esperava, após 84 dias de confinamento: a mãe, o padrasto, dois irmãos e a namorada, grávida de seu primeiro filho. Adivinhem quem ele abraçou e beijou primeiro. A mãe. Como exemplo de amor filial, é lindo. Mas como exemplo de Homem... sinceramente, é esquisito.


O cara cresce e, teoricamente, abre as asas para construir seu próprio lar - com mulher, homem, cacatua ou formiga, tanto faz. Somos criados para, a partir do nosso ninho, criar outro. Quando Pepita Rodrigues tomou a frente da mulher de Dado, mandou o recado em rede nacional: "Nem se atreva a tomar meu menino, sua... Você está apenas esperando o filho dele." A moça grávida foi a quinta pessoa a ser abraçada por ele - até a babá dele foi abraçada antes. É lindo, é comovente, mas caramba... era o filho dele, o primeiro, ali. Dá pra entender porque o caso de Dado e Luana Piovani não deu certo: precisa ser uma mulher muito maleável pra enfrentar uma sogra tão super-poderosa, que conta com o apoio incondicional do filho mimado.


Esses homens de hoje... não sei... Os mais velhos estão assustados com a curva descendente. Os mais novos se recusam a crescer. E os velhos, que viraram do século 19 pro 20, deixaram de herança uma melancolia braba...

15 comentários:

  1. Terminar o dia Vendo A Fazenda.... deus me livre!!! Prefiro tratamento de canal....

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  2. eu tenho vontade de ver essa peça. beijos, pedrita

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  3. Eu te compreendo, Mario, fiquei em casa, entre o Miss Universo (adoro!), o Café Filosófico - sobre o Medo - e uma passadinha na Fazenda, só para ver quem ganhou. Nem Freud salva.
    Mas esse negócio de culpar a mãe pela canalhice do filho é mais complicado do que parece.
    É provavel que, ao contrario do que parece, Pepita não tenha dado amor suficiente ao rapaz. Amor significa ter saco para disciplinar, não deixar fazer o que quer, educar. Mimado é quem tem mãe brava, atenta.
    Mãe omissa dá tudo para os filhos. E não dá nada. Deve ter sido esse o caso dele.
    Querer roubar a festa do coitado já denota o pouco caso que ela tem por ele. Essa é a minha teoria.
    Tem uma geração inteira vindo aí com o mesmo problema. Aparentemente tiveram tudo o que quiseram, mas na realidade não tiveram o mais importante, que é atenção verdeira, aquela que brota da preocupação em torna-lo um ser humano viável.
    É uma experiencia de duas mãos, também somos educados ao educar, não é nada fácil. A maioria prefere evitar e não educar para não se questionar a si próprio.
    Isso abre brecha para o discurso conservador de substituir o amor pela disciplina. Corremos o risco de voltar a palmatória. Melhor retroceder, bater, humilhar, do que encarar a si próprio ao educar um filho.

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  4. Impossível fazer qualquer comentário inteligente depois da concatenada explanação sobre a relação mãe-filho da Ester! E Freud sempre tem razão: a culpa é da mãe! Qto ao Goeldi... é de uma melancolia apaixonante. Obrigada pela dicas.
    Bjks

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  5. Então... eu até nem acho que o cara seja um canalha... é um mimado, e os adjetivos não são sinônimos... rs... Mas realmente, a Ester fez uma bela explanação.

    Vita, como eu ouvi uma vez numa peça da Adelia Nicolette: "Pra que tanta profundidade sempre? Um pouco de futilidade faz um bem danado..."

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  6. Ia comentar, mas então li a Maria Ester. Depois a Ana disse o que eu queria dizer. Só restou fazer um comentário bem ao meu estilo: acho o Dado um gato. ;-)

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  7. Bonitinho mas ordinário. Bate em mulher e ganha reality. E depois tem gente que fica surpresa ao ver Sarney e outros, nos representando na política. A cara do Brasil.
    Ana e Mário, obrigada pelos comentários sobre o que escrevi. Digo que quatorze anos no divã do psicanalista ajudaram.

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  8. Ester, ganhar reality não é pecado.
    Bater em mulher, sim.
    Mas o índice GMD (grande machismo dominante) dele é alto: entre outros abates, ele tem a Luana Piovani na lista. Reincidente.

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  9. Não acho que ganhar reality seja desmerecimento, não foi isso que quis dizer e sim que ele teve aval para o seu curriculo de agressor ao ser votado por milhares de pessoas, muitas mulheres entre elas.

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  10. Ester,

    Você escreveu uma análise maravilhosa sobre mães e filhos. Eu poderia passar sua visão para um monte de mulheres para ver se elas aprendem com você.

    Eu, sinceramente, ando sem nenhum saco para crianças mal-educadas, indisciplinadas, malvadas que, até onde observo, são a maioria das crianças brasileiras filhas da classe média branca.

    E onde essas mães erraram? Minha resposta humilde de simples corintiano lacaniano: não deveriam nunca ter tido filhos, deveriam cuidar do jardim (nem deveriam ter animais domésticos), fazer tricô e crochê. Nos legaram uma geração que ainda vai nos causar muitos problemas. Nós, que não tivemos filhos, sofreremos as consequências.

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  11. Mário, diante desse abraço pra Pepita e o comentário da sogra, eu diria apenas a essa moça - FUJA ENQUANTO É TEMPO. Grávida mesmo. aLIÁS,pode pedir pensão boa, que o cara tá endinheirado. Aproveite enquanto ele ainda não te bateu (espero que não).
    Mas eu duvido muito que isto aconteça....

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  12. Vita

    O pior ficará para os meus lindos filhos, dois humanistas, muito bem educados, que serão contemporêneos desses doidos.
    Eu, por exemplo, gosto de cachorro e de filho, faço tricô e crochê muito mal e deixo planta morrer de sede. Sinto uma culpa!
    Salve o Corinthians!

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  13. Mário, meu caro, não vi o final de A Fazenda, mas o resultado, o vencedor, me chamou muito a atenção. Uma figura como dado dolabella ganhar é bem um sintoma de como vai o Brasil. Exagero? Acho que não. Iria mais longe: dado tem tudo a ver com o sarney. Somos orfãos de heróis. O cidadão brasileiro cristalizou a lei de gerson. Cafajestes, caras que batem em mulheres (inclusive idosas) e sabem roubar feito peixe ensaboado, fazem o maior sucesso por aqui. E, olha só, me perdoem as mulheres, mas o resultado prova que sujeitos assim fazem o maior sucesso com a mulherada, não? Ou é preciso fazer uma pesquisa para saber que quem liga mais para votar é o publico feminino? No fundo, todo mundo admira como o maluf e daniel dantas vão se livrando da cana. E o povo pensa: "cara esperto taí!" "Esse sim é malandro e tem dinheiro!" Ou: "finalmente alguém deu na cara da luana!Essa merecia umas porradas!" Apesar desses programas, como A Fazenda, serem trash de nascença, e para amébas (como disse bem), não deixa de ser triste perceber que o povão ainda se identifica muito com sujeitos como esse dado. Me desculpe os tons conspiratório, pessimista & paranoico do meu coments, meu amigo. Mas tá cada dia mais difícil não pensar desta forma. Difícil pra caralho, diria! Grande abraço, Jarbas.

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