
Entre trabalhos e chuvas, rola o feriado pelo aniversário de São Paulo. Se o clima der um tempo, vai ter show de MPB no Ipiranga, apresentações disso e daquilo no Anhangabaú, não haverá engarrafamento e quem chegar pela primeira vez hoje a esta cidade, vai achar que São Paulo é suave e acolhedora. Acolhedora, ela é, recebe todo mundo, abre espaço e adota. Mas não é fácil, nem a recepção é das mais calorosas. Imagino que São Paulo fascine e assuste.
Quem nasceu no pós-rio, que nem eu, em bairros que até hoje são distantes, São Paulo era isso, misturava fascínio e temor na mesma figurinha. Seduzia e apavorava, com seus códigos, sinais, atalhos. "A cidade", era assim que falávamos, "a cidade engolia". Mudei de margem no rio, estou a dois passos da Paulista e a cidade continua me seduzindo. Casamento antigo, de amantes que se conhecem, enjoadinhos, mas sempre gostam de se encontrar. Outras paixões cruzam pelo caminho - de Recife a Istambul - mas sempre se volta para os braços abertos do velho lar. Aqui é o berço e o mapa do meu entendimento.
Acordei pensando que era aniversário de São Paulo e eu não tinha comprado nada pra dar de presente. Que presente dar a uma cidade? À minha cidade? Um prefeito melhor, talvez. Mas prefeitos passam - e, no fim das contas, ele foi escolhido pela maioria dos moradores da cidade. Um povo que escolha melhor, pode alguém dizer, mas não sei. É esse povo, que desentende, que erra e suja, que briga e afaga, que corre de um lado pra outro, é esse povo que dá liga à cidade. Deixa o povo.
Podia melhorar o trânsito e o transporte público, mas a foto de 1937, feita na Praça da Sé, mostra que esse problema é antigo... Podia melhorar o clima, deixar tudo mais iluminado, mais limpo, mais sem enchentes, mais... Há tanto pra fazer aqui. Cansa, mas estimula. Não fechamos a conta, manda vir mais uma. A festa segue.
Descobri que São Paulo era definitiva em mim quando fui a Palmas, Tocantins. Na época, uns 20 anos atrás, Palma era um arruamento de barro vermelho, com um palácio do governo no centro. Quem morava lá tinha ido pra ganhar dinheiro. Fazer a vida. A ligação entre eles e entre eles e a cidade recém-nascida era mínima, zero. Entendi ali que as pessoas de uma ou duas gerações anteriores à minha sentiam por São Paulo.
Aqui era o terreno pra fazer a vida, criar família, crescer os filhos. Não era lugar de se gostar. Acho que o amor pela cidade - em linhas gerais, obviamente - nasceu a partir da minha geração. Hoje, é mais fácil encontrar quem goste de verdade desta cidade. Que reconheça os defeitos e problemas, mas nem por isso a abandone.
Sem essa de "I love SP", a coisa é à vera. São Paulo é mais São Paulo quando mistura tudo: o sushi man é do Crato, o evangélico faz marcha pra Cristo no mesmo dia que os gays invadem a Paulista, o palmeirense fanático faz uma serenata pra corintiana roxa... São Paulo faz aniversário e a essa altura do dia já deve ter rolado a cena vexatória do bolo gigante desfeito em minutos por uma multidão de famintos e mal-educados. São Paulo é mais que isso: São Paulo sou eu e é você que me lê, em qualquer canto do país. São Paulo é um estado de espírito.