segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

O Artista entre nós


Em meados dos anos 80, quando a Folha instalou os primeiros computadores na redação, lembro de ter olhado aqueles trambolhos com desdém. "Isso não vai pegar", eu disse. Ainda bem que ninguém tomou nota - se bem que eu não errei de todo. Os computadores eram umas caixas enormes, com tela escura e letrinhas irritantemente cor de laranja ou verde - e tinham o péssimo hábito de sempre apagar tudo quando você estava nas três últimas linhas e, obviamente, não tinha salvado nada. Já no fim da década de 80, quando a Veja informatizou a redação, a empresa teve o cuidado de deixar uma psicóloga por perto - juro. Como as pessoas não arrancavam mais a lauda ao perceber um erro grave, não se extravasava a agressividade. É incrível pensar que já houve quem se preocupasse com isso nas empresas. Mas por que estou reconstituindo esse Jurassik Park da imprensa paulista? Por causa do filme "O Artista".

Sinceramente, não acho que o filme de Michel Hazanavicius mereça tanto oba-oba. Dez indicações ao Oscar, não sei quantos Bafta, não sei mais que prêmio em Cannes... Ufa... O filme é bacana, sim, mas "Tudo pelo poder", "A Separação" e "Triâgulo Amoroso" ainda foram os melhores que vi neste começo de ano. Ao contar a história de George Valentin, popstar do cinema mudo, chocado diante do cinema falado que colocou sua carreira em risco, "O Artista" acerta mais no que não mostra do que no que aparece na tela. Temperado de citações e homenagens - a começar por "Cantando na Chuva", que contou a mesma história, mas com música -, "O Artista" fala de nós. De cada um de nós, colocado diante do novo. Eis aí a pedra de toque do filme.

Assim como eu fui um péssimo profeta, acho que muitos de nós - pra não ser exagerado e dizer todo mundo - tremem diante do novo. Abalam-se quando observam o tempo que passa. Assustam-se quando vêem surgir no portão a geração que vai sucedê-los. Menosprezar ou minimizar ("miniminizar", como diria o diretor de um grande jornal no qual trabalhei muitos anos) o futuro imediato é uma defesa automática de nossos sentidos. Alguns aferram-se a ela, à defesa, e tal qual o protagonista do filme acabam por afundar em seus orgulhos. Há os que aceitam e se adaptam, correndo o risco de incinerar o próprio passado. O ideal seria a aceitação com barreiras...

"O Artista" me pareceu um filme sobre a negação - tanto que a personagem feminina, que é a portadora da novidade, acaba se tornando mera coadjuvante na trama. Não é ela que interessa ao roteirista e diretor. Ela está pronta para o novo, ela usufrui e saboreia o sucesso. Melhor ainda, ela descobre a... Veja o filme, se quiser saber o resto. O que importa aqui é que, ao nos fazer seguir a derrocada de George Valentin, "O Artista" provoca nossa identificação com o conservador, o medroso, o despreparado - não aceitar que o tempo passa e que, como na música, o novo sempre vem, é estar despreparado pra vida.

Posso até não concordar com a chuva de prêmios que "O Artista" colheu e ainda vai colher mundo afora. Mas tenho de reconhecer que não é sempre que um filme nos faz refletir sobre a própria vida. Ponto pra ele.








4 comentários:

  1. nossa, lembro de uma época que me contaram que poucos eram os computadores e todos brigavam por consegui-lo. quem tinha um perfil mais competitivo levava sempre o melhor. q bom q hj são mais acessíveis financeiramente e cada um pode ter o seu. eu até agora não me animei em ver esse filme. achei q tem cada de saudosismo para saudosistas fanáticos q acham q só o q tinha no passado era bom. eu gosto do novo. estou louca pra ver dois coelhos e reis e ratos, mas infelizmente acho q não vou poder ir no cinema nesses meses. beijos, pedrita

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  2. Pedrita, veja 2 Coelhos, etc e tal, mas veja também esse O Artista. Não tem pé no saudosismo, não. Tem sacadas geniais, como a cena em que escutamos os sons dos objetos. Bjs.

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  3. Mário:
    Ainda não assisti ao Artista; depois de seu post, fique ainda mais
    afim de correr para a sala escura! rsrsrsrs
    Sua reflexão sobre o novo e nossa aversão e temor dele é primorosa.
    Prometo voltar à carga depois de assistir
    bjs
    Maurício

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  4. Mário:
    Vc abandonou o "Olhares Loiros"!!!!
    Sei q vc deve estar quase louco com o trabalho da novela, mas não nos deixe órfão! rsrsrsrsr
    Quero um post sobre o Tim Maia!!!
    bjs
    Maurício

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