
Devo ter cara de otário. Só pode. Já perdi a conta das vezes que estou andando na Paulista lotada, em pleno horário comercial, e o cara que vive eternamente com uma receita na mão dizendo que precisa comprar remédio vem até mim. Ele mira e vem. A velhinha que precisa de 1 real pra completar a passagem é outra, que mira e vem. Eles podiam, pelo menos, ter boa memória fotográfica e não atacar sempre a mesma vítima. Mas, nessa hora eu surpreendo. Tal qual um Giannechini fazendo papel de vilão (ok, menos bonito, mas nem tão canastra), olho friamente pra pessoa e digo: não. E sigo, impávido, rezando comigo mesmo pra pessoa não ser realmente uma necessitada. Vai saber...
Hoje pela manhã, a caminho da fisioterapia, numa rua relativamente calma dos Jardins, um carro parou ao meu lado e um sujeito bem vestido pediu ajuda. Aproximei-me e ele perguntou se eu falava inglês. Yes. Italian? No. Español? No, English is ok. E ele desandou a falar como as pessoas nos Jardins não falam inglês e não sei mais o quê. Na mão, um passaporte e uma passagem aérea daquelas antigas, sabe como? com capinha de papel e tudo. E sobre o banco, uma papelada da Armani e de outra grife internacional, Ferré, não lembro. Na hora me deu o estalo: é um daqueles picaretas que tentam te empurrar casacos de couro, roupas importadas, tudo de marca estrangeira, porque ele precisa viajar ainda hoje e te faz por um preço camarada, etc etc. Cortei, disse que tinha hora marcada - e era verdade - e o cara engatou a primeira e saiu. Me arrependi de não ter anotado a placa do carro.
O episódio me fez ficar pensando na minha cara de Mané. Ou de ambicioso. Porque todo golpista, quando mira um pato, está enxergando nele um ambicioso em potencial, um outro golpista ainda adormecido. O conto do vigário só tem resultado porque as duas partes querem dar o golpe uma na outra. O sujeito que "pede" ajuda está exibindo ao outro a chance de, investindo 10, ganhar 30. E o "bom samaritano" se dispõe a ajudar, porque se acha mais esperto... É tudo um grande conluio.
Nunca caí num golpe desses. Assim como existe a falsa magra, eu devo ser o falso pato. Mas sempre escuto histórias de quem entrou pelo cano. Narrada pela vítima, a história sempre tenta despertar a piedade - nós temos pena de quem perdeu grana. Mas quando você vai um pouco mais fundo, descobre a verdade e a piedade vira sarro. Não dá pra levar a sério.
E essa é a grande utilidade de um conto do vigário. Revelar a você mesmo que existe mais um tratante neste mundo de pilantras. Nem é preciso procurar longe, basta olhar o espelho.