quarta-feira, 22 de julho de 2009

Palavra de adaptador


Se escrever uma peça é gerar vidas, adaptar é o que os antigos chamavam de 'pegar pra criar'. A criança não é gerada por nós, mas temos por ela o mesmo amor. Em todos os textos que adaptei foi assim. Com alguns, o amor é escandaloso. "Assim com Rose", o espetáculo que escrevi a partir de três contos de Mário de Andrade, é dessa linhagem. Não me canso de assisti-lo. Sempre me emociono com ele. Sempre fico atento à respiração da platéia, adivinhando onde ela vai rir e a partir de qual cena vai começar a segurar (mal) as lágrimas.


No palco, quatro atores afinados - atualmente, Daniela Mustafci, Flavio Faustinoni, Paulo Cesar Melo e Tânia Casttello (e antes, já passaram por ali Flavia Garrafa, Renato Modesto e Suia Legaspe) - vivem as histórias com um à vontade de dar gosto. Eles tomaram conta do texto, são tão criadores quanto eu, quanto o diretor Jairo Mattos. Com um jogo divertido, numa hora são crianças, na outra, velhos, para em seguida serem fantasmas sensuais... E tudo de um jeito que só o teatro permite - sem realismo, só com o faz de conta. É uma delícia.


Transportar um universo alheio para o palco dá o mesmo trabalho que traduzir a própria imaginação. Adaptar parece mais fácil, porque a história-base está pronta. Tonto de quem pensa assim. Se não mergulhar no 'mundo' do autor original, o adaptador vai, no máximo, encenar o romance ou o conto. A primeira ação do adaptador é apropriar-se sem medo do texto do outro. Sem pudor. Mas com um respeito de amante. É preciso - em teatro, cinema ou TV - transformar o texto literário em ações e diálogos. E ninguém fala como aparece nos livros.


Em "Assim com Rose", várias são as referências tiradas da biografia de Mário de Andrade. E inúmeras são as referências emprestadas da biografia do Mário Viana. Coloquei-me sem pudor no meio das histórias do Andrade e talvez tenha encontrado aí o jeito de tornar aquilo mais próximo de quem assiste. Mas em nenhum momento, fiz uma peça-charada, daquelas que só meia dúzia de íntimos entenderia. Isso é para ególatras. Também fugi do didatismo de TV educativa como o diabo foge da cruz. Didatismo não é sinônimo de clareza.


"Assim com Rose" fala de pessoas. Não encontraram nada mais eficiente para embalar o coração do público.


Se você ainda não viu, "Assim com Rose" fica em cartaz até domingo, 26/7, no Teatro Artur de Azevedo (Av. Paes de Barros, 955, Mooca). Sexta e sábado, 21 horas. Domingo,19 horas. Preços populares. Pra quem usa transporte público, é só descer no Metrô Bresser e pegar qualquer ônibus que suba a Paes de Barros.


Hoje, uma reportagem na Ilustrada levantou suspeitas sobre a honestidade de dois jurados do Prêmio Shell, Kil Abreu e Valmir Santos. Discordo de várias indicações e ausências. Fernanda Montenegro merecia mesmo ser indicada por essa peça ou só está lá por uma certa subserviência cultural dos jurados? Como puderam ignorar Marco Antonio Pâmio? É muita cretinice. Também não acho elegante que os jurados indiquem duas peças em que eles estão envolvidos. Mas, dizem eles, as peças são boas... Hã-hã.

Kil e Valmir podem até ter sido ingênuos em acreditar que o maravilhoso mundo dos não-indicados acharia normal a indicação das tais peças. Ingênuos? Pode ser. Desonestos, não. Quem os conhece, sabe. E antes que me chamem de puxa-saco, nunca nenhum deles me indicou pra prêmio nenhum.



3 comentários:

  1. Vc falou em didatismo e eu lembrei deu um texto curtinho que li no site revistasepereira ;-) http://www.revistazepereira.com.br/colecao-primeiros-passos-o-que-e-didatismo/

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  2. vou ver se consigo assistir a esse espetáculo. beijos, pedrita

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  3. Pedrita, tente, sim. A montagem é um biscuizinho.

    Uomini, vou entrar e ler no site.

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