quarta-feira, 20 de julho de 2011

Portinari, para poucos


A menina magricela, de uns 10 anos mais ou menos, estava entre inconsolável e revoltada. "Por que não posso fotografar os quadros que eu quero?", perguntava-se sem obter resposta do segurança gentil (porém desinformado) nem dos pais, de aparência de quem tem pouca intimidade com o ambiente dos museus. A cena se passou domingo no MAM, onde foi aberta uma delicada exposição de Cândido Portinari. Tenho uma tendência quase psicopata de dar informação a quem se encontra perdido na rua e, desta vez, não reprimi meus instintos. Expliquei pra menina que alguns quadros pertenciam a colecionadores particulares, que o emprestavam, mas proibiam fotos. O pai ou a mãe da menina tentavam ajudar. "É pra ninguém fazer cópia e vender na rua". A menina assumiu a frustração e decidiu: "Quando eu ficar grande, vou comprar quadros bem bonitos e deixar todo mundo fotografar". Tomara.
O que gira em torno dessa história é a exposição - recorte de um período curto na vida de Portinari (1903-1962), com vários estudos e rascunhos - bem bacana. Tão bacana, que esqueceu da popularidade de Cândido Portinari. Domingo, dia de entrada grátis, o MAM estava bem cheio, havia fila de espera para entrar. E o grátis não explicava a presença de outras famílias "simples", daquelas que normalmente não se vê em exposição de pintura. Há uma delicadeza nessa visita, a preocupação de o filho aprender alguma coisa nas férias, fora da escola (Portinari é um daqueles nomes que caíram no imaginário popular, virou sinônimo de algo bom no mundo das pinturas). É para esse público que a exposição parece voltar as costas.
Não há a menor explicação didática e, no caso de um artista popular isso é fundamental. No caso do MAM, todo mundo sai desinformado. Por exemplo: mostra-se vários estudos para o preparo de belos murais. Mas onde estão esses murais? Por que não colocar uma foto da Igreja da Pampulha ou do prédio do Ministério da Educação no Rio? Em uma parede, há uma linda série de retratos que Portinari fez de sua mulher, Maria - mas eu só sei que era a mulher dele, porque li a resenha da Vejinha. Quem entra no museu sem saber nada antes sai com o mesmo nível de informação complementar. Pena que a curadoria não tenha pensado nisso.
Lembro que, alguns anos atrás, fiz um curso de produção cultural na Fundação Getúlio Vargas e, numa das palestras, ministrada por um diretor do Masp, ouvi bestificado o seguinte: exposições muito populares não nos interessam, porque atraem um público despreparado, sem pedigree. Numa hora dessas, a função social de um museu, escoa pelo ralo do esnobismo e revela exatamente o que boa parte do mundo da Arte reflete: Arte é para poucos, para os eleitos, para os bacanas. Quem é do povo deve dar graças a Deus por ter televisão e estátua viva na Paulista. Quer pintura? Compra um quadro de palhacinho chorando e passe bem. Deixa o Portinari pros lindos.
Ser didático não significar ser chato. Dá para ensinar sendo lúdico. Quando uma família da
periferia avança o sinal e entra no Museu, está dando sinais claros de que quer mais do que
o domingo de faustão e gugu. Pode não suspirar embevecida, nem comentar que a exposição de Fulano
em Paris era melhor.... Mas chegou ali e não deve ser ignorada.
Às vezes, penso que é justamente a arrogância dos produtores de cultura que afasta
os que querem
aprender alguma coisa. Colocar uma barreira entre "nós" e "eles" ajuda a manter o sistema de castas
em que vivemos. O coronelismo nocivo da política alastra-se no dia a dia e manifesta-se no império
dos chiques sobre os populares, da grande arte sobre a arte popular. Não é um mal exclusivo do Brasil,
é bom que se diga. O cabonismo pirateia-se mundo afora.


6 comentários:

  1. pedigree, hein? Pedigree é o que esses produtores de cultura não têm.

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  2. Não que eu não tivesse antes, mas estou com uma preguiça exarcebada desses "profissionais de cultura" que só dão importância quando algum ex-____________ (insira cargo: governador, presidente, diretor de empresa) ou atual _____________ (mesma lista acima) ou celebridade intelectual aparece. Aí rende matéria, o curador sai na TV lindo na foto.

    abs

    Cauê

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  3. a menina não sabia q não podia fotografar, mas não tem ideia tb qt custa uma obra de arte. eu ia dizer isso, dá pra educar sem ser chato, ou mesmo sem ser didático. tem q depois vasculhar na internet para obter mais informações e nem saber se são corretas. realmente eu concordo, eu preferiria ter mais informação do próprio curador a de estranhos na rede. preciso ir ver essa exposição. beijos, pedrita

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  4. Mário,
    como sempre, seu ponto de vista é certeiro!
    Arte popular X arte elitista!!!!
    Que porre! Arte é arte e
    uma instituição como museu tem obrigação
    de ensinar e passar o mínimo de informação sobre o produto (exposição, artista) que leva ao público. Pena q a curadoria da mostra do Portinari não tem essa noção básica. E como vc bem disse, educar e informar não precisa ser uma atitude chata e cansativa.
    Parabéns por sua crítica! bjs
    Maurício

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  5. oi Mário:
    muitas vezes eu tenho essa mesma sensação, de que museus e curadores de arte querem manter elitizado esse mundo...
    Quantas vezes não faltam informações essenciais até para quem já sabe alguma coisa? Imagina quem está chegando pela primeira vez, como a menina, como aquela pessoa que decidiu arriscar-se num território novo - e que poderiam ser conquistadas para ele, se houvesse uma atitude adequada de quem administra esses acervos, como não?
    O elitismo interessa pra quem quer continuar mantendo aquele mundinho pra poucos... E não quer que cheguem novos sócios nesse e em outros clubes.

    Vamos espinafrar essa gente sempre que possível! Como vc fez tão dignamente aqui.

    Te apóio!!!

    bjs

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  6. Observação sensível, Mário.
    parece que se instala um vazio imenso, até pra gente que tem um tiquinho que seja de informação. Quantas vezes me senti boiando em exposições, contando apenas com o que trazia comigo e saindo com uma coleção de imagens na retina que, aos poucos, iam se diluindo porque nao havia em que "grudar".
    Tudo bem , o diálogo puro e simples com a obra é super importante, necessario até, mas?...
    Sabe o que me lembram essas propostas? Um supermercado, um shopping. Produtos, vitrines, exposiçao de objetos a serem consumidos e descartados no proximo corredor.
    Beijos, querido.

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