Tal qual um folhetim pouco criativo, o fatídico encontro de Wanderson com Thor, na noite de sábado, vem cumprindo todas as etapas de crime ocorrido em republiqueta de bananas. Os personagens são o filho de um dos homens mais ricos do mundo, um ciclista sem posses, um delegado, um pai heroi e uma mãe ausente. Falta a mocinha romântica, mas o moço rico é também bonito, então não será difícil encontrar candidata. Até o momento, já se anuncia que o ciclista tinha bebido e, mesmo assim, conduzia veículo automotor. Promoveram a bicicleta a veículo automotor! E mesmo sem o laudo da perícia técnica pra determinar velocidade, impacto e outros itens que esclareçam como o coração da vítima foi parar dentro do carro, o delegado pressupôs que o ciclista estava no lugar errado. Convenhamos, o delegado acertou: o ciclista estava no caminho do mocinho rico.
Tem me chamado a atenção a ausência da mãe do mocinho. Notória foliã, capaz de pisar no sambódromo com o nome do então marido em uma coleira, fã declarada dos soldados do fogo, atriz (perdoem) bissexta, a Mãe tomou um inexplicável chá de sumiço. Talvez por não ter com a língua pátria uma relação de maior intimidade, a Mãe deixou que o Pai ocupasse a linha de frente da batalha do Rico contra o Exército de Pobres Invejosos que Infestam o País, respondendo pessoalmente a todos os ataques da patuleia no twitter.
E aí começa meu grande espanto com a indignação alheia. A não ser que ocorra uma dessas revoluções astrais, que fazem criança gostar de quiabo e gente de mau gosto ouvir música em baixo volume, o fim do filme é previsto: a culpa será do ciclista e, se bobear, o moço rico entra com ação de injúria a sua honra. Como eu disse, o folhetim carece de criatividade. O que não entendo é a indignação com a reação do Pai Herói.
Pense um minuto antes de me xingar. Imagine que você é dono da sexta fortuna do mundo. É dinheiro a dar com o pau. É bufunfa suficiente pra você colocar o carro importado pra dormir numa das salas de sua casa - não na garagem ou na vaga que sobrou na reunião de condomínio. Provando que muito dinheiro nem sempre rima com bom gosto, o sujeito botou o carro dentro da sala. E se você já desceu em seis pra praia, dormindo todos apertados dentro do fusquinha, vai morrer de inveja do carro, claro.
O fato é que, sentado no topo de uma montanha de dinheiro, você é informado que seu filho atropelou e matou um rapaz com um desses sobrenomes comuns, que todo mundo tem... Imagine que você tem dinheiro, dois filhos e mora num país onde a polícia não ficou famosa pela resistência à corrupção. Oras, vamos somar: um rico, um pobre, uma polícia passível de silenciar quando interessa... Você hesitaria em proteger seu filho amado? Não suba no salto do moralismo, tentemos ficar no campo do real. Quantas vezes você já torceu a cara pra vizinha que falou mal da voz do seu filho na festinha infantil do prédio?
O Pai Rico não é o único. Recentemente, tivemos a mãe que catou o filho na praia e fugiu com ele, serra acima, depois que o menino foi brincar de jet ski e matou uma menininha que nunca tinha ido à praia... A princípio, eu fiquei chocado com essa mãe. Depois, pensei melhor e fiquei em dúvida: o que eu faria no lugar dela?
De fora, é fácil apoiar-se no senso comum e na noção de Ética que deveria nos nortear em todos os momentos da vida. Dentro do furacão, é complicado. É claro que contra isso existem as leis. E se a Mãe do Menino do Jet Ski for processada por obstrução de justiça, o que devemos dizer ao Pai Heroi Muito Rico? Ele tem todo o direito de proteger seu filhote e, já que pode, contratar um ex-ministro da Justiça pra assumir a defesa do caso. Quem não deveria se deixar levar pelo canto da sereia milionária é a Lei (e seus representantes).
Em algum momento, uma luz deveria baixar nesses personagens, claro, aquela luz que faz todo mundo se casar com todo mundo e perdoar todo mundo e viver feliz pra sempre... Luz de fim de novela. Esse raio do bem traria consciência a esses pais e mães de atitudes heroicas, mesmo que imorais, e eles se envergonhariam de ensinar a seus filhos que uma boa maneira de se viver é fugir da responsabilidade, virar as costas e correr pra caverna mais próxima.
Até nisso a luta de classes revela sua face irônica: quem tenta fugir e virar as costas é a já muito perseguida classe média, aquela que tenta ascender ao primeiro andar, enquanto o seu piso intermediário está sendo invadido pelos zé-manés da periferia... Os muito ricos - foi o caso desse rapaz da nossa história, o filho do pai heroi e da mãe ausente - dão-se ao luxo de não fugir. Dizem que já por duas vezes o rapaz atropelou um ciclista e que, em ambas, não deu no pé. Levou a vítima ao hospital, no primeiro caso. Parou no posto policial, no segundo.
Para eu e você, que rebolamos pra acertar as continhas no fim de cada mês, essa atitude é chamada de pagar o pato, assumir o risco ou se submeter à lei. No caso do nosso mocinho muito rico, posso estar enganado, mas é apenas a certeza que nada de muito especial vai acontecer com ele. Fez merda, filho? Vai lá, socorre o infeliz, avisa a polícia e vai pra casa, deixa que papai dá um jeito.
Mário:
ResponderExcluircom seu texto tão bem articulado e amarrado, fico com dificuldade de argumentar (ou contra-argumentar).
Entendi sua crítica contundente ao pai muito rico e à mãe ausente e, principalmente, às autoridades tupiniquins q frente a tal personagens não se mostram tão convictos da verdade e da ética.
Mas ouso colocar um senão: vc não acha q se o tal do Thor (nome de super-herói, né?) além de atropelar o ciclista, fugisse e não desse assistência à vítima a situação desta família muito rica não seria muito pior?
Situação semelhante lá no DF, em que vira e mexe tem playboy tacando fogo em morador de rua! E ninguém sabe (será?) o paradeiro deste tb rico, muito rico!
bjs
Maurício
Mas o pai do deus nórdico tem uma visão mais ampla, sabe que não pode pisar tanto na bola... quer dizer, faz lá o meio de campo, embolsa uma multa aqui, outraas 15 ali, e vai levando o barco. Ele pensa como rico. Os de Brasília pensam como... classe B-2,
ResponderExcluirEu me perguntava: por que essas pessoas não moram em outro país? Por que não se transferem para plagas mais desenvolvidas, modernas? A sua postagem me respondeu a questão. É melhor continuar vivendo por aqui, usufruindo das leis brasileiras e de quem estiver disposto a contorna-las. Deixemos para o exterior os investimentos, o consumo e outras diversões menos predatórias...
ResponderExcluiré o pai q aparece, pq é famoso. o q me assusta é a ausência de culpa. se mesmo q por uma fatalidade fosse eu a levar o ciclista dessa pra outra, eu me consumiria de culpa, mesmo q ficasse provado q eu não tinha culpa. ia ser difícil voltar a vida normal. jamais conseguiria ir a imprensa pra dar declarações de isenção de culpa, não há como não se ter culpa em levar alguém desse para outra, mesmo q em um acidente. meu pai sempre foi muito rígido, ele ia fazer com q eu respondesse a todos os crimes q cometesse. jamais meu pai me deixou fugir as minhas responsabilidades. lembro do caso do filho da ciça e lembro q pensei como meu pai agiria. não pagaria policiais como o pai do moço tentou fazer. mesmo q eu tivesse fugido, o q seria muito improvável, ele me pegaria pelo braço, me levaria no hospital, faria eu pedir desculpas, me obrigaria a ficar lá, a ir no velório, enterro, ficar visitando a família, pagar o q deveria pra ajudar nos custos. sempre me assusto com pais q ajudam filhos em fugas. beijos, pedrita
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