sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Parceiros, ainda e sempre


Coloquei o ponto final na primeira versão de "Pantagruel" no dia 10 de setembro de 2001. No dia seguinte, extremistas a mando de Bin Laden jogaram dois aviões contra o World Trade Center, em Nova York. Obviamente, um fato não tem relação nenhuma com o outro, mas a gente encontra meios muito particulares de marcar acontecimentos importantes em nossas biografias. Para mim, o 11 de setembro é e será sempre o dia seguinte ao fim da primeira etapa de um trabalho que mudou a minha vida: terceira parceria minha com os Parlapatões, "Pantagruel" me estimulou a pedir 4 meses de licença não-remunerada do Estadão e, por sua vez, estimulou o Estadão a me colocar na lista de demitidos quando houve um corte brutal na redação.
Meu retorno ao jornal, em dezembro de 2001, durou 15 minutos. Já demitido, antes mesmo de pegar o carro no estacionamento pra deixar o prédio na Marginal do Tietê, decidi que ia me dedicar de vez à dramaturgia. Na bagagem, tinha uma comédia estrelada por Rosi Campos, "Ifigônia", e três peças com um grupo que, naquele 2001, comemorava dez anos de existência - os Parlapas. Esta semana, em que o grupo de palhaços festejou 20 anos de vida, serviu também para eu colocar a minha trajetória em perspectiva. Não foi nada radical, nem depressivo, foi só a constatação de que, ao cruzar caminho com os parlapatões, eu encontrei um novo rumo. Não igual ao deles, mas o meu - meio paralelo, meio avesso, meio cruzando-se de novo (como no divertido espetáculo itinerante "O Pior de São Paulo").
Só sei que, na minha carreira, os Parlapatões foram muito importantes - são até hoje e serão por muito mais, assim espero -, mas creio que eu também tenho lá minha funçãozinha no meio desses 20 anos de palhaçadas. No mínimo, como segundo autor mais montado do grupo, abaixo apenas do diretor-ator-autor Hugo Possolo. Se alguém me perguntar o que um grupo de palhaços tem a ensinar a um autor que achava não ter mão pra comédia, eu diria rapidamente: me ensinaram a ser sério. Sem piada.
Fazer rir, aprendi com eles, é de um rigor, de uma precisão e de um respeito absurdos. Fazer rir não é levar tudo na flauta - tente chegar 5 minutos atrasado pra reunião ou pro ensaio e você saberá que rapadura é doce, mas não é mole, não. Ah, mas eu aprendi também a encontrar o tempo da piada, a frase certa pra dar ritmo à cena, a noção de tempo e espaço que o humor (e o teatro, como um todo) exige. Aprendi a trabalhar com gente que se dedica integralmente ao trabalho e que respeita radicalmente seus parceiros de jornada. Ética faz parte da receita.
O melhor de tudo foi o que surgiu a partir dos trabalhos - a relação de amizade profunda com Hugo, Raul, Napão, Claudinei, Cris, Marcinha... E a total independência de poderes, a relação aberta que nos permite trabalhar com meio mundo e, de repente, voltar um pros braços do outro. Quando o Hugo me liga e chama de "Marião" é a senha pra uma nova fria - ou trabalho, o que, com eles, é sempre meio sinônimo. "Vamos fazer uma peça sem roteiro dentro de um ônibus e... ah, sem ensaio". Resposta: "Tá". E dá certo!
Bom também é não precisar idolatrar tudo o que o outro faz. Nem tudo o que eles fizeram nesses últimos 10 anos foram do meu agrado e nem todo trabalho meu foi assim uma coqueluche entre os parlapas. Mas quando agrada, ah, é uma alegria danada. Domingo, ao assistir "Ridículos ainda e sempre", um texto russo que parece ter sido escrito para os Parlapatões (como bem previu o diretor Antonio Abujamra, que mostrou a peça pro grupo)... durante a apresentação, enfim, eu me senti muito feliz por ver os meus camaradas mandando uma brasa danada no palco. Raul e Hugo, ao lado de Jaqueline Obrigon, Abhyanna e o pop star Helio Pottes, apossam-se do texto de Daniil Kharms e, entre uma risada e outra, atingem níveis incríveis de poesia. Saí do teatro feliz da vida, como se fosse uma boa estreia minha. Se isso não é parceria, olha... não sei mais o que é.





3 comentários:

  1. é lugar comum, mas adoro os parlapatões. beijos, pedrita

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  2. oi Marião: adorei o comentário. Especialmente a parte em que vc lembra que comédia é de uma precisão e rigor absolutos - coisa que muita gente esquece...
    E fez muito bem a São Paulo e à minha vida - como paulistana e como sua amiga também - esse feliz encontro entre vc e os Parlapas.
    É bom ter gente assim por perto numa cidade que vota em Maluf, Kassab e tem mais alguns milhões de habitantes, ã, estranhos (tô fofa hoje para usar palavras mais duras).

    BEIJO!!!

    Neusa

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  3. Mário:
    como sempre, seu texto é envolvente e profundo, sem perder o humor!
    Sua saída do Estadão (demissão) foi na verdade um alívio para vc e uma oportunidade para que o planoB (viver da dramaturgia) tomasse corpo!
    E vc não poderia ter melhor companhia do que os Parlapatões!!!!
    Se vc aprendeu com os palhaços "o tempo da piada, a frase certa pra dar ritmo à cena, a noção de tempo e espaço que o humor exige", nós os espectadores ganhamos um autor que se dedica a esse gênero tão essencial para nosso entendimento!
    Parabéns aos Parlapatões pelos 20 anos de estrada e a vc pela sábia decisão de por em prática sua verve dramatúrgica!
    bjs
    Maurício

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