quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O SUS do Lula


Foi como tosse no intervalo de um concerto. Mal saiu a notícia de que Lula teve diagnosticado um câncer na laringe, começaram a pipocar na Internet os mais variados comentários - do apoio solidário às piadas de humor negro. Teve início uma campanha para que o ex-presidente abrisse mão do atendimento em um dos melhores hospitais do país para tratar-se no SUS, o Sistema Único de Saúde mantido aos muitos trancos e abissais barrancos pelo governo federal.
Do outro lado da trincheira, brigava-se pelo respeito às emoções de quem descobre uma doença grave em si mesmo ou em alguém próximo. Era uma briga feia e, como em todo bate-boca por rede social, recheado de agressividade incontida, de ambos os lados. Mais que aversão política, a campanha "Lula, vá se tratar no SUS" revelou que séculos de civilidade não resistem às dinamites grosseiras das redes sociais.
A tecnologia criada para aproximar pessoas dos rincões mais afastados do planeta serve também para implodir a "educação que mamãe nos ensinou". Alguém, num blog ou artigo opinativo, apontou o anonimato como estímulo para que as pessoas manifestem tão abertamente sua deselegância. Não sei se concordo. Conheço alguns dos que ajudaram a espalhar essa campanha pelo facebook e pelo twitter, seus posts vêm assinados, muitos trazem a foto da própria pessoa. Pudor é o novo mico-leão dourado da língua, ameaçado de desuso. Não existe mais vergonha de expor opiniões e sentimentos que, antes, mal eram sussurrados no ouvido do analista. E, quando eram, faziam o paciente sair do consultório de olhos inchados de tanto chorar.

Hoje, não. Assim como o gosto pelo popularesco não é mais apanágio das "empregadinhas" - notem as aspas, por favor, elas têm uma função crítica -, também a brutalidade e a indelicadeza não são mais atributos de gente tosca. Pelo contrário. Quanto mais bem formado o sujeito, quanto mais bem situado na pirâmide social, mais ele se julga portador de um passe que dá livre acesso à grosseria generalizada. É claro que nem todo rico é mal educado, nem todo pobre é um anjo caído do céu. A pirâmide social do meu comentário é aquela que cada criatura constroi para si próprio.

Colonização, escravagismo e outros desvios históricos criaram em nosso DNA coletivo a ideia de que bom mesmo é ser da elite, não precisar trabalhar muito (ou nada) e, sempre que possível, exibir à patuleia desabençoada os sinais de nosso privilégio. "Público", aqui, é sinônimo de "coisa de pobre, de qualquer um". Pior: é sinônimo de "de ninguém". Não zelamos nem pela área comum de nossos prédios, que dirá do transporte ou da escola pública, do qual - graças a Deus - tiramos nossos filhos. Achar que Lula, ao entrar na hipotética fila do SUS, melhoraria o sistema é mascarar hipocritamente a vontade de que ele morra com a senha na mão. Dane-se se o sistema vai melhorar ou não ("eu tenho meu plano de saúde, meia boca, mas meu"), o importante é que ele pague por "tudo o que não fez" pela saúde do Brasil.

Em princípio, eu concordo plenamente com a teoria de que políticos brasileiros deveriam usar os hospitais públicos, o transporte público e o ensino público. Na verdade, eu sou radical e vou mais longe. Acho que todos nós - todos: eu, você, sua vizinha, seu padrasto, seu irmão adotivo, seu ficante - todos nós devíamos usar os serviços públicos pelos quais pagamos altos impostos. O verdadeiro desaforo não é Lula - ex-presidente, que cobra 200 mil dinheiros por palestra, tendo recursos pra pagar um bom plano de saúde que inclua o Sirio-Libanês -, repito, o desaforo não é Lula tratar-se em hospital de elite.

O desaforo é nós não podermos usar os serviços pelos quais pagamos: eu queria chegar no HC e encontrar rapidamente um ortopedista que desse um jeito na minha dor nas costas; eu queria fazer um bom curso bancado pelo Estado ou ir e voltar dos compromissos usando metrô e ônibus confortáveis. Queria voltar do cinema à noite caminhando sem medo por ruas policiadas e até estacionar meu carro na rua sem medo de não encontrá-lo na volta, já que haveria segurança garantida.

Enquanto apertamos o orçamento pra pagar plano de saúde, colégio particular e estacionamento extorsivo, exigimos que Lula use o serviço público que nós evitamos a todo custo. "Ele precisa dar o exemplo", me escreveu uma garota bastante raivosa. E eu perguntei: "exemplo do quê?" De abnegação cristã? Se assim o fizesse, não faltaria quem o acusasse de populismo e até o atacasse por ter furado a fila - maiores de 65 anos podem fazer isso, está na lei. O fundamental é que ele, o iletrado que virou presidente, voltasse a sentir o gosto de um mau atendimento.

Atire a primeira pedra aquele que, tendo nas mãos o diagnóstico de uma doença grave (em si ou em alguém que ame), não faria de tudo pra conseguir o melhor tratamento. Venderia a casa, o carro, abriria mão de vários confortos. Recusar esse direito a qualquer pessoa - de Lula a Sarney, de Zezé de Camargo a Reynaldo Giannechini -, em nome de uma causa partidária ou algo que o desvalha, está abaixo das normas mínimas de civilidade, até para um usuário de facebook.



7 comentários:

  1. Acredito que a mensagem correta é a de que políticos tem a chance de mudar o sistema e nada o fazem, pois alguns setores, como o da saúde, não dão voto a ninguém. Alguém lembra de algum hospital que tenha sido beneficiado na gestão Lula? Lembra mesmo o nome? Pois é...mas vamos lembrar do Pré -sal, da Petrobrás,Bolsa-família, Minha casa minha vida, da quantidade enorme de propaganda pró-governo com cores vermelhas e por aí vai.Ou seja, propaganda e mais propaganda. Em oito anos de mandato não houve melhoria alguma na saúde.Muito pelo contrário.Nossa previdência social está falida. Vimos o desespero de algumas instituições como Santa Casa e outros hospitais, com pires na mão, clamando por ajuda.Não vejo o protesto como um desagrado por ele ter vindo de uma classe pobre. Vejo o desagrado ante uma pessoa que, conhecedora dos problemas das instituições de saúde do país,até por ter sido parte da população que mais depende dela, nada fez em benefício da classe menos favorecida e tinha poder para isso. Acho que ele tem todo o direito de se tratar no Sírio-Libanês, pois ele hoje tem recursos para tal. Pessoalmente, se precisasse e tivesse recursos não hesitaria em fazê-lo."Com grandes poderes vem grandes responsabilidades". É um clichê, mas é a pura verdade. Lula desperdiçou seu poder e influência para melhorar o sistema de saúde nacional.Estava em suas mãos.Só fez propaganda, no que ele é muito bom. Nada mais justo que depois de sair do Sírio -Libanês desse uma passadinha no SUS e ver a chance que desperdiçou.E pode ir acompanhado pelo José Sarney,Michel Temer,Geraldo Alckmin, Paulo Maluf(que utilizam esse tipo de hospital), só para listar alguns.Independente de suas origens todo político deveria vivenciar os problemas dos mais necessitados. Quem sabe assim mudaria alguma coisa. E também acho que deve ter nossa solidariedade na doença, embora tenha consumido álcool e tabaco a vida toda sem que tenha sido obrigado por nenhum de nós.

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  2. Concordo plenamente:

    " O desaforo é nós não podermos usar os serviços pelos quais pagamos: eu queria chegar no HC e encontrar rapidamente um ortopedista que desse um jeito na minha dor nas costas; eu queria fazer um bom curso bancado pelo Estado ou ir e voltar dos compromissos usando metrô e ônibus confortáveis. Queria voltar do cinema à noite caminhando sem medo por ruas policiadas e até estacionar meu carro na rua sem medo de não encontrá-lo na volta, já que haveria segurança garantida."

    E ainda:

    "Atire a primeira pedra aquele que, tendo nas mãos o diagnóstico de uma doença grave (em si ou em alguém que ame), não faria de tudo pra conseguir o melhor tratamento. Venderia a casa, o carro, abriria mão de vários confortos. Recusar esse direito a qualquer pessoa - de Lula a Sarney, de Zezé de Camargo a Reynaldo Giannechini -, em nome de uma causa partidária ou algo que o desvalha, está abaixo das normas mínimas de civilidade, até para um usuário de facebook."

    Parabéns, pela BRILHANTE explanação!

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  3. PERFEITO...!

    Parabéns Mario, pelas suas excepcionais considerações e conclusão.

    Acredito que se queremos mudar o nosso País, não é desejando o mal para o Lula ou outros, que de alguma forma nos prejudicaram, para pagar tipo com a mesma moeda, ou seja, que aquele ou aquela passe por isso ou aquilo de ruim. Isso não é bacana!

    Acredito também que esse negócio de liberdade de expressão, as pessoas confundem e falam o que dá na telha, principalmente no mundo virtual, onde estamos por trás dos bastidores.

    É tão legal o respeito, a delicadeza nas palavras, expondo o que se quer, de uma forma gentil, bem humorada, isso sim, pra mim é liberdade de expressão.

    Quer falar palavrão soca um travesseiro e libera geral...!

    Se as pessoas se colocassem, mais no lugar do outro, seria muito mais simples a vida!

    Violência não se cura com violência, mais com atos de amor, afeto, carinho, etc.

    Parafraseando nosso querido John Lennon:

    "All you need is LOVE".


    Como sempre digo: "Fale com delicadeza hoje, pois quando o amanhã chegar, você já estará habituado".

    Congratulations, Mario!!!

    O mundo precisa de pessoas como VOCÊ, que de uma forma doce, respeitosa e ética, expõe a vida real!

    Vamos refletir, people...!

    Big kiss. (¨/¨)

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  4. Falou e disse, galera!
    O mundo implora por amor, e não mais desgraça ou comentários baixos que não nos levam a nada. Ao invés de comentar da vida do Lula, porque não pensamos em unir forças e mudar que queremos. Falar da vida dos outros, não acrescenta em nada, só atrai energia negativa. Agora debatermos idéias para mudar o que está errado, como o nosso amigo fez no seu post de uma forma genial, aí sim é legal! Parabéns para ele e para os comentários ai emcima, assino embaixo.
    Paz e luz!

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  5. Mário,
    seu texto, como sempre, provoca o leitor a pensar.
    Vc relacionou várias questões para se referir ao fato da doença do Lula e a campanha bizarra nas redes sociais.
    Queria ressaltar duas coisas: primeiro, cada vez mais as pessoas nesse nosso país estão se esquecendo do que é PÚBLICO e o q é privado. Não se dá a devida importância ao que é de toda a coletividade, portanto, público. Escola, ruas, hospitais, praças, parques, rios etc etc. Como vc bem disse, se não se cuida nem das áreas internas dos condomínios, como o CIDADÃO vai se importar em deixar limpa a sua cidade, rios etc
    Outro aspecto que o seu post levanta é sobre os impostos que todos pagamos. Imposto é a taxa cobrada pelo Estado para que haja investimento e manutenção do bem PÚBLICO. Vc citou a escola, o hospital, a segurança nas ruas; além do plano de saúde, a escola privada em que os filhos estudam, hoje muita gente paga por vigilância particular pois não temos mais a segurança PÚBLICA a que todos temos direito, já que pagamos muito imposto nesse país. (uma das cargas tibutárias mais altas do mundo, mas que não é revertida em bens para a população). Esse é o nosso país..... infelizmente.
    bjs e parabéns pelas reflexões
    Maurício

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  6. Olá Mário, PARABÉNS pela seu comentário, nós faz refletir pelo que não fazemos também, que é lutar, exigir que as funções públicas sejam exercidas com rigor e com eficiência, como a própria Constituição de 1988 determina. Nó, o povo, precisamos tratar melhor a coisa Pública e exigir o cumprimento das obrigações de quem se propõe a dirigir o Estado. Não adianta banalizar o radicalismo, não ter consequência nas atitudes, pois, só reforçaria o que já ocorre, ou seja, as falsas prmissas como se fossem verdades absolutas quem só tem causados danos, pois é isso que muitos responsáveis pelos rumos do EStado fazem. PARABÉNS POR SUAS SENSATAS REFLEXÕES. Edi

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  7. SUGESTÃO,

    Mário, me permita sugerir a vc o blog: www.gramaticadomundo.com, penso que vc irá gostar, tem muitos textos interessantes, eu sugeri ao blogueiro do gramática, Prof Romualdo, o sue blog, por isso, também sugiro o dele a vc. se for possível, dê uma olhada. Atenciosamente, Edi

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