quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

A mesma praça...


Fui checar no dicionário. Praça continua sendo definida como espaço público destinado ao lazer e ao descanso. "Geralmente", alerta o Aulete, "tem bancos, coretos e plantas ornamentais." A dúvida sobre uma possível nova conceituação do verbete me bateu desde que as redes sociais e os jornais passaram a exibir a imagem do confronto entre homens da Guarda Civil Metropolitana e skatistas na Praça Roosevelt, agora reformada e devolvida à população.
            Era mais um imbróglio na história desta praça. O antigo terreno de d. Veridiana Prado foi transformado, no final dos anos 60, num monumento ao concreto desconhecido pelo paisagista português Roberto Coelho Cardozo. Foram décadas de convívio com aquela praça de dois pisos - era até bonito, quando bem cuidado: tinha supermercado 24 horas, banheiro público, correio, espaço pra correr e brincar... Acabou virando tudo um "valhacouto de marginais",  como diriam os antigos repórteres policiais.
            A dignidade do espaço começou a ser resgatada com a chegada dos grupos teatrais... Mas é bom lembrar que, nos anos 70, as mesmas calçadas dos Parlapas e dos Satyros recebiam os frequentadores do Cine Bijou, onde só passava "filme antigo e de arte". Nos anos 80, chegou a funcionar uma cantina bem simpática, "Macarrão". Mas aí o tráfico chegou com tudo. Nos anos 2000, a proximidade com políticos no poder - o então governador José Serra era habituê das sessões teatrais dos Satyros - acabou dando início ao processo de restauração da praça.
            Reinaugurada a praça, com tanto concreto quanto antes, e umas árvores mequetrefes representando sem muito entusiasmo a flora urbana, começaram os problemas. Os skatistas se julgam donos do espaço. Os moradores ao redor também. Os ciclistas, os donos de cachorro, todo mundo tem direito a um pedacinho de seu. Tem mesmo. Mas cadê que o povo se entende?
            Com a arrogância típica da juventude - embora alguns já tenham passado pra fase adulta há tempos -, os skatistas ensaiam suas manobras radicais o tempo todo. É bonito, mas faz um ruído diabólico. Especialmente de madrugada. Junta-se a isso, a prepotência dos guardas civis: um dos principais envolvidos estava à paisana e já responde a outros processos por má conduta. A falta de bom senso dá o toque que faltava. O resultado foi o que se viu: agressão física, xingamento, o diabo.
            Até o momento, ninguém conseguiu sequer sugerir que se estabeleçam regras para o uso da praça. "Skate, das 9 às 18 horas", por exemplo. Vai ser obedecido? Dificilmente, a moçada não é muito chegada a cumprir regras (aliás, essa é uma das funções juvenis, testar o elástico das regras até o limite). Mas haveria pelo menos uma baliza pra guiar a discussão. Do jeito que está, fica tudo por conta do freguês. E o que não falta é freguês.
            A cada dia que passa, mais gente se julga com direitos a tudo. Com razão! O complicado é que poucos entendem que, no mesmo pacote dos direitos, vem o dos deveres. De uma vez por todas, convívio social não é "eu pago imposto, faço o que quero e dane-se o resto". O cidadão do andar de baixo e a vizinha do andar de cima também pagam imposto, também têm direito, também querem puxar a brasa pra sua sardinha. Não é fácil. Com isso, o espaço que deveria servir pra convivência se transforma no epicentro das divergências.
            Nas cidades brasileiras, em particular, onde antes famílias passavam a tarde de domingo, jovens se paqueravam e havia, sei lá, um velhinho do realejo, agora o que existe é uma procissão de desvalidos, miseráveis, mendigos, noiados e outros exemplos de degradação humana. Ai de você se precisar parar pra tomar um ar, dar um tempo, esperar alguém... Vai ficar de pé, porque bancos são raros. E os poucos são anti-mendigos, com ferrinhos separando um assento do outro - namorar juntinho, nem pensar.
            Perdemos a mesma praça, o mesmo banco e o mesmo jardim. Nunca teremos uma Place des Vosges, como em Paris (aquela em que morava o escritor Victor Hugo, linda, com seus arcos)... Jamais ergueremos uma praça como a Grand Place de Bruxelas, certamente uma das mais bonitas do mundo...  Só conseguimos mesmo seguir o exemplo pouco salutar do confronto entre estudantes e militares na China, em 1989. Desde então, nem mesmo a Praça da Paz Celestial fez por merecer nome tão poético.
            Surpreendendo quem não via comunismo em nossas polícias, nossa guarda civil exibiu inesperada coloratura maoísta... Mas, enquanto os chineses mantinham o conflito no nível homem-máquina, nossos bravos policiais tropicalizaram e partiram pro contato humano - e o que se viu foi uma gravata aplicada com empenho. Devíamos ter o mesmo entusiasmo pra tentar entender o outro - isso vale pra todo mundo, incluindo a moradora velhinha que reclama de tudo.


2 comentários:

  1. Mario:
    Que maravilha vc voltar a utilizar deste teu espaço, que estava um tanto abandonado! (o último post foi em abril do ano passado! rsrsr)
    Mas como sempre, vc voltou com tudo: bom humor, ironia e, principalmente, bom senso em suas colocações sobre a nova praça (de guerra)... Rossevelt!
    Concordo com vc sobre regras: elas não são proibitivas, mas para organizar o uso do bem público. Se não for por horário determinado, que seja um espaço limitado para os skatistas. A falta de banco e banheiros poderia ser analisada pelos novos administradores que acabaram de assumir a Prefeitura.
    Um exemplo a se seguir: na esquina da Av. Dr. Arnaldo com a Rua Cardoso de Almeida (Praça Zilda natel)há espaço delimitado para os skatistas (duas grandes áreas para manobras), mas tb há aparelhos de ginástica, bancos e quadras esportivas. Tudo no mesmo local e as pessoas convivem harmoniosamente. É possível solucionar a Roosevelt!
    Que vc tenha mais tempo para os Olhares Loiros: seus leitores e amigos agradecem!
    bjs
    Maurício

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  2. Teu texto me trouxe o grande Renato:

    Parece cocaína mas é só tristeza, talvez tua cidade
    Muitos temores nascem do cansaço e da solidão
    E o descompasso e o desperdício herdeiros são
    Agora da virtude que perdemos.

    Há tempos tive um sonho
    Não me lembro não me lembro
    Tua tristeza é tão exata
    E hoje em dia é tão bonito
    Já estamos acustumados
    A não termos mais nem isso.
    Os sonhos vêm
    E os sonhos vão
    O resto é imperfeito.

    Disseste que se tua voz tivesse força igual
    À imensa dor que sentes
    Teu grito acordaria
    Não só a tua casa
    Mas a vizinhança inteira.

    E há tempos nem os santos têm ao certo
    A medida da maldade
    Há tempos são os jovens que adoecem
    Há tempos o encanto está ausente
    E há ferrugem nos sorrisos
    E só o acaso estende os braços
    A quem procura abrigo e proteção.

    Meu amor, disciplina é liberdade
    Compaixão é fortaleza
    Ter bondade é ter coragem
    E ela disse:
    - Lá em casa têm um poço mas a água é muito limpa.
    RENATO RUSSO

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