quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Alô, alô... responde...


Quantas palavras existem no mundo, não faço a menor ideia. Só sei que todas elas, juntas, não estão dando conta do recado. Nunca se falou tanto, nunca se escreveu tanto, nunca se comunicou tanto para tantos - e, contraditoriamente, nunca nos entendemos tão pouco. Nos e-mails, nas redes sociais, nos livros, jornais, blogs, revistas, nunca tantas palavras foram atiradas a esmo. Emitimos sinais, contamos façanhas, lançamos apelos - para quem? Antes, quando escrevíamos uma carta, colocávamos o destinatário no envelope e dávamos um rumo definido à mensagem. Trocamos o destinatário por "amigos" e "seguidores", subtraímos rosto e digital - mas perdemos em retorno. Com quem falamos? Quem tenta, em algum ponto do planeta, falar conosco? Consegue?
A "descomunicação" é o tema que une três filmes argentinos. Não deve ser coincidência que um dos povos mais falastrões do mundo tenha levado ao cinema essa preocupação - a comunicação com o outro está interrompida, fora de área, sem sinal. Estamos sós. Solitos, dizem os argentinos em filmes como "Um conto chinês", "Medianeras" e "O dia em que não nasci". É bom prestarmos atenção nisso.
Embora aparente ser o mais óbvio, "Um conto chinês" é o mais universal dos três filmes. Na fábula do irritadiço comerciante portenho (vivido com especial brilho por Ricardo Darín, o Mastroianni da nossa época) e de seu hóspede chinês (Ignacio Huang), que desembarca na Argentina sem saber nem um "hola que tal" básico, está muito da nossa vida atual. O desconforto com o desconhecido, o medo da solidão - e o pavor de aprender a conviver, tudo isso está no filme de Sebastian Borenztein. Os dois protagonistas não trocam uma só palavra diretamente. Nada de nada. Ali, não há lugar para google translator, nem para aqueles antigos dicionários de frases básicas para viajantes. Eles nunca se falam, mas acabam se entendendo. Une-os a solidão e esse é um dado fundamental para entender os três filmes e a nossa vida.
O segundo filme é uma co-produção Alemanha-Argentina, que toca numa ferida sensível - o destino dos filhos dos mortos pelo regime militar que dominou nosso vizinho nos anos 70/80. Se "A História Oficial" (1985) falava de uma mulher (Norma Aleandro, estupenda) que saía do casulo protetor da classe média ao descobrir ter adotado filhos de perseguidos políticos, o filme "O dia em que não nasci" conta a história de uma dessas crianças. Uma nadadora alemã, ao fazer escala de voo em Buenos Aires, lembra-se de uma canção de ninar cantada em espanhol, uma língua que ela nunca falou. É o mote para descobrir ser filha de um casal morto pela ditadura - e outras descobertas terríveis virão. O filme cresce, imensamente, quando entra em cena a tia argentina da moça - vivida por Beatriz Spelzini, uma atriz fantástica. A mulher está feliz por reencontrar a sobrinha que julgava perdida, mas não esquece que é preciso justiça para quem tirou a menina da família. O embate entre a alemãzinha e seus tios argentinos se dá por mímica ou por um vocabulário de inglês mequetrefe. Um não fala a língua do outro, mas ambos buscam desesperadamente um ponto em comum e, quando o encontram, descobrem que isso pode ser um problemaço.
O terceiro filme está fazendo mais sucesso, pois tem visual moderninho e soluções criativas para várias cenas. Infelizmente, é o de roteiro mais frouxo, esquemático. "Medianeras" seduz pelo que indica, não pelo que mostra. Espécie de "Nunca te vi, sempre te amei" da geração Apple, o filme tem um casal protagonista fofo - ela, a espanhola Pilar Lopez de Ayala é linda toda vida, e ele, Javier Drolas, tem charme - e usa & abusa de todos os ícones de nossa pretensa modernidade: internet, chat, computador da Apple, auto-depreciação bem humorada, onde está Wally, sexo sem paixão e delivery de comida chinesa. Saímos do cinema com o ar satisfeito de quem se viu na tela, em pelo menos um dos momentos, e nem nos damos conta que o roteiro é um curta espichado sem burilamento: faltou desenvolver melhor a personagem feminina, suas cenas de "solidão" são basiquinhas e repetitivas. Talvez por ser homem, o diretor caprichou mais nos percalços masculinos. E mesmo assim não explica como o rapaz de roupas sempre discretas tira do armário o moleton que usa na última cena. OK, fica uma gracinha, a gente suspira ("viu só? o segredo é não desistir de procurar"), mas não faz sentido.
O filme de Gustavo Taretto, no entanto, é eficiente ao mostrar que a solidão dos personagens é gritante e seus desencontros são a marca de nosso tempo. Estamos todos assim, vários mundos desconexos em estreitíssima convivência e sem tradução simultânea. O bom é que o cinema mostra que isso ainda nos incomoda. Só por isso, já dá pra ter esperanças.

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